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João Cabral de Melo Neto teve infância entre livros e engenho

Escritor foi influenciado pela vivência na zona rural e amor pela literatura

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 05/01/2020 às 7:00
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Escritor foi influenciado pela vivência na zona rural e amor pela literatura - FOTO: Divulgação
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Apesar de ter nascido no Recife, João Cabral de Melo Neto sempre foi um menino da zona rural. Era tradição do seu avô materno que todos os netos nascessem em sua casa, no bairro da Jaqueira, e assim ocorreu quando Dona Carmem deu a luz a João. Com um pouco menos de dois meses de vida, ele segue para o engenho Poço, em São Lourenço da Mata e, ainda criança, para outro engenho pertencente a seu pai, em Moreno. Aos 10 anos, a família regressa ao Recife em decorrência de atritos causados pela Revolução de 1930. Na capital pernambucana, João passa a estudar na escola dos irmãos Marista, onde faz amizade com a figura mais distante das características de personalidade que viriam a ser conhecidas no poeta: o extravagante José Abelardo Barbosa de Medeiros, Chacrinha.

Desde essa época, a literatura já estava presente na vida de João Cabral. Segundo seu irmão mais novo, Evaldo Cabral de Melo, historiador, o pai deles sempre estimulava o que percebia de potencial nos filhos e, no caso do pequeno João, o incentivo foi à ambição literária. “Ele teve a sorte de crescer em uma casa que tinha biblioteca, os pais eram leitores, a família era de advogados e se lia muito, principalmente Eça de Queiroz”, relata Ivan Marques, jornalista, doutor em literatura brasileira e biógrafo do poeta pernambucano. “João vivia com um lápis e um livro na mão, sempre muito curioso. Ele descobriu também muitos autores por conta própria, lendo o suplemento literário do jornal.” O livro que Ivan está escrevendo vai ser lançado pela editora Todavia em meados deste ano. “São dois anos entre pesquisa e escrita, uma convivência intensa com ele. Venho entrevistando familiares, procurando em arquivos, entrevistas e cartas. A leitura das correspondências é muito interessante, revela um João Cabral mais íntimo e menos formal. Ele tende a revelar acontecimentos do cotidiano, pequenas curiosidades.”

Entre as idas e vindas ao engenho, João acabou assumindo a função de contador de histórias pelo privilégio de ser alfabetizado. “No dia-a-dia do engenho,/toda a semana, durante,/cochichavam-me em segredo:/saiu um novo romance./E da feira do domingo/me traziam conspirantes/para que os lesse e explicasse/um romance de barbante”, escreveu no poema Descoberta da Literatura, que integra a obra A Escola das Facas, de 1980.

O gosto pela literatura também foi transmitida a seus cinco filhos: Isabel, João, Inez, Luiz e Rodrigo. “Na minha casa não líamos em conjunto, apesar de ler basicamente os mesmos livros. A briga era mais para ver quem lia primeiro”, conta Inez, também escritora. “Como morávamos fora, nossos pais nos proporcionavam muitos livros brasileiros. Meu pai, fã incondicional de romances históricos, nos fez ler muitos livros de Alexandre Dumas. Em Marselha, lemos o Conde de Montecristo e depois ele nos levou para visitar o Chateau d’If onde o conde ficou preso. Mas sempre tive o hábito de escolher meus próprios livros, nunca houve censura alguma nesse quesito. Éramos uma família de leitores compulsivos.”

REFERÊNCIAS

É extensa a obra de João Cabral com a temática da zona rural, da paisagem do canavial e das memórias daquelas décadas de 20 e 30 que ele só passou a retratar em sua poética anos depois, com o distanciamento geográfico de Pernambuco. “É fácil entender que ele tenha escrito tanto sobre o Pernambuco da Zona da Mata. Ele foi, como José Lins do Rêgo, um menino de engenho”, ressalta Mário Hélio. Menino de Engenho é, inclusive, o título de outro poema publicado em A Escola das Facas. Nele, João relata um episódio em que se cortou com uma cana de açúcar. “Menino, o gume de uma cana,/ cortou-me ao quase de cegar-me/ e uma cicatriz, que não guardo/ soube dentro de mim guardar-se.” A riqueza desses relatos não se encontra apenas no fato de serem um recorte da vida de um dos maiores nomes da literatura brasileira. Esses tantos versos que João Cabral dedicou à vida dos engenhos é também parte da memória historiográfica brasileira.

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