Um bom festival de música independente oferece basicamente uma coisa: a experiência de descobrir novas bandas. Assim é com o Uivo, evento organizado pelo blog Hominis Canidae e que acontece hoje e amanhã no espaço Nós Coworking.
A programação reúne seis bandas do Nordeste, divididas em dois dias. Hoje, a partir das 20h, tem Capona (AL), DMingus (PE) e Rieg (PB). No domingo começa a partir das 16h com D_M_G (PB), Gabriel Araújo (PB) e Kalouv (PE). “Criamos isso pra colocar o nosso públicoem contato com bandas que postamos em nosso site. As escolhas foram de grupos que lançaram discos legais no ano passado, que têm uma sonoridade diferente, porque a ideia é ter esse choque sonoro, além de ser uma oportunidade para artistas de fora tocarem no Recife”, diz Diego Albuquerque, um dos fundadores do blog. O Uivo terá ainda uma mostra de cinema. No primeiro dia tem uma sessão de curtas do Cine Direto, e no domingo exibe o longa Ramo, uma “alucinação visual e antropológica” sobre uma romaria que acontece entre Recife e Paudalho.
A primeira edição do Uivo aconteceu em janeiro e contou com shows de Gorduratrans e Talude. Agora no Recife, o festival se expande e tem a diversidade como marca. Enquanto a Capona faz um indie rock com pegada noventista, autodefinido como “grunge místico”, os projetos Rieg e D_M_G (da dupla Rieg Rodig e Daniel Jesi, que também toca na Burro Morto) proporcionam interações inusitadas entre beats eletrônicos, música acústica lo-fi e mashups. Já o carioca radicado na Paraíba Gabriel Araújo trabalha canções num formato folk psicodélico e as transmuta em pirações instrumentais improvisadas que remetem ao free jazz -- caso de Irene & Raquel, faixa do ótimo álbum Presente.
Pelo lado pernambucano, DMingus mostra a desconstrução sonora em camadas de Saturno Retrógrado, um dos melhores álbuns da cena local no ano passado. E a Kalouv faz o primeiro show da turnê Peixe Voador, que passará pelo Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte e encerra no Recife dia 23 de abril. Em SP, o grupo de post rock instrumental grava um EP no projeto Converse Rubber Tracks com as músicas Peixe Voador e Da Bravura, Inocência. Ambas as faixas já serão apresentadas domingo no Uivo.
O nome por trás do Hominis
Em 2013, o jornal O Globo publicou uma longa matéria sobre a cena musical periférica do Recife. Foram citados Juvenil Silva, Graxa, DMingus, Matheus Mota, Jean Nicholas, o festival Noite do Desbunde Elétrico e outros artistas que por vezes eram despercebidos pela própria imprensa local. A matéria foi escrita pelo repórter Silvio Essinger, que conhecera Desapego, primeiro disco de Juvenil, através do blog de downloads Hominis Canidae.
“Fui ver se o cara fazia parte de uma cena. Fazia e tava toda ali no Hominis, se não me engano. Cena heterogênea, de talentos que se conectavam mais na vontade de fugir do clichê de Recife mangue do que qualquer outra coisa. Gente fodida, culta e muito inteligente”, comenta Silvio. Após a projeção, os artistas da “Cena Beto” chegaram aos grandes palcos do RecBeat, Coquetel Molotov e Abril Pro Rock. Este é apenas um caso, mas mostra como o Hominis, mantido há sete anos pelo trabalho de aficionados, tornou-se um mediador cultural importante, disseminando sangue novo na cena musical.
Diego Albuquerque, pernambucano e fundador do blog, mantém também a revista de entrevistas MI – Música Independente de Pernambuco e já colaborou com as revistas Outros Críticos e Continente. “Com certeza eu sou fã de mú- sica, se não, não faria isso. Mas não sou jornalista de formação, apenas sou curioso desde o cerne. Tive zine na época do colégio, cresci em shows pequenos do HC e metal puxado pro HC. Indie rock, etc. Trabalhei em eventos,trazendo bandas pra cidade, essas coisas”, afirma ele. “Sou fã de música e vou para festivais, indo para festivais comecei a falar sobre eles a ponto de acreditarem em mim como alguém que pode passar essa informação (uma das funções do jornalista). Minha formação é em Ciências Biológicas. Posso ser crítico, mas não acredito que a minha opinião seja importante para os outros (risos). Ajudamos os jornalistas a ter conteúdo pro caderno de cultura”, conclui.
"O blog foi criado no São João de 2009. Eu odeio esse feriado, por conta das fogueiras e minha rinite alérgica. Além de chover muito. Então fiquei em casa de bobeira e resolvi pagar umas dividas. Muita gente queria que eu ripasse discos que tinha comprado em shows. Discos independentes, adolescente liso compra um, outro compra o outro e troca ou manda link. A ideia inicial do blog foi colocar os CDS que eu tinha em casa", relembra. "Não tinha isso de gringo e nacional, mas por viver no underground do Brasil, tinha muita coisa nacional, bem mais que gringo. Dai joguei nuns grupos de orkut e tinha muito disco soldout, então a galera enlouqueceu um pouco".
Diego conta que no primeiro mês o Hominis postava cinco ou seis novos discos diariamente, tudo gratuito. "Era meio insano. Hoje em dia são dois discos por dia e boa parte dele conseguimos no nosso email. Ou seja, as bandas mandam pra gente. São só dois, mas ainda é um trampo. São mais de 50 discos por mês, além de bootlegs as quartas-feira e a coletânea mensal no último dia do mês", comenta.
E qual a motivação para continuar esse trabalho mesmo sem remuneração? "O que me motiva é gostar de música. Hoje em dia temos uma lojinha online, vendemos quadros e camiseta. Ingressos pras festas que criamos pra financiar o blog e nossas ideias. Quem nos apoia, curte o trampo, chega junto e fortalece. Temos mais planos, que podem virar grana, ou não. Mas enquanto for divertido fazer, irá existir", garante.