'Brilhando no Ensino Médio'

Bione dá vazão à musicalidade de sua poesia marginal

Aos 16 anos, Bione lança sua primeira mixtape, 'Sai da Frente', na busca por rumos musicais para sua poética de luta e afetos

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 09/12/2019 às 9:53
Foto: Hanna Carvalho/Coquetel Molotov/Divulgação
Aos 16 anos, Bione lança sua primeira mixtape, 'Sai da Frente', na busca por rumos musicais para sua poética de luta e afetos - FOTO: Foto: Hanna Carvalho/Coquetel Molotov/Divulgação
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Há algo na juventude que faz o futuro ser algo muito palpável, com os blocos de sua construção visíveis desde já. Aos 16 anos, Bione parece ter uma noção muito clara disso no que canta em sua mixtape Sai da Frente, lançada em novembro passado, marcando o mergulho de cabeça da jovem poeta na música. Cantando onde quer chegar, como chegou e onde está, “brilhando no ensino médio”, Bione deu um primeiro passo potente, daqueles nos quais é possível contemplar seu talento ao mesmo tempo em se fica pensando naquilo de bom que ainda deve vir por aí.

Seu nome começou a ser marcado por meio da poesia marginal. Bione, aos 15 anos, foi vencedora da edição de 2018 do Slam das Minas, representando Pernambuco na competição nacional. A voracidade de sua poética, afirmando seu poder enquanto uma mulher "preta favelada", conquistou olhares e ouvidos. Com o desejo da música já morando dentro de si, o Sai da Frente parecia um passo natural a ser dado.

"Sempre quis fazer música e todas as minhas poesias tinham uma musicalidade e eu sempre ouço as coisas rimando. Eu sempre soube que minha poética são músicas desde o começo”, relata Bione. Com suas passagens pelo Slam, a possibilidade começou a se concretizar com a chegada da Aqualtune Produções, selo independente voltado para o estímulo de artistas também independentes, especialmente mulheres negras, trabalhando com nomes como Rayssa Dias, Negrita e a DJ Karla Gnom. Em 2018, começou a circular ainda com sua poesia, sendo contratada e vendo uma possibilidade real de investir na música, começando a se organizar para a mixtape.

"Eu reparei que ia dar para fazer música quando eu vi a possibilidade de investir e poder continuar investindo. Meu medo era começar e não conseguir terminar, não conseguir continuar. Mas veio o reconhecimento do público e de contratantes com minha poesia, notei que eu tava fazendo uma renda com isso. Mesmo que ainda pouca, dava para pagar uma conta de luz em casa. Aí pensei:pronto, se eu consigo pagar essa conta, talvez eu possa investir nisso, fazer meu bagulho acontecer", relembra.

Com esse pensamento, era hora de colocar a mão na massa, firmando uma parceria com o produtor Rodrigues997, partindo dos beats à masterização final. A primeira oferta dele foi a de um beat, mas Bione e a Aqualtune fizeram a contraproposta pedindo quatro beats para poder já entrar com uma mixtape, a qual Rodrigues prontamente topou e aceitou ser pago em duas vezes. Assim, surgiram as quatro faixas de Sai da Frente, inicialmente batizado como "Delito".

"A primeira ideia era 'Delito' porque tudo que um menor de idade faz e é contra a lei, não é crime, é delito. Como uma menor de idade subversiva, decidi colocar esse como título. Quando gravamos a primeira, o discurso de início que faço precisava de uma frase de efeito. Lenne (co-idealizadora da Aqualtune) sugeriu 'sai da frente' e eu gostei. Acabou ficando o nome da mixtape”, relata.

São quatro faixas no projeto: Sai da Frente, Deixa as Garota Brincar, Única e Antes dos 20. Elas giram bem em torno da posição de enfrentamento de Bione, de querer alcançar lugares e lutar contra todas as estruturas que conspiram contra jovens mulheres negras, dentro do mutualismo entre o racismo e a misoginia. Nessa luta ela deixa claro seu senso de coletividade e a conquista por meio das redes de apoios dos seus, assim como em levar junto ao topo todos esses que estiveram lá por ela. Em Antes dos 20, fala em dar uma casa para a mãe, um prédio para a produtora. Em Sai da Frente, a faixa, exalta a força de “mainha” e da prima Déia nesse começo de caminhada.

"Não tem como falar de mim sem falar sobre as pessoas que tão me acompanhando nesse corre. É necessário reconhecer essa galera que me reconhece, se fosse sobre mim, acho que não faria sentido. Se eu quero trazer essa galera comigo, tenho que trazer nas minhas letras também", elabora.

E dentro desse universo de gritos de luta e resistência, também há espaço para dar atenção aos afetos. A faixa Única é dedicada ao amor, às idas e vindas de um relacionamento dentro de sua voz incisiva. "Eu não sou formada só de luta. É importante falar disso também, não é uma quebrada de clima, mas é um 'sai da frente' que eu também posso amar. A ideia é essa, eu estou reivindicando meus direitos, como uma mulher preta, nordestina, lésbica e periférica e isso tá incluído", aponta.

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No final do último mês, chegou a hora de colocar sua criação e voz para a presença física do público. Bione foi uma das atrações do palco Sonic na última edição do festival No Ar Coquetel Molotov. Era a primeira vez que subia em um palco para cantar. Confessou estar bem apreensiva antes de subir lá. Algo que não era nada visível quando começou de fato a apresentação, acompanhada pela DJ Boneka. Caminhava de um lado para o outro do palco com firmeza, chamava o público junto e dominava o momento. Certamente um dos melhores shows da noite.

"Durante o rolê, eu me sentia em casa de alguma forma. Não quero parecer egoísta de alguma maneira, mas tinha alguma coisa ali que dizia que eu nasci para isso. Consegui subir no palco e fiz o que eu já sabia que conseguiria. Não tive dúvidas e é difícil não duvidar da própria capacidade vindo de onde eu venho", declara. No próximo dia 20, fará seu primeiro show aberto ao público, no Pátio do Terço, dentro da programação do lançamento da revista Outros Críticos.

Os planos agora são voltados para o lançamento de um álbum em 2020, já começando a se organizar para torná-lo possível, assim como lançar algumas outras músicas durante esse processo. A ideia é chamar também pessoas que ela admira para parcerias e fazer um "álbum pesado".

"Eu quero que minha música chegue nos meus, tá ligado? A galera que se reconhece com o que eu digo. E se não for para chegar na galera que reconhece o que eu digo, que chegue nas pessoas que têm consciência do que eu tô falando. Que respeitem esse rolê, esse corre todinho. Que falem 'eu tô numa posição de privilégio e vou escutar agora uma menina preta, nordestina, cantar', é isso. Eu quero chegar onde minha música for”, conclui Bione.

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