Atravessando

Inaldete Pinheiro lança coletânea com sua longeva e ativa poesia

'Travessias', de Inaldete Pinheiro, é lançado nesta sexta-feira, no Hotel Central, reunindo poemas de décadas de escrita e militância

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 27/12/2019 às 10:36
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'Travessias', de Inaldete Pinheiro, é lançado nesta sexta-feira, no Hotel Central, reunindo poemas de décadas de escrita e militância - FOTO: Foto: Léo Motta/JC Imagem
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Aos 73 anos, a escritora Inaldete Pinheiro tem uma vasta produção poética para colocar para fora, sendo uma das pioneiras na cena local. Sua obra, assim como sua vida, está sempre se articulando pelas narrativas das lutas políticas, principalmente dentro do movimento negro, do qual foi uma das pioneiras em Pernambuco. Toda essa movimentação que mistura embates e escrita está na coletânea Travessias (edição independente), lançada amanhã, no restaurante do Hotel Central.

A obra vem ao mundo em um momento de convergência de efemérides. 2019 marca os 50 anos desde que se mudou do Rio Grande do Norte para o Recife, 40 desde quando teve início o movimento negro na cidade e 30 desde que começou a ser publicada, dando um pontapé oficial em uma carreira que conta com publicações infantis, não-ficções e antologias. Agora, é a vez colocar no mundo cadernos de poesias, escritos entre 1979 e 1989, que refletem sua trajetória, assim como a da política e do mundo, em suas mudanças de lá para cá.

"É uma forma que encontrei para celebrar isso tudo. Quando passei a estudar questões negras, que a escola não me ensinou, também comecei a sintetizar tudo aquilo através do poema. Fiz vários cadernos, um deles já tinha até prefácio de Francisco Julião (líder político das Ligas Camponesas), mas nunca saíram enquanto livros, só uma coisa ou outra que circulou na intimidade do movimento negro", relata Inaldete.

Suas Travessias

Entre os cadernos, estão: Ruas de Ébano, sobre o começo de seu "exílio" no Recife; Poemas de Amor e Luta, acerca das amizades e dos conflitos no movimento negro; Negração, carregado de uma militância que se articula com o feminismo; Apartheid, Não, traçando paralelos entre o regime segregador sul-africano e outros que acontecem pelo Brasil.

O teor de saudade e exílio do primeiro caderno não é mais uma realidade para Inaldete. Nessas cinco décadas, teve suas raízes muito bem fincadas por aqui. A autora é detentora do título de cidadã recifense e recebeu, em 2010, a medalha Leão do Norte Classe Ouro pela Assembleia Legislativa. "A cultura daqui é a cultura que me absorveu, desde quando cheguei, aos 23 anos. Aqui foi que aprendi como se deram muitas coisas, como a escravidão. Despertei para a militância aqui e lutei aqui", relata.

A edição da publicação ficou com a autora Odailta Alves, amiga próxima de Inaldete. Ela aponta que por mais que contasse com esse auxílio na hora de conceber o Travessias, a crítica e os critérios que resultariam no trabalho final era seu. "Eu tenho muitos rigores e trabalhei muito em cima deles. Preservei a essência dos cadernos, mas deixei algumas coisas de fora. Alguns poemas afetivos, por exemplo, de namoro, eu tirei, porque a pessoa em questão não merecia mais. Outros sobre alguns líderes africanos que acabaram se sujando ficaram de fora. Sei que eles fazem parte da história e um dia eu jogo eles, mas agora quis me ajustar ao momento", explica.

Serão 500 exemplares, impressos pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), número que julga suficiente para seus objetivos. "Eu queria fazer essa celebração e o importante era colocar esses poemas para fora da gaveta, vou pegá-los e colocar no mundo. Eu já estou mais para lá do que para cá no sentido de passagem para outra vida, então eu quero cuidar bem dessas coisas que eu tenho", relata Inaldete.

Ela ainda acredita que seu trabalho possa beneficiar as novas gerações da militância, no sentido de compreender a história das lutas passadas e compreender isso por meio de seus olhares poéticos e pessoais. "Há pessoas jovens que chegam muito entusiasmadas, que acham que a luta está começando ali com elas. Eu também já fui assim um dia, mas sei que nada começou assim. Na verdade, tudo começou quando o primeiro negro foi posto em um navio. Espero que esse livro seja um instrumento de repensar também essa história anterior", elabora.

Inaldete relata que sua vida literária vem se dividindo entre anos de leitura e anos de escrita. Para 2020, a ideia é de mais um ano da segunda atividade, com dois livros já sendo planejados. Um deles, em um estilo mais de prosa ensaística, é Escritos das Escravidões e das Liberdades, juntando literatura, história oficial e não-oficial e jornalismo. O segundo, já pronto, tem sua essência em seu título, Cartas à Minha Neta, reunindo esses escritos para sua neta de dez anos.

l Lançamento Travessias, de Inaldete Pinheiro - Hoje, às 18h, no Restaurante do Hotel Central (R. Manoel Borba, 209, Boa Vista). Livro por R$ 25 (no lançamento) e R$ 35 (nas livrarias).

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