É e não é o mesmo show: na próxima quinta, dia 21, Johnny Hooker sobe ao palco do Baile Perfumado para encerrar a turnê nacional de Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!, versão ao vivo do disco que estreou aqui no Recife e o levou, entre tantas paradas, a receber o título de Melhor Cantor Popular na última edição do Prêmio da Música Brasileira. Mas agora é diferente: razão da gravação de seu primeiro DVD, a apresentação terá, por exemplo, recursos como telões de LED com projeções para reforçar a narrativa do palco. “Tenho um público maravilhoso, gigante em cidades como Rio e São Paulo. Mas o coração falou mais alto na hora de escolher o lugar para registrar esse show. A cidade natal, onde as músicas nasceram, onde o show parcialmente nasceu, falou mais alto”, diz Hooker, na entrevista em que comenta ainda questões de gênero que tocam na música brasileira contemporânea. “Fico feliz quando enxergam meu trabalho como representação de questões tão importantes, que precisam de mais discussão. Meu desejo maior sempre foi o de provocar, de tocar na ferida. Até onde vai uma coisa e começa a outra? Me preocupa bem mais o desbunde, a passionalidade”.
JORNAL DO COMMERCIO – Quando e como você sentiu que estava na hora de gravar o DVD?
JOHNNY HOOKER – Estamos há mais de um ano fazendo essa turnê, e foram momentos tão lindos e impactantes pelo país que senti duas coisas urgentes. Uma delas é que a gente precisava registrar essa turnê, esse momento e esse movimento de resposta tão emocionada do público para a posteridade. Por que eventualmente teremos que encerrar esse espetáculo, como gosto de pensar. E partir para contar uma nova história, com novo personagem, nova roupagem sonora e visual. Então fui tomado pelo senso de urgência em registrar o momento presente antes que ele se dissipe e fique apenas na memória.
JC – Por que gravá-lo na sua cidade natal?
JOHNNY – Tenho um público maravilhoso e gigante em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mas confesso que o coração falou mais alto na hora de escolher a cidade para registrar esse show. A cidade natal, onde as músicas nasceram, onde esse show parcialmente nasceu, falou mais alto. Além disso, Recife foi a cidade que viu a estreia desse show, nada mais justo do que voltar para começar a se despedir da turnê aqui. Mas desta vez iremos fazer tudo como eu imaginei, com uma espécie de cenário virtual, composto de um telão de LED gigante atrás, com projeções que nos ajudam com a narrativa, a potencializar a emoção contida nas músicas. A encarregada de criar essas projeções junto comigo é a VJ Mary Gatis, que já trabalhou no nosso show histórico no Rec Beat desse ano e fez um trabalho lindo.
JC – Mesmo músicos de longa estrada no mercado fonográfico tem dificuldade em viabilizar um produto como um DVD com produção tão esmerada. A crise dificultou?
JOHNNY – Bem, fazer um DVD requer uma produção gigante, com várias equipes subdivididas dentro do todo e por consequência é um produto muito caro. Quando decidimos que iríamos fazer, não esperávamos que o cenário político-econômico fosse ficar tão complicado em tão pouco tempo. Isso dificultou a captação de recursos com as empresas, que estão de cabelo em pé com tudo que está acontecendo. Tivemos que adaptar o tamanho da empreitada, mas não vamos deixar de fazer, seguimos na luta como sempre sigo há mais de 12 anos na estrada da música. Como disse, existe um sentimento de urgência da minha parte, em registrar o momento que deu luz a esse disco, e essa onda de amor do público tão forte de um ano pra cá.
JC – Conceitualmente, nem disco, nem show, mas um híbrido dos dois? Que possibilidades a gravação de um DVD traz para tua obra, além dos outros formatos?
JOHNNY – Acredito que vem a possibilidade de transformar nosso espetáculo em filme. Lembro de como era assistir filmes-show, como o Ziggy Stardust ou Na Cama com Madonna, que não só revolucionaram a minha vida, mas me trouxeram um senso de identidade. Do meu lugar no mundo. Lembro de assistir a esses filmes e pensar em como eu queria ter estado nesses shows, ter sentido essa mágica acontecendo e se espalhando pelas pessoas, essa catarse. Acredito que temos um pouco disso no nosso espetáculo, e queria dividir isso não só com o público presente, mas com as pessoas que irão assistir esse filme no futuro.
JC – Como foi a escalação dos convidados?
JOHNNY – Queria trazer alguns dos artistas que mais admiro e que considero mais importantes de todos os tempos e imediatamente pensei nos quatro. Otto é incrível. Um puta letrista, percussionista, tem discos que fizeram parte da minha vida, álbuns icônicos da história recente da nossa música. Karina (Buhr) é uma força da natureza, com sua escrita, sua voz e uma performance que deixa a gente com os olhos cheios de lágrimas, ela tem uma verdade muito forte. Karina é um soco no estômago, no melhor dos sentidos. Isaar carrega os signos e a força da música pernambucana muito fortes, uma voz assustadora de tão incrível, uma iconoclasta que transforma qualquer música em vanguarda. E Fafá (de Belém) é nossa deusa, né? Nosso patrimônio nacional, nossa musa das Diretas. Além de trazer o meu amado Norte para nossa mistura tropical.
JC – Alguma novidade ou surpresa no repertório?
JOHNNY – O bloco dos convidados é composto todo de versões de músicas deles mesmos. Então, virão várias músicas que terei a honra de cantar pela primeira vez, como Abandonada, grande sucesso popular de Fafá e Álcool, de DJ Dolores com voz de Isaar, que fez parte da trilha sonora do nosso amado Tatuagem, filme de Hiltinho (Lacerda).
JC – Depois do DVD, você deve se dedicar mais integralmente ao segundo disco, sim? Como está sendo o planejamento?
JOHNNY – Depois do DVD, prosseguimos com os shows de despedida desta turnê pelo País e perto do final do ano começamos a gravar o novo disco. Estou trabalhando com mais antecedência no próximo, em termos de clipes e arranjos, para quando chegar a hora de lançar, já termos tudo pronto.
JC – Ainda sobre parcerias...você tem vários colegas que te inspiram musicalmente nessa gravação. De que artista, você gostaria de participar como convidado num DVD?
JOHNNY – Ah, são tantos, mas meu sonho máximo, agora que Bowie não está mais entre nós, seria cantar novamente com Caetano Veloso ou Elza Soares. Com Caetano, já dividi o microfone em uma música numa homenagem a um amigo há muitos anos , mas não ensaiamos. Não foi aquela coisa oficial. E com Elza, que tenho como a maior cantora do mundo, talvez role mais pra frente. Vamos torcer!
JC – Uma questão extramusical: muito se tem dito a seu respeito que sua música e postura artística ajudam a borrar e a refazer questões de gênero. Por que esse debate se tornou tão urgente nas artes ultimamente?
JOHNNY – A questão do gênero no meu trabalho sempre se deu de forma orgânica, ao assumir que Johnny Hooker, ou essa entidade que toma conta de mim no palco, é homem e é mulher ao mesmo. Fico muito feliz quando enxergam meu trabalho como uma representação que toca nessas questões tão importantes e que precisam ser discutidas. Mas devo dizer que meu desejo maior sempre foi o de provocar, de tocar na ferida. Até onde vai uma coisa e começa a outra? Me preocupa mais o desbunde, a passionalidade, a legitimação infinita de se assumir sem fronteiras. Nem homem, nem mulher, nem herói, nem vilão, apenas uma entidade em fúria, provando da dor e da delícia de se estar vivo.