O festival BB Seguridade de Blues e Jazz desembarcou no Recife no último sábado. O evento, no Parque Santana, contou com artistas de renome como Hamilton de Holanda, Blues Etílicos, Dudu Lima Trio com participação do guitarrista norte-americano Stanley Jordan, Maria Gadú, entre outros, numa maratona que começou às 14h e chegou perto da meia-noite.
Mas ao contrário do que se supõe, o lineup estelar evidenciou o próprio engessamento e enfraquecimento desses gêneros musicais. Um dos principais teóricos da pós-modernidade, Baudrillard, em uma passagem muito citada pelo movimento de Greve da Arte, apontava um movimento duplo na arte dita transgressora. Ele escreve: “A arte moderna deseja ser negativa, crítica, inovadora e perpetuamente quebrar barreiras, ao mesmo tempo que é imediatamente (ou quase) assimilada, aceita, consumida, integrada. É preciso se render à evidência: a arte não mais contesta qualquer coisa. Se é que o fez. A revolta é isolada; a maldição, isolada”.
As palavras de Baudrillard são tiro certeiro particularmente no caso do jazz e do blues, ou melhor, das referências de jazz e blues apresentadas no festival. Se o gênero possui uma raiz iminentemente política, ligada a manifestações culturais do negro escravizado e marginalizado, agora só resta o esvaziamento de sua potência crítica.
Decano do estilo no Brasil, o Blues Etílicos, com 31 anos de carreira, ainda soa como uma cópia desbotada das linhas mais superficiais do blues norte-americano – o equivalente nacional a samba japonês. Carro-chefe no repertório da banda, faixa-título de seu disco de 2013, a música Puro Malte, por exemplo, ostenta um refrão no limite do ridículo: “Cerveja que é boa, tem que ser artesanal/ Não quero arroz, não quero milho/ Só puro malte, meu amigo”.
Atração mais popular da noite, Maria Gadú foi ovacionada assim que pisou no palco. Ela desenvolveu um repertório especial para o BB Seguridade, ressaltando influências que dialogassem com o estilo do festival. Empunhando uma guitarra, abriu a apresentação com a sequência de Voodoo Child (de Jimi Hendrix), Come Together (The Beatles) e Pride And Joy (Steve Ray Vaughn). Mirava na aura da “atitude rocker”, só que a coisa mais parecia um daqueles tributos que se repetem invariavelmente no Burburinho.
Quando o crooner Tony Gordon juntou-se a Gadú, o resultado deu uma melhorada. Havia uma sintonia entre os dois e a banda que gerou bons momentos, não obstante a obviedade do setlist em faixas como The Thrill is Gone (B.B. King) e Ain’t No Sunshine (Bill Whiters) e suas interpretações excessivamente reverentes.
Stanley Jordan
Por outro lado, o trio do baixista Dudu Lima fez um show com mais vitalidade e algum brilho, diferenciando-se da mediocridade e estabilidade dos demais. Com participações de Ivan “Mamão” Conti, do trio de jazz funk Azymuth, e de Stanley Jordan (com quem tocam há doze anos), os músicos se jogaram numa típica apresentação de jazz, onde temas servem de trampolim para improvisações. Daí surgiram alguns momentos, como os solos de Stanley e, principalmente, Dudu, que se mostrava dinâmico e envolvente.
Mesmo assim, a previsibilidade e a falta de ousadia ainda dominaram. Concluíram o show com uma versão de Stairway to Heaven que Jordan executa igualmente, sem tirar nem pôr, desde 1988, quando a gravou no álbum Flying Home.
Ao redor do mundo, artistas e bandas como BadBadNotGood, Kamasi Washington, Esperanza Spalding, Flying Lotus e até os brasileiros do SP Underground e Otis Trio estão explorando o jazz para criar novas linguagens, em fusão com o rap, soul, funk, pop, eletrônica. Na contramão desse processo, os artistas do festival apresentaram uma música envernizada cuja a ambição é se encaixar no ideal de “boa música”. Ao leitor fica o questionamento: qual dessas linhas está em sintonia com o espírito inovador e iconoclasta de Miles Davis, Herbie Hancock, John Coltrane, Dave Brubeck, Ornette Coleman e outros gênios?