No universo da música pop, poucas narrativas são tão fortes quanto a da volta por cima. Quando uma boa obra passa despercebida pelo grande público, a comoção costuma ser ainda maior. Há uma busca por uma espécie de senso de justiça em relação a esses trabalhos e seus respectivos artistas. É esse o caso de Carly Rae Jepsen, que ano passado lançou o ótimo Emotion. Esquecido pelas rádios, mas enaltecido pelos críticos, o disco se tornou uma espécie de pérola do pop, e agora tem sua segunda chance com o lançamento de Side B (já disponível nos serviços de streaming), complemento com faixas inéditas, descartadas do projeto original.
Em um mercado no qual sucesso radiofônico e de vendas definem o valor de um disco, não alcançar um certo patamar impregna a obra com a alcunha de “flop” (termo usado para se referir a fracassos) e permeia o imaginário dos fãs do gênero, tornando-os algo próximos de memes (vide Christina Aguilera com Bionic e Lotus e Lady Gaga com o Artpop).
Com Emotion, Jepsen sofria o risco de ficar marcada pela fraca vendagem do disco, mas a qualidade do material garantiu longevidade à obra, ainda que por vias alternativas. Pulsante, criativo e permeado por referências do pop dos anos 1980 (Madonna, Janet Jackson e Prince são influências declaradas), o álbum entrou em praticamente todas as listas de melhores do ano.
Bem distante do único hit de Carly, a pegajosa Call Me Maybe, o trabalho apresentava uma cantora no domínio da sua arte, certa dos caminhos que gostaria de percorrer e sonoramente diversificada. Abraçada por uma parcela mais alternativa dos fãs do pop, assim como pela cena indie, ela se transformou em uma estrela pop às avessas.
À época do lançamento do projeto, a cantora afirmou ter gravado 40 canções e escrito outras 200. Apenas 12 foram para o disco. Ciente da força das músicas, divulgou, exatamente um ano após a versão original, mais oito faixas no EP Emotion: Side B. Segundo a canadense, é uma forma de agradecer àqueles que apoiaram o disco, além de apetecer o público enquanto não finaliza seu próximo CD, que será inspirado na disco music.
DANCE QUEEN
Side B funciona como um lembrete do toque de midas de Carly para produzir grandes canções pop. Preciso, é vibrante do início ao fim. Levando-se me consideração que se tratam de faixas descartadas, o resultado é ainda mais impressionante.
A faixa de abertura, First Time, soa como uma filha de Madonna e Cindy Lauper. Remetendo ao passado sem se prender à nostalgia, a cantora transita entre a inocência e o hedonismo. Devolve, com louvor, o caráter de confessionário e escapismo à pista de dança.
Higher, continua a explorar a paixão da canadense por refrões grandiosos e sintetizadores, assim como Fever e Body Language. São faixas que evocam a ideia de noites sem fim, do ser e estar no momento.
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Cry, por outro lado, representa a ressaca emocional, a perspectiva de um amor não correspondido. Aqui, a madrugada é solitária e suas luzes opressoras. Ela continua a dissecar o coração partido em Roses, releitura das baladas r&b do final dos anos 1990/início dos 2000.
Em The One, canta sobre não querer ser “a” pessoa. “É muita pressão”, entoa. Apesar de estar falando de um affair, a faixa parece definir o lugar que Carly assumiu na música pop. Ela pertence a uma linhagem de cantoras como Robyn, Kelis e Katy B que, apesar de produzirem clássicos para a as pistas, dificilmente encontram espaço no mainstream – e nem fazem questão disso.
Um fato, no entanto, chama a atenção: o EP deve estrear nos EUA com vendagem maior do que o álbum. Seria a redenção do mercado com Carly Rae?