Celebração

Maria Bethânia traz a Pernambuco espetáculo em que celebra 50 anos de carreira

Em conversa exclusiva com o JC, a cantora revela admiração pela cultura e pelos artistas pernambucanos

Adriana Victor
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Adriana Victor
Publicado em 29/09/2015 às 6:13
Alexandre Moreira/Divulgação
Em conversa exclusiva com o JC, a cantora revela admiração pela cultura e pelos artistas pernambucanos - FOTO: Alexandre Moreira/Divulgação
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Se apenas uma palavra pudesse ser escolhida aqui para se falar sobre Maria Bethânia, ficaria com verdade. “Eu fui sempre da verdade. Isso é o que me equilibra, é o que me faz chegar até aqui e pode me levar até muito longe, enquanto Deus quiser e eu também”, afirma a cantora, em conversa por telefone, cuja motivação foi o espetáculo Abraçar e Agradecer. Criado para celebrar os seus 50 anos de carreira, enfim, ele chega a Pernambuco, amanhã e quinta-feira – com ingressos esgotados para ambas as sessões. 

“Durante 50 anos eu mantive um jeito, uma opinião, uma maneira de ser e de trabalhar. Pode não ser o sonho de todo artista. Pode ser que alguém sonhe, por exemplo, em conquistar o mercado americano. O meu é esse: abraçar e agradecer”, revela. “Mantive tudo com muita festa, muita alegria, muito reconhecimento. Sem ter que abrir mão de absolutamente nada do que eu entendo ser verdadeiro, ser útil, que me salva e que me ajuda a salvar. E que é o meu ofício e a minha missão aqui.”

As apresentações acontecem depois que cantora, por problemas de saúde, adiou o espetáculo marcado para 27 de junho. Tanto antes como agora, os ingressos quase sumiram– fato que ela faz questão de explicar, durante a conversa, citando os trâmites que precisam ser respeitados, já que o espetáculo tem patrocínio da Lei Rouanet. Alguns ingressos devem ser doados a instituições; cada cidade só pode receber, no máximo, dois espetáculos. “O show não se paga, precisamos dos patrocínios.”

Mas, admite Bethânia, há coisas para as quais não há explicações: “O meu elo com o Recife é invisível, é espiritual, de herança, de outras encarnações. Tenho uma atração – o que é que eu posso fazer? E sinto isso de volta para mim, toda vez que aí estou. É muito forte”, confessa. 

“Eu acho lindo toda a perpetuação do tradicional – não o velho gasto, mas o tradicional novo, a cada dia, a cada minuto, a cada hora que vocês mantêm. Isso, para mim, é um valor que me foi dado desde o ventre da minha mãe. E de que eu sinto muita falta no resto do mundo”, segue, tentando justificar a afinação e a afinidade entre ela e um lugar onde nunca viveu, mas “é uma terra tão rica, que me cobre, me agasalha, me aninha, há tanto tempo. Eu longe dela, eu baiana, eu carioca...”.

Manuel Bandeira, Ariano Suassuna, Capiba, Luiz Gonzaga e o Movimento Mangue surgem na conversa – de todos ela fala com admiração. Lembra de Dora, a composição de Dorival Caymmi sobre a rainha do frevo e do maracatu. Tece muitas loas a Lenine. “Ele chega como uma novidade na música do Brasil, na música do mundo.” Para Naná Vasconcelos, Bethânia oferece toda a reverência: “Fazer parte da abertura do Carnaval do Recife, com os maracatus, com Naná, tem uma importância para mim tão grande quanto ser homenageada, ser enredo da Escola de Samba Mangueira” – o que ocorrerá no próximo Carnaval.

Diz que aqui tem amigos queridos e fraternos, que andam com ela Brasil afora. Por opção, omite o nome dos pernambucanos do seu coração, em respeito a eles. “Não sei se gostariam que eu revelasse seus nomes.”

FAROL

Maria Bethânia fala de sua trajetória com um farol apontado para adiante. Não se percebe qualquer traço de saudade ou melancolia – vigor, futuro e sonho estão ali, presentes em cada afirmação. “O que melhor me representa é eu ter conseguido me equilibrar nesse trapézio sem rede, que é deslumbrante, atraente, fascinante, e com alguma paciência – que eu sou impaciente”, admite. “Mas com paciência para entender que não adiantava eu fingir que estava feliz.”

Um disco? Brasileirinho. Água ou terra? “Sou as duas coisas. Do mesmo modo que eu sou Iansã e Oxum.”

O ENCONTRO ENTRE CARÁTER E SOTAQUE

Era a estreia de Abraçar e Agradecer. Pela primeira vez, Maria Bethânia cantaria, no Brasil, uma música em outro idioma: Non, Je Ne Regrette Rien (Não, Eu Não Arrependo-me de Nada). “Uma homenagem a Edith Piaf e Cássia eller”, revela, lembrando de duas das intérpretes da célebre música francesa onde não há espaço para arrependimentos. “Eu canto, no espetáculo, com todo o meu vigor, como eu achei que eu queria e deveria cantar essa canção.”

Ao final, uma amiga foi ao camarim e, ansiosa, a cantora quis saber o que ela havia achado do show, como tinha se saído no francês com sotaque baiano – que depois seria alvo de críticas. “Quem não tem sotaque não tem caráter”, devolveu-lhe a amiga, a escritora Nélida Piñon, repetindo uma afirmação do mineiro João Guimarães Rosa. 

Maria Bethânia manda avisar aos que forem ao espetáculo: podem esperar por ambos – sotaque e caráter. “É uma afirmação tão extraordinária, é uma libertação tão grande. E me traduz completamente.”

Mas não há clima para balanço, acerto de contas: “Esse show de 50 anos não encerra nada. Como cada trabalho que eu faço, abre outro”.

Antes de subir ao palco, a cantora revela que cumpre um ritual da fé que é parceira constante, permanente: “Rezo muita Ave Maria, muita Salve Rainha, algumas orações que aprendi com minha mãe”. E mais. “Gosto de rezar para o vento, para o mar, para a folha, para a água – a doce, a salgada. Para essas coisas que a gente é pequeno quando está perto. E para Nossa Senhora.” 

Abraçar e Agradecer tem direção, cenografia e criação de luz de Bia Lessa; coordenação e produção musical de Guto Graça Mello. A turnê que fez sua estreia no Rio, em janeiro, já lotou teatros em cidades como Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e também Lisboa e Porto, em Portugal. Daqui segue para Aracaju e João Pessoa.

No repertório, músicas compostas para a celebração destes 50 anos por Paulo Cesar Pinheiro e Dori Caymmi: Viver na Fazenda e Voz de Mágoa. Tom Jobim, Chico César, Roque Ferreira e, principalmente, Caetano Veloso e Chico Buarque também emprestam composições para a voz de Maria Bethânia. 

Pergunta derradeira: Há algo para se arrepender? Algo que apagaria? “Rien de rien”, afirmação seguida de saborosa risada “Eu canto essa música muito feliz. Eu não me arrependo de nada. Na-da.”



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