Entrevista

Ana Carolina conta tudo sobre o show que faz no Recife

Em entrevista exclusiva, a cantora fala do novo show 'Solo' e sobre a relação da plateia com as divas da MPB

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 14/01/2016 às 9:15
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Em entrevista exclusiva, a cantora fala do novo show 'Solo' e sobre a relação da plateia com as divas da MPB - FOTO: Divulgação
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Com cinco milhões de discos vendidos na carreira,  Ana Carolina personaliza um estilo de cantora que tem em sua figura um símbolo replicado por outras mulheres de microfone em punho Brasil afora.

A voz em máxima potência, o próprio violão como respaldo, um despudor em falar de desejos e das nuances da própria sexualidade: os elementos mais nítidos em Ana Carolina são o combustível de seu novo show. Depois do  sucesso de seu eletrônico álbum anterior #AC, a mineira volta à cidade mais sóbria. Apesar do DJ Michael Mullti, no show Solo, sexta (15), no Guararapes, ela investe na persona de intérprete dos compositores que lhe guiam. Entre eles, o pernambucano Zé Manoel, seu mais recente parceiro. 

Nesta entrevista, a cantora conta  como é voltar a cantar no formato que a consagrou nos barzinhos e fala da excitação da plateia, sobretudo feminina, nos shows das divas da MPB. “Maria Bethânia não é uma cesta básica, é uma rede de supermercado inteira”, brinca.

 

JORNAL DO COMMERCIO -  Por que, agora, voltar ao formato voz e violão? O que, neste momento, há de igual e de diferente da Ana Carolina dos tempos de barezinhos em Juiz de Fora?

ANA CAROLINA - Interessante você fazer esta pergunta, eu mesma nunca a fiz. Igual é minha paixão pela música, meu respeito pelo nosso cancioneiro, por essa infinita fonte de grandes canções, compositores, letras e melodias. Me mantenho atenta ao que a música popular brasileira parece querer me dizer e, quanto mais eu vasculho, quanto mais eu enveredo por diferentes caminhos, mais eu me perco e me acho. De diferente, é justamente o fato de ter encontrado grandes parceiros, ter trabalhado com músicos incríveis e ter conquistado um público com o qual divido essa minha jornada. Já são 16 anos desde que dei início à minha carreira fonográfica e a cada dia eu aprendo um pouco mais, descubro uma nova maneira de observar a canção. O violão  é meu fiel escudeiro e companheiro, meu mais longevo companheiro.

 

JC -  Chico, Caetano, Belchior, Seu Jorge, Djavan...eu gostaria de saber o que há, de cada um, em seu DNA artístico e como foi a escolha do repertório.

ANA CAROLINA -  Eles e muitos outros mestres fazem parte dessa "colcha de retalhos", não saberia dizer exatamente qual o papel de cada um em minha arte, mas, sem dúvida, as letras  são o maior elo entre nós e foi a partir delas que desenhei o repertório desse show. Esse show é justamente a oportunidade que me dei para que a compositora desse mais espaço para a intérprete e a instrumentista. Tem sido um grande prazer poder cantar o material de outros compositores.

 

JC - Seu último show tinha muitos elementos cênicos e multimídia. Este é um show mais cru, a cantora, sua voz e seu violão?  Por que um DJ no palco?

ANA CAROLINA - Mikael Mutti é um multiinstrumentista, diria que é um "homem orquestra", um produtor renomado que trabalhou com grandes nomes como Stevie Wonder, Santana, John Legend, Will I Am, Carlinhos Brown. Em #AC, busquei levar a sonoridade eletrônica do álbum para o palco e seu trabalho com percussão eletrônica foi essencial. Em "Solo ", ele participa tocando as programações nos " emuladores" que ele mesmo criou. Ao piano, ele recria algumas canções que precisam de algo além que o violão, como no caso de Coração Selvagem. Solo é um show mais orgânico e despido de elementos cênicos, e o foco está na voz e no violão.

 

JC -  Você já deu entrevistas a respeito e já usou a música como referência à própria sexualidade. A pergunta é: acha que as questões de gênero e sexualidade tem interessado mais ao discurso musical como tem interessado a narrativas como a TV, o cinema e o teatro? 

ANA CAROLINA - A arte sempre foi e sempre será um reflexo da sociedade, seja em uma pintura, em uma poesia, canção, filme ou novela, a sexualidade compõe esse caldeirão assim como outros tantos temas. Minha música não é diferente disso, é um espelho do mundo em que vivemos e o que está ao meu redor.

 

JC -  Alguns artistas nos dizem que o Brasil, com o avanço do conservadorismo, encaretou muito. Concorda? Ou percebe um público mais aberto às diferenças e individualidades em seus próprios shows?

ANA CAROLINA - O Brasil é tão grande e tão plural que é impossível alguém afirmar algo de  maneira absoluta. De certo, o "politicamente correto" parece que se alastrou pelo mundo e acho até que o Brasil é em si um território onde a liberdade de expressão tem seu lugar. Aqui as crianças aprendem a dançar na boquinha da garrafa e são expostas à sensualidade desde novas. A internet virou um meio quase que incontrolável onde qualquer um tem acesso ao que quiser. Não podemos ser hipócritas e muito menos falso moralistas.  Creio que lidar com as diferenças é necessário, abdicar de preconceitos, ninguém é melhor que o outro e todos devem ser respeitados em suas crenças, ou na maneira como se relacionam. Tá todo mundo no mesmo barco, somos todos iguais em nossas diferenças.

 

JC -  Aliás, uma curiosidade: nos shows da divas da MPB, categoria na qual, com seu sucesso, você já parece estar inscrita, a plateia feminina costuma se comportar de maneira muito excitada, gritando adjetivos às vezes poucos comuns. Vi uma fã chamar, num teatro do Recife, a Maria Bethânia de “Cesta básica!”. Como reage a essas manifestações exacerbadas de afeto das plateias?

ANA CAROLINA - Eu particularmente prefiro viver a VIDA que viver a DIVA. Sou uma artista da música, meu compromisso é com a minha arte, adjetivos não são  nada além que palavras jogadas ao vento. Gosto do carinho dos fãs, é bacana ouvir um elogio rasgado, às vezes sobem ao palco e rasgam nossa roupa, mas a conexão se dá no silêncio, no brilho de um olhar. Toda forma de amor vale à pena. E Maria Bethânia, como essa fã falou, não é apenas uma “cesta básica”, ela é uma cadeia de supermercados inteira (gargalhadas).

 

JC -  Nos anos 1970, a Gal, por exemplo, virou uma referência, um paradgma de cantora replicado até hoje. Há muitas cantoras, hoje, que parecem se inscrever num modelo ampliado por você: ainda que haja uma grande banda, uma cantora sob o respaldo de seu violão e com uma voz que procura se exprimir no máximo da potência. Você se vê como modelo seguido por novas gerações de cantoras? Alguma nova cantora tem lhe chamado o interesse?

ANA CAROLINA - Sua pergunta contêm algumas teorias e teses que precisariam ser discutidas mais profundamente. Não me permito pertencer a uma prateleira ou me inserir em algum tipo de catalogação ou rótulo. Minha voz assim como a de Gal é um instrumento capaz de exprimir sentimentos, emitir notas diversas, uma canção pode ser interpretada de muitas maneiras e que bom que temos uma infinidade de boas cantoras. Gosto muito do trabalho da Gadú e da forma como ela evolui como compositora e intérprete a cada trabalho.

 

JC -  Novos compositores tem te interessado?

ANA CAROLINA - É muito bom quando encontro algum novo parceiro e "emplacamos" uma série. Eu sou aquela que gosta de algué,m passa a mão no telefone e liga! Foi assim com Edu Krieger, meu parceiro em diversas canções desse show, com algumas só dele, como Coluna Social e Xeque Mate. Do pernambucano Zé Manoel, que é um compositor também interessantíssimo, eu canto Canção e Silêncio, que é belíssima. Ainda  fizemos, junto com Guillard, a recente Quer Saber. Outro dia, escutei Emerson Leal e adorei. Liguei pra ele e já começamos um  amba juntos. Enfim, tenho o privilégio de contar com um bom time de parceiros novos e antigos e estou sempre atenta. Se tiver algum novo nome a me indicar, sou toda ouvidos.

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