‘Allehop!’ é o grito proferido pelos artistas circenses antes de começar o espetáculo. É também o título do quinto álbum de inéditas, lançado em 2016, pela banda paulista O Teatro Mágico. Na noite do sábado (2), o palco do Baile Perfumado foi o picadeiro para a estreia oficial do disco no Recife. Enquanto o público ainda circulava calmamente pelo espaço, os três sinais típicos das peças teatrais anunciaram: “bem vindos ao Teatro Mágico!”.
Quando a Fé Ruge, presente no álbum Grão do Corpo (2014) abriu a festa. Conciliando os vocais com violão e guitarra, Fernando Anitelli, cantor e idealizador do grupo, chegou acompanhado por Guilherme Ribeiro (teclado), Sérgio Carvalho (baixo) e Rafael dos Santos (bateria) para apresentar aos recifenses a roupagem eletrônica do novo trabalho. Allehop é essencialmente um disco dançante. Os questionamentos sociais continuam marcados nas letras, mas agora com uma presença maciça de baixo e bateria, numa sonoridade que remete aos anos 1980.
A trupe surgida em 2003 com inspiração em diferentes expressões artísticas hoje é muito mais música do que performance. E o público parece ter acompanhado a aposta. Se antes era comum ver dezenas de rostos pintados nas apresentações, no show deste fim de semana a plateia aparentou estar mais concentrada na canção. O que não fez com que faixas dos trabalhos anteriores ficassem de fora do repertório de duas horas, composto principalmente por faixas politizadas. Em Cidadão de Papelão (Segundo Ato, 2008), cantaram o apagamento social sentido por um homem marginalizado, “homem de pedra, de pó, de pé no chão”.
Mas foi mesmo O Sol e a Peneira a responsável por cutucar a ferida mais densamente, quando a dupla de bailarinas Andrea Barbour e a recifense Flaira Ferro apareceram no palco enroladas na bandeira símbolo do movimento LGBT. Os fãs acompanharam o coro: “O preconceito eleito / A culpa imoral / A violência descabida / Orientação sexual / Falta de respeito / No púlpito, no pleito / Homofobia, quem diria! / Amplificada pela ma-fé!”.
Caminhando para a metade, o show entrou num clima voz e o violão, ao som de algumas como A Fé Solúvel, Ana e o Mar e Realejo, cantada com luz baixa e todo mundo sentado no chão. Um dos convidados da noite, o vocalista e violonista da banda paulistana 5 a Seco, Pedro Altério, dividiu os microfones com Flaira, que também é cantora, em Me Curar de Mim, composição dela. Somando-se ao companheiro de banda, Pedro Viáfora, e a Fernando Anitelli, cantou também Não Vou Sair, de Celso Viáfora. Na sequência, Soprano e Deixa Ser trouxeram o Allehop de volta à noite.
Interagindo com os fãs empolgados que tomaram a frente do palco, Anitelli brincou com as caravanas vindas de Caruaru e Campina Grande: “Quem tem o melhor São João? Imagina se eu cometo a gafe de confundir as cidades? Vou ter que devolver o cachê, que nem o (Wesley) Safadão!”.
De volta ao palco depois se despedir em brincadeira, o grupo soltou a introdução de Smells Like Teen Spirit, da americana Nirvana, para daí tocar uma pedida aos gritos por muitos desde o início, Camarada D’água, do disco de estreia, Entrada Para Raros (2003). O frontman rasgou elogios à cidade: “Mesmo sem vir aqui por três anos, Recife continua tendo o show mais quente do Brasil”.
NO RITMO DO FREVO
Como boa filha da terra, Flaira Ferro surgiu radiante portando uma sombrinha dourada para dançar belos passos de frevo, conduzindo o fim do ato da trupe. O encerramento, como já é clássico nos encontros entre o Teatro Mágico e seus seguidores, teve trilha de O Anjo Mais Velho. Mesmo após o silencio dos instrumentos, ouvia-se em alto som vindo da plateia: “Só enquanto eu respirar / Vou me lembrar de você”. Composta pelo vocalista em homenagem a um dos irmãos, a música sintetizou o lugar cativo conquistado pela banda nos corações do público em quase 13 anos de carreira.