Durante os anos 1990, época da eclosão do manguebeat, o maior sonho de boa parte dos grupos iniciantes era ser descoberto por olheiros de grandes companhias fonográficas. Sem fazer ideia das transformações pelas quais passaria o mercado de discos anos mais tarde, os jovens músicos daquele tempo trocavam informações ansiosas e esperançosas sobre a presença de Fulano da gravadora X ou Sicrano do selo Y, nos bastidores de festivais como o Abril pro Rock. Entre as bandas “abençoadas” por uma dessas criaturas quase santificadas esteve a pernambucana Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Todos Inúteis.
Eles foram contratados pelo selo Chaos, da Sony Music; tiveram boa projeção na mídia, mas acabaram suspendendo as atividades não muito tempo depois. Dez anos após seu fim, o grupo que trabalhava com a mistura do rock com o baião volta a se reunir.
O principal gancho da volta da banda serão as comemorações dos 20 anos do seu surgimento – o que inclui a disponibilização online de uma versão de Riacho do navio (Luiz Gonzaga); lançamento de uma coletânea com as melhores faixas dos seus dois discos, incluindo duas inéditas; e a gravação de um DVD, cujo nome será A lenda de Jorge Cabeleira. Ele reunirá imagens antigas, entrevistas, além de apresentação da banda, que será gravada sem público em um sítio da família de Pedro Mesel, percussionista da banda, no povoado de São Severino dos Macacos, em Gravatá. Todas essas ações devem ser trabalhadas e concretizadas entre o mês de outubro e o início do próximo ano.
O Jorge Cabeleira foi formado às pressas, em 1993, quando participaram do festival competitivo Recife Rock Show, organizado pela produtora Lourdes Rossiter, dona do centro cultura ArteViva, que funcionou entre os anos 1990 e 1980, em Boa Viagem.
Chico Science, Fred Zeroquatro (vocalista do Mundo Livre S/A) e Paulo André (criador do Abril pro Rock) eram jurados e, entre 50 bandas participantes, escolheram a Devotos do Ódio (hoje, apenas Devotos) como vencedor. Os Mordomos ficou em segundo lugar, tocando O chão, e Jorge Cabeleira, em terceiro, com Silepse. O curioso é que integrantes das duas bandas tocavam nesses grupos. Os rapazes não queriam abrir mão de mostrar ambas as composições, daí resolveram dar esse jeitinho. Até disfarce eles usaram para não serem reconhecidos.
Durante seus dias de contratada pela Sonyl, a Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Todos Inúteis viveu em um tempo que, para boa parte dos músicos de hoje, parece até conto de fadas. Eles receberam adiantamento em dinheiro, gravaram em um dos melhores estúdios do Brasil – o Nas Nuvens, no Rio –, se hospedavam em hotéis cinco estrelas e tinham todo aparato de marketing e assessoria de imprensa.
No entanto, a imaturidade do grupo e a falta de alguém que desse boas orientações fizeram com que a banda fosse perdendo força dentro da Sony. “Éramos novos, cheios de ideias muito juvenis. A Sony queria que fôssemos morar no Rio e recusamos. Isso causou um grande mal estar. Mas hoje fica claro que eles queriam dar um gás na banda”, reflete Dirceu.
Leia a matéria completa no Caderno C deste domingo (26).