Estar na cidade, fruir do espaço urbano é um modo de atuação que envolve partilha de afetos e imaginários. A música é uma forma de inventar esses espaços e sentimentos. No dia do aniversário de Recife e Olinda (479 e 481 anos, respectivamente), perguntamos a artistas: qual música faz lembrar essas cidades pernambucanas e por quê? Juntamos tudo e criamos a playlist Músicas Para Recife e Olinda no Spotify do JC (jc_pe).
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Da Lama ao Caos, de Chico Science e Nação Zumbi. Escolhida pelo diretor teatral Pedro Vilela: "Acho o Chico nosso grande poeta contemporâneo. Uma figura que conseguiu ler com profundidades as artérias de nossa cidade. Sei que estamos diante de uma data celebrativo, mas é preciso estarmos sempre atentos às questões que ela nos impõe."Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça", ele diz. Celebremos e estejamos atentos às forças que tentam dominá-la. A cidade é das pessoas".
Movimento da Cidade, de Luis Boquinha, por Dona Cila do Coco. Escolhida pelo cantor e compositor Juliano Holanda: "A música foi gravada por Ary Lobo mas a versão que tenho o maior carinho e admiração foi a feita por Dona Cila do coco. Dona Cila é uma das maiores cantoras do Estado, e conheceu o compositor quando ainda era jovem. A melodia é muito inventiva e a letra invoca imagens muito belas: 'o relógio dos Correios ganhando sem trabalhar' ou 'e o camelô faz seu mapa, porém quando avista o rapa sai correndo sem parar'. Urbano e atemporal",
Festejem, de Eddie. Escolhida por Missionário José, baixista da Mombojó: "Uma das coisas mais bacanas de acompanhar o começo do Movimento Mangue em Recife e Olinda foi ver as pessoas se deslocando de todos os cantos da cidade para todos os outros em torno de uma instigação comum de ouvir música e fazer festa. Festejem, da Eddie, pra mim é uma espécie de hino oficial dessa instiga coletiva que é a cara das cidades até hoje".
Nosso Ninho de Amor, de Labaredas. Escolhido pelo músico Juvenil Silva: "A primeira vez que ouvi falar foi quando meu pai (que mora na Mustardinha e frequenta os clubes de gafieira há tempos) pediu de presente de aniversário à minha tia o disco de uma banda chamada 'Labaredas'. Eu devia ter uns 13 anos, mas lembro como se fosse hoje da reação dela de espanto e dizendo que nunca tinha ouvido falar da banda. Era a época do primeiro disco deles, realmente poucos conheciam. Depois me lembro de quando o presente chegou e de como me senti esquisito em relação à capa, ao nome da banda.. Aquele disco logo começou a rolar pesadamente na minha e em todas outras casas e lugares da cidade.
Sobre a canção que escolhi, eu poderia ter escolhido várias outras deles, ou mesmo de Rossi, do Conde.. Na verdade escolhi pelo ritmo, o 'Brega', estilo musical que me remete muito à cidade. Ao contrário do frevo, constantemente exaltado, o brega é um estilo altamente marginalizado, na maioria das vezes.
Acho o vocalista da banda, o Mittó, fabuloso, uma espécie de 'Roy Orbison Recifense' por conta do timbre vocal. Também destaco o belo trabalho das guitarras, que me remetem mais às nossas latinidades e aos tecladinhos, mas pro rock anos 50. A Banda Labaredas é definitivamente demais, trilha sonora cotidiana desse povão coracional que tá aí nessa luta, cheio de amor e paixão mesmo em meio a tanta agonia, injustiça, calor, violência e tantas outras barras... Nós sofre mas nós goza!".
Qualé, Mago, de Junio Barreto. Escolhida por PC Silva, da Bandavoou: "Nunca gostei de praia! Saí de Serra Talhada e vim morar em Recife a contragosto, para seguir nos estudos.Quando coriança, nas férias, me engasgava com a água salgada da praia de Boa Viagem. Da orla de Olinda, quando já era universitário, só aproveitei os bares na companhia de alguns amigos bons. Quando depois de formado fui morar em Luanda, senti uma falta danada da praia! Não da praia em si, nem da água salgada, areia e nem do sol quente. Foi dos amigos e da conversa bêbada de cerveja que senti falta mesmo. Isso só me batia, quando na África, ouvia Junio Barreto cantar o refrão 'Qualé, mago? Tá com saudade da praia, né, nego?'"
La Belle de Jour, de Alceu Valença. Escolhida pelo músico Tagore: "É praticamente impossível escutar essa canção e não se sentir vagando pelas areias de Boa viagem, fitando pro mesmo horizonte que fitou Alceu, em busca dessa paixão aparentemente não correspondida.É leve e harmônica demais, É uma espécie de hino local eu diria".
Para um Amor no Recife, de Paulinho da Viola. Escolhida pelo cantor e compositor Barro: "Durante um tempo da minha vida Paulinho foi uma espécie de xamã, líder espiritual. Nesse espaço de tempo eu brincava sério e falava que era a minha religião. Essa música me lembra momentos bons e uma fase importante da minha vida. Gosto da narrativa que ele cria de uma Recife distante, um afeto longínquo, quase utópico. Recife e Olinda como imaginário, longe, sem o mormaço, o trânsito, só a brisa e a lembrança".
Para um Amor no Recife, também escolhida pela poetisa Renata Pimentel: "Pela singeleza da composição que, pode parecer óbvia, mas é na verdade simples e bela como legítimo 'dna' dos sambas elegantes de Paulinho da Viola… Também cito outra muito importante pra mim também: Maracatubarão, de Ceumar. Acompanhei a composição aqui mesmo em Recife, durante vinda de Ceumar em 2005, e me traz boas lembranças do início dessa amizade e do humor e crítica presentes na letra da canção, sempre necessários".
A Cidade, de Chico Science e Nação Zumbi. Escolhida pelo vocalista da Mundo Livre S/A Fred Zeroquatro: "Mudou meu sentimento em relação a música e ao recife. Enfim, mudou minha vida".
A Cidade, também escolhida pelo escritor Sidney Rocha: "Gosto de Leão do Norte, cantada por Lenine que diz, num ponto: 'Eu sou um verso de Carlos Pena Filho'. Sempre imagino ali os versos escondidos: 'Olinda é só para os olhos,/Não se apalpa, é só desejo./ Ninguém diz: é lá que eu moro/ Diz somente: é lá que eu vejo.' E não do lugar-comum 'metade roubada ao mar...' Acho que ali o compositor escreveu para a esposa e homenageou a amante ou foi o contrário. Sempre que ouço a música, ligo mentalmente as duas cidades. Mas a cara do Recife há tempo não é tão lírica como 'Quando me lembro que o Recife está longe, a saudade é tão grande que eu até me embaraço', do Frevo no. 2, de Antonio Maria, nem Olinda é mais tão idílica quanto nos versos de Capiba: 'Quisera ver/teu passado, Olinda,/quando era ainda cheia de ilusão/ para contemplar a tua paisagem/ para olhar teus mares/ver teus coqueirais”. A cidade, de Chico Science: 'O sol nasce e ilumina/ As pedras evoluídas/ Que cresceram com a força/ De pedreiros suicidas/ Cavaleiros circulam/ Vigiando as pessoas/ Não importa se são ruins/ Nem importa se são boas', é a canção que une as duas cidades, agora.
Faaca, de Mombojó. Escolhida por Clarice Mendes, vocalista da Bande Dessinée: "Essa música me traz uma lembrança e presente sinestésico do turbilhão que essas duas cidades representam.Essa relação de amor e desamor, de bem querer e raiva, de entrega. Recife e Olinda incorporam esses sentimentos dúbios, mas cheios de afeto e de esperança. O sentimento é de entrega e resistência".
Eu Tenho Pressa, do Devotos. Escolhida por Diego Albuquerque, dos blogs Hominis Canidae e Altnewspaper: "Não necessariamente me lembra Recife/ Olinda, mas com certeza fez com que locais em ambas as cidades fossem descobertos.Em 1997, o trio de punk/hc Devotos (na época - Do Ódio) lançou seu primeiro CD. O trabalho se chamava Agora Ta Valendo e saiu pela BMG. Foi o primeiro CD que eu comprei conscientemente, ou seja, eu fui atras para ter. Eu já conhecia o Devotos antes do lançamento do disco, já tinha ido pro Abril Pro Rock. Eu acho importante este trabalho, por que colocou o morro na zona norte do Recife em evidência e as pessoas começaram a conhecer um pouco mais a cidade em que vivem. Nos anos 90, o preconceito e a violência eram ainda maior do que os tempos atuais. Sendo assim, quando você vê a classe média e alta subindo o morro pra procurar musica, isso faz com que eles realmente conheçam a cidade a realidade em que ela vive. As letras da Devotos falam disso, eu tenho pressa é um hino adolescente, para andar de bicicleta, skate ou de ônibus indo para um show. Fiz muito isso com meu walkmen, indo pra shows de punk e hardcore em locais longe em Olinda e Recife.
Recife Minha Cidade, de Reginaldo Rossi, e Olinda, de Alceu Valença. Escolhidas pelo músico Silvério Pessoa: "A canção de Reginaldo consegue fazer uma síntese das belezas e dos momentos históricos tão significativos para nosso povo, além de citar ícones de nossa cultura como Luiz Gonzaga. Já a música de Alceu é um verdadeiro depoimento poético e místico sobre uma cidade que está completamente associada com a obra urbana dele. Uma declaração de amor através da paz dos mosteiros, tal e qual a Índia. Obra prima".
Folia de Rei, de Baiano e os Novos Caetanos. Escolhida pelo músico Graxa. "Eu escolhi essa música para celebrar o aniversário de Recife e Olinda por modo de minha memória afetiva. Teve um dia que meu coroa estava deitado na cadeira dele e eu coloquei essa música pra tocar e aí ele olhou pra mim e disse: 'Nossa, quanto tempo que eu não escuto essa música'! e eu saquei que ele tava com os 'olhos suados'. Vou te dizer que fiquei emocionado e aí, além dela ser por si só uma música especialmente bonita pra mim ela me remete esse instante, que está interligado com o momento dele. Vários Recifes em momentos diferentes que estão totalmente ligados. E aí como a cidade, onde a gente for, ela estará com a gente eu escolho essa música, pois os laços com a cidade são feitos através das pessoas que nos são próximas seja em qual tempo for!"
Baby Doll de Nylon, de Robertinho do Recife. Escolhida pelo músico Zeca Viana: "Acho que em uma playlista sobre Recife e Olinda não poderia faltar Baby Doll de Nylon. Robertinho de Recife é uma figura emblemática, excelente produtor e um dos maiores músicos do Brasil. Já tocou com Andy Summers, Peter Tosh, John Lee Hooker, até participou de gravações com George Martin, guru dos Beatles. Essa música é uma parceria com Caetano Veloso e mostra uma simplicidade que só os gênios conseguem, então sempre penso que se Recife e Olinda pudessem vestir uma roupa, seria um Baby Doll de Nylon.
O Lamento do Conde da Boa Vista, de Helton Moura e o Cambaio. Escolhida pela escritora Micheliny Verunschk. "Me lembra as duas cidades: Recife, onde nasci, e Olinda, onde morei há pouco tempo, pela saudade, pelos naufrágios (ambas abandonadas, necessitando que uma força honesta as enxergue)".
Aurora de Amor, Romero Amorim, escolhida pelo músico D Mingus. "Desculpando a obviedade da lembrança, acho que não consigo pensar no Recife sem lembrar de alguns frevos. Aurora de Amor traz a assinatura de Romero Amorim(poeta/compositor com quem convivi durante anos de minha vida) e Maurício Cavalcanti, que fundaram o bloco homônimo. A idealização lírica um tanto escapista de algumas letras do gênero hoje soam meio incômodas (quando não passam pelo filtro do sarcasmo) e talvez falte-lhe renovação (ainda mais agora depois de praticamente todos festivais e concursos de frevo terem sido extintos). Pra mim, particularmente, o frevo-de-bloco é muito querido e, historicamente, rico em referências à cidade do Recife e seus tantos personagens citados em letras".
Não Há Silêncio, do Afoxé Oxum Pandá, e Pelas Ruas Que Andei, de Alceu Valença. Escolhidas pelo artista plástico Bruno Vilela: "A música do Oxum Pandá me lembra minha adolescência e as noites que passava com os amigos na Cantina Z-4. Pelas Ruas Que Andei me remete ao Recife. Eu tive ateliê pertinho da Rua do Sol, já morei na Madalena, na Boa Vista, estudei pintura e desenho na Rua Benfica".
Guia de Olinda, por Erasto Vasconcelos, e Pelas Ruas que Andei, de Alceu. Escolhidas por Eudes Ciriano, o DJ Incidental: "A música Guia de Olinda, na voz de Erasto Vasconcelos pra mim é a grande música que lembra Olinda, costumo usá-la quando estou finalizando meu set sempre que toco em cidade fora de pernambuco. O Eddie gravou essa música no Original Olinda Style, mas a sonoridade do afoxé na voz de Erasto que me faz sentir em Olinda. Sou muito olindense, apesar de estar morando em Recife faz já 3 anos. Nenhuma música me deixa lembrar da cidade, a não ser Pelas Ruas que andei de Alceu Valença, que vai na mesma vibe de citar ruas bem conhecidas e que passei e passo muitas vezes no ano."
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