No recente affaire Boechat versus Malafaia um detalhes passou despercebido. O substantivo que o jornalista empregou para o objeto que sugeriu que o pastor fosse procurar. Eufemismo para o órgão sexual masculino, até pouco tempo ele designava ave columbiformes, ou seja, em forma de pomba. Ou na explicação dos dicionários As rolas do género Streptopelia são aves de médio porte, com comprimentos entre 25 e 35 cm. A plumagem é geralmente cinzenta, com tons acastanhados ou púrpura em algumas espécies
O membro viril tratado com o nome da ave columbiforme há anos é palavra de baixo calão no Nordeste, e é provável que tenha se tornado de uso comum, lato sensu, no Sudeste por conta dos muitos humoristas cearenses contratados pelas TV e emissoras de rádio daquela região desde a década passada. O falecido humorista, e cearense, Chico Anísio apadrinhou vários dele e os colocou em seu programa na TV Globo. Pode-se ressaltar nesta difusão do termo o igualmente cearense Falcão, que faz a linha brega, e é pródigo em palavrões, incluindo o que Boechat arremessou contra Silas Malafaia.
No Sudeste, até meados dos anos 50, século passado, pomba rola tinha um sentido lírico, e foi bastante usado em modinhas ou toadas. Em 1935, Silvio Caldas, o Caboclinho Querido, fez grande sucesso com a modinha Por causa desta cabocla, em que a pomba rola tem destaque nos belos e inocentes versos: “As rolas, as rolas, também morenas/cobrem-lhe o colo de penas/pra ele se agasalhar”. A canção, de Ary Barroso e Luís Peixoto, recebeu várias regravações, de nomes que vão de Maria Bethânia (no álbum Pássaro da manhã, de 1977), até de Nelson Gonçalves (LP Nelson Até 2001, 1976), e a Divina Elizeth Cardoso (LP/CD Ary Amoroso – Elizeth Canta Ary Barroso, 1989).
Aliás, depois da palavra ter recebido outra conotação, é curioso Nelson, com seu másculo barítono, que tanto cantou mulheres e amores passionais, ser escutado nos citados versos, evocando a ave columbiforme, caprichando nos erres: “As rolas, rolas...”. Por sinal, Nelson Gonçalves foi reincidente em cantar a dita ave, já que gravou Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa e Silvio Caldas, em que a amada ganha asas: “Da mulher, pomba rola que voou”. Um clássico atemporal que recebeu uma versão anárquica dos Mutantes, em 1969.
A pomba rola já foi uma imagem muito comum na canção popular, de maneira que mandar alguém à cata de uma era um ato de gentileza. Em 1930, a cantora de folclore Elsie Houston fez sucesso com Cadê minha pomba rola? Canção de domínio público, e o maestro Camargo Guarnieri compôs Minha pomba rola, interpretada pela cantora lírica Lia Salgado. O Caboclinho Querido, Silvio Caldas tornou a canta-la, em Pomba Rola, de Orlando Tomaz Coelho, um samba.
É também muito comum na música caipira. Um dos sucessos Piracicaba e Zé Gregório, em 1960, chamava-se Pomba Rola. Na verdade pequenas aves ou pássaros são geralmente atrelados ao lirismo da música popular. No diminutivo está em muitos baiões, xaxados: “Teve pena da rolinha, que o menino matou” (Rivaldo Serrano de Andrade), lançada por Gonzagão (LP Luiz Gonzaga, 1973), e sobrevoa sobre a música popular brasileira desde 1913, quando Os Geraldos gravaram A rolinha (Cláudio Costa/O.Bicalho). Em 1931, Raul Torres cantou Rola Rolinha, samba dele em parceria com Atílio Grany).
Por vezes a ave não tem tratamento tão lírico assim, como é o caso de A Rolinha, popularizada por Dona Selma do Coco, do impagável refrão, “Pega, pega, a minha rola”, que tocou bastante no rádio pernambucano, sem que houvesse a expressão provocasse celeumas, já neste região ela é ambígua. Ou ainda na base do deboche, caso de A Rolinha e o Minhocão da anárquica Trupe Chá de Boldo, gravação de 2012, e já com conotação que lhe deu Boechat ao perder a paciência com o pastor. Mas afinal, até a cantada e decantada Asa Branca, no frigir dos ovos, também é uma pomba rola e, infelizmente, ameaçada de extinção.