HOMENAGEM

Elza Soares canta as angústias de Lupicínio Rodrigues no Teatro Boa Vista

A apresentação deste sábado (12) arrancou lágrimas do público, mas o show tem que continuar; neste domingo (13), o concerto se repete, no mesmo local, às 20h

Karol Pacheco
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Karol Pacheco
Publicado em 13/09/2015 às 15:45
Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
A apresentação deste sábado (12) arrancou lágrimas do público, mas o show tem que continuar; neste domingo (13), o concerto se repete, no mesmo local, às 20h - FOTO: Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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"A dor de cotovelo tem muito a ver comigo. Acho que o Lupe fez pensando em mim, como se dissesse: 'um dia, vou conhecer uma menina chamada Elza'", desabafou a cantora, após sua interpretação da música Esses Moços, sobre as rugas que o amor deixou. A cantora não nega um momento sequer a sua vocação para as lágrimas, mesmo que entre risos, sobretudo na interpretação da obra do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues. O show, apresentado no Teatro Boa Vista neste sábado (12) - mas que ocorre novamente neste domingo (13), para uma plateia repleta de cabeças prateadas e um ou outro black power, se inicia com uma projeção de um vídeo "made in YouTube", do Programa MPB Especial (1973), no qual Lupe fala sobre como tom ou para si o "slogan de criador da Dor de Cotovelo".

A personificação da intérprete nos versos de Ela Disse-me Assim - "Elza sofreu somente / Porque foi fazer o que quis" ­- ampara a identificação da cantora com os temas compostos por Lupicínio Rodrigues. O palco, forrado de pétalas de rosas vermelhas em conversa com o vestido de Elza, quase como numa extensão, se tornou também um espaço das memórias. Das muitas nostalgias que trouxe à tona, poucas novidades. Algumas foram semelhantes as ouvidas no Teatro de Santa Isabel, em show realizado no festival Janeiro de Grandes Espetáculos, ou mesmo nas muitas entrevistas que concedeu à imprensa a respeito desse show, dirigido pelo Maestro Eduardo Neves: o dia em que conheceu Lupicínio; os traços de relação-opressão-tradição com sua família no início da carreira; o dia em que se apresentou no programa de Ary Barroso; e até o "estou carente, eu acredito" como resposta ao recorrente e justo "Elza, eu te amo" vindo da plateia. 

Afora esses causos e jargões, compreensíveis até para uma cantora que se finca no agora pela máxima "my name is now", vale salientar um dos momentos frescos em cena: com uma desaforada elegância, Elza brinda o preito de outras cantoras homenageando Lupícinio Rodrigues. Pois, segundo ela, "Lupicínio merece todo mundo" - em entrevista por telefone ao JC, a cantora havia citado o trabalho da cantora Adriana Calcanhotto, conterrânea de Lupe, se colocando como a primeira a prestar o tributo ao amigo.

 

A voz de Elza, cada vez mais rasgada, ­­­quiçá calejada, de fato, é a que mais cabe à atmosfera angustiante das incertezas do amor. Por meio da música de Lupicínio, o amor nos leva a saborear a angústia mais verdadeira - e houve ­senhores que, no escuro da comprida plateia do Teatro Boa Vista, utilizasse o dorso das mãos para secar as lágrimas dos ciscos úmidos do orgulho (ou mesmo da vergonha, como em Vingança, a herança maior que os pais da geração de Elza e Lupicínio deixaram); ou mesmo senhoras, com seus lencinhos e preocupações com a maquilagem.

"Esses meninos", disse Elza, apontando para os músicos que acompanhavam a ela e ao maestro Eduardo Neves, "tocam Lupicínio feito gente grande. Essa juventude me deixa entusiasmada: viva à juventude." Os moços eram Gabriel Menezes (baixo), Gabriel Ballesté (guitarra), e Danilo Andrade (teclado) e Alexandre Antonio, na bateria, substituindo o afilhado Antonio Neves, filho do maestro.

Num dado momento do show, de braços dados com um acompanhante, Elza saiu do palco para uma troca de roupas ­e foi a deixa para que a banda mostrasse ao público a que veio - já que antes com todos os olhos, marejados, voltados para Elza, as sensações auditivas se tratavam mais de um grande tecido sonoro em tenso transe. Sob a regência do maestro Eduardo, que apresentou a banda, foi executada instrumentalmente uma valsa originalmente gravada por Luiz Gonzaga, Jardim da Saudade (ou seria Juca?). Em seguida, uma inédita: com arranjos do maestro, a letra do samba Lembrança foi escrita pela própria Elza (em uma parceria com o pai de Eduardo Neves),  em homenagem a Lupicínio. Entre outras palavras, dizia mais ou menos assim: "Lembrando a boate escura / ainda muito insegura / foi quando Lupe veio prosa / trazendo nos braços rosas", em referência ao primeiro encontro do criador e criatura de Se Acaso Você Chegasse, nos idos dos anos 1950, na boate carioca e "chiquérrima" Texas Bar.

Cotovelo encostado não cicatriza a dor; no entanto, no espetáculo Elza Soares Canta e (agora) Chora Lupicínio Rodrigues, a dor é parceira da música. O remorso; a vingança; o despeito; todos brindam nesta ciranda chorosa do amor, cuja maior virtude é não esconder suas verdades e veleidades. "Vamos cantar, vamos? Ninguém cantou nada até agora!", evocou Elza. A cantoria uníssona da singela música Felicidade selou o encontro com Lupe por intermédio da "Cantora do Milênio":

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá de traz do mundo
Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa quando começa a pensar.

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