Existe forma mais brutal de matar um escritor do que condená-lo ao esquecimento? Se ele não for lido e perpetuado entre as gerações seguintes, não lhe resta quase nada. Entretanto, ao longo dos anos, foi negado a tantas mulheres o direito de manterem vivos seus legados, esquecendo de incluir suas obras nas prateleiras das livrarias, nas salas de aula e efemérides celebradas pela imprensa. Na contramão desse erro histórico e como tentativa de recuperar a memória de autoras pernambucanas do século 20, o projeto editorial Hexágono lança nesta segunda-feira (20), às 19h30, no Espaço Pasárgada, dossiês sobre Clarice Lispector, Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, Celina de Holanda, Francisca Izidora, Edwiges de Sá pereira e Ladjane Bandeira. Com edição-geral de Sidney Rocha, produção de Alexandre Melo, projeto igital de Rodolfo Galvão e incentivo financeiro do Fundo de Incentivo à Cultura, Funcultura - PE, esta é a segunda edição da revista literária, sempre publicada em seis volumes.
O grande diferencial da Hexágono é que ela foi pensada para abranger públicos das mais diversas faixas-etárias além de ser distribuída gratuitamente em escolas da rede estadual numa tiragem de seis mil exemplares a partir do próximo mês. Cada revista possui uma média de 50 páginas e é composta por ensaios, entrevistas, bibliografias comentadas, trechos de livros ou poemas e informações biográficas das seis pernambucanas.
Um time formado em sua grande maioria por mulheres foi convidado para escrever os textos dos seis volumes. Renata Pimentel, Sherry Almeida e Yasmim Galindo se voltaram para a obra de Clarice Lispector; Bianca Campello e Sônia Bierbard para a de Maria do Carmo; Danuza Lima e Andréa Mota escreveram sobre Celina de Holanda; Tatiana Notaro mergulhou na vida e obra de Francisa Izidora; Cida Pedrosa e Andrea Almeida Campos assinam o exemplar dedicado a Edwiges de Sá Pereira; e Márcia Miranda Lyra e Ângelo Monteiro resgataram os escritos de Ladjane Bandeira.
"O princípio da Hexágono é oferecer nova oportunidade para autores e autores de Pernambuco e para novos leitores.Quanto a essas autoras, mais ainda", pontua o idealizador Sidney Rocha. "Algumas estão completamente esquecidas, como Edwiges, a primeira mulher a ser eleita para a Academia Pernambucana de Letras, grande feminista. Ou Francisca Izidora, cujo centenário de morte completou-se em 2018 e foi completamente esquecido, assim como o de Celina. Muitas dessas autoras não foram somente esquecidas pelo público-leitor, mas silenciadas pelo seu tempo e pela crítica machista."
No evento desta segunda, quase todas as colaboradoras desta edição estarão presentes para participar de um debate e conversar com o público. Haverá ainda distribuição de alguns exemplares e, até o dia 30 de janeiro, estará no ar o site do projeto, através do qual as versões em PDF das revistas estarão disponíveis para download gratuito.
“O desafio é editar o conteúdo de maneira que os textos possam ser lidos tanto em escolas, por alunos, professores, como por qualquer público. Um texto para as pessoas gostarem de ler e se interessarem pela obra desses escritores e escritoras. Então a escolha de ensaístas é bem delicada. Acadêmicos ou não, têm de escrever com a mão leve, sem também incorrerem numa ideia meramente pedagogizante”, complementa Sidney.
Próximas edições
Se na primeira edição da Hexágono foram escolhidos autores clássicos (João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Osman Lins, Hermilo Borba Filho, Luís Jardim e César Leal) e nesta apenas grandes mulheres da literatura pernambucana, a próxima já tem tema definido. Com previsão de lançamento para 2021, foram escolhidos seis pernambucanos que fizeram suas carreiras fora do Estado: Agnaldo Silva, Álvaro Lins, Antonio Maria, Manuel Bandeira, Marcelino Freire e Nelson Rodrigues. “E a quarta, também já aprovada pelo Funcultura, contará com Chico Science, D. Helder Câmara, Gilberto Freyre, Joaquim Cardozo, Josué de Castro e Paulo Freire, seis autores que são mais do que clássicos, são a cultura de Pernambuco falando e escrevendo para o mundo, e não só com excelente qualidade estética nos textos, com uma influência e uma repercussão fora das fronteiras locais e, em alguns casos, até global”, pontua o editor do projeto.
É inspirador e instigante um projeto como o da Hexágono, que se propõe a levar para escolas de forma gratuita seis publicações inteiramente dedicadas a essas mulheres que marcaram o século 20 e continuam atemporal. Mas é também importante sustentar a proposta do não esquecimento de nomes femininos e incluir escritoras, poetisas e ensaístas em edições de temáticas mais abrangentes sem restringi-las a um recorte unicamente de gênero.
