FEMINISMO

Leia Mulheres: clube de leitura se fortalece em Pernambuco

Clube de leitura Leia Mulheres propaga a ideia de congregar o público em torno das obras de escritoras, geralmente menos consumidas que a dos autores

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 05/02/2020 às 13:07 | Atualizado em 25/09/2020 às 16:51
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Clube de leitura Leia Mulheres propaga a ideia de congregar o público em torno das obras de escritoras, geralmente menos consumidas que a dos autores - FOTO: Foto: Divulgação
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Se você gosta de leitura e tem alguma biblioteca em casa, por menor que seja, proponho um exercício muito simples: dos livros que possui, consegue contar quantos foram escritos por mulheres? É bem provável que a proporção de autores homens seja maior e isto não é exceção apenas de sua estante.

Em 2014, a escritora Joanna Walsh, incomodada com a lacuna da presença feminina nas livrarias inglesas, lançou a provocação #ReadWomen, em que sugeria a seus conterrâneos que se propusessem a ler apenas obras de escritoras durante um ano. Traduzido ao pé da letra no Brasil, o movimento Leia Mulheres nasceu no mesmo ano e se tornou um clube de leitura mediado e voltado para obras escritas exclusivamente por mulheres, aberto a qualquer pessoa, de forma gratuita.

A iniciativa surgiu em São Paulo, mas poucos meses depois as jornalistas pernambucanas Carol Almeida e Maria Carolina Morais decidiram aderir ao grupo e lançar o clube no Recife. “Fomos um dos primeiros do País a endossar a ideia. Existe de fato esse buraco nas livrarias e bibliotecas de obras escritas por autoras. Atualmente mais de 100 cidades brasileiras dão continuidade ao projeto e o que mais me anima é ver o grande percentual de cidades interioranas”, conta Carol. “O grupo de São Paulo, que foi fundado por três mulheres que trabalhavam em casas editoriais, no meio literário, nos aconselha e dá dicas, mas as decisões dos livros e dos locais são feitas de forma independente por cada Leia Mulheres, cada grupo se ajusta à sua realidade.”

No Recife, os encontros vêm acontecendo desde o ano passado no Centro Cultural Benfica, no bairro da Madalena, geralmente nas últimas quintas de cada mês. As obras que serão debatidas nos próximos 11 encontros do ano já foram divulgadas e agradaram aos participantes, que interagem com assiduidade na página do Instagram do grupo. Toni Morrison, Ruth Guimarães, Adília Lopes, Ana Rusche, Stephanie Borges são alguns dos nomes que evidenciam outro trunfo do movimento: prezar pela pluralidade de vozes. Autoras negras, indígenas, brancas europeias, latino-americanas, africanas, contemporâneas ou já falecidas compõem a lista do Recife e de todas as cidades que integram o clube.

A poucos quilômetros da capital pernambucana, em Olinda, é a Biblioteca Pública quem acolhe o grupo mediado pela advogada e poeta Katarine Araújo e pela professora e também escritora Ane Montarroyos. Os encontros do Leia Mulheres Olinda acontecem desde março de 2019 e a proximidade do primeiro aniversário do grupo é motivo de muito entusiasmo para Katarine. "Conseguimos sempre manter um número bom de integrantes, cerca de 20 pessoas costumam comparecer. Em termos de faixa etária também há um equilíbrio, recebemos universitários e mães com mais de 40 anos. Confesso que a gente não achava que teríamos uma repercussão tão positiva em Olinda, fomos surpreendidas”, ressalta.

Do outro lado do Estado, a professora Andrea Karla mantém, em parceria com a psicóloga Maria D’Ajuda e a advogada Bruna Alencar, o Leia Mulheres Petrolina há quase dois anos. Os efeitos do surgimento de um clube de leitura da cidade foram extremamente positivos, na avaliação de Andrea. Outros grupos foram criados, cada um com um propósito específico, seja para debater literatura fantástica, livros escritos por autores LGBTQ ou obras feministas. “Cada encontro é maravilhoso, sempre muito agregador, uma explosão de ideias e interpretações”, conta.

“Mas somos um clube de leitura que fica em uma cidade muito distante da capital, então passamos por algumas dificuldades, principalmente para conseguir comprar algumas obras. É difícil nas livrarias conseguir achar todos os livros. Por isso, nós, as mediadoras, e algumas integrantes fazemos questão de emprestar nossos livros. É fazer o livro chegar em quem deseja ler.”

Para além dos livros

Para além da valorização feminina na literatura e do incentivo a editoras independentes, há mais em comum em todos os três Leia Mulheres pernambucanos. Seja no Recife, em Olinda ou Petrolina, os encontros revelam sempre o imenso potencial terapêutico da leitura em conjunto. Ao debater e estar atentas ao outro, as leitoras dos clubes fortalecem laços e trocam experiências de vida a partir dos livros. “Confesso que quando começamos meu desejo era de ordem até mais pessoal, de procurar ler mais mulheres, principalmente de poesia. Mas sempre que estou na roda de discussão, percebo o quanto o projeto é na verdade fortalecedor de afetos”, pontua Katarine Araújo.

Essa percepção também é ressaltada por Carol Almeida, que criou laços de amizades a partir dos encontros. “Muitas e muitas vezes, ao depender da obra do mês, o encontro do Leia vira uma terapia coletiva. A leitura provoca outras coisas, se transforma em tentativas de cura e os encontros representam também esse espaço de acolhimento”, avalia.

Perceber a discrepância entre a quantidade de livros escritos por homens e mulheres é um exercício justo de ser feito. E pode ser também extremamente transformador procurar descentralizar geograficamente e socialmente os nomes das escritoras que fazem parte das livrarias, bibliotecas e acervos pessoais.

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