No ano passado, a Mostra Internacional de Música de Olinda (Mimo) teve a sua etapa pernambucana cancelada por falta de recursos financeiros e corte de verbas — ironicamente o festival conseguiu ser realizado no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Mas a Mimo retornou à sua cidade natal e o fez com grande estilo. De sexta a domingo, foram apresentados 15 shows, além de uma mostra de cinema com 15 filmes e, antes disso, uma etapa educativa com workshops e masterclass.
Na última quarta-feira (16), a reportagem do Jornal do Commercio denunciou os problemas de infraestrutura do Sítio Histórico de Olinda. Na Mimo, porém, tudo foi contornado. Policiais circulavam pelo local a todo momento garantindo a segurança, a iluminação foi reforçada e a descentralização dos palcos evitou um tumulto de pessoas e deixou o trânsito livre.
Em termos artísticos, a volta da Mimo deixa clara a dimensão de sua importância. Ao lado do Rec-Beat, é o único festival que olha para além do eixo Europa/Estados Unidos e traz a música (nova ou canônica) da América Latina e da África. Em que outra ocasião o público do Nordeste poderia assistir shows como o do ganês Pat Thomas, importante precursor do afrobeat, ou de Totó La Momposina, a “rainha da cumbia”? A Mimo oferece essa oportunidade rara, provavelmente única de conhecer expressões culturais diversas, nos aproximando de lugares que nos parecem invisíveis – o que não deixa de ser um gesto político, mostrando que o mundo é muito maior e não se resume aos EUA.
No sábado, um dos shows mais impressionantes foi o do grupo Violons Barbares, um trio de instrumentistas que vinha da Mongólia, Bulgária e França. Eles reformulavam a música folclórica de cada país usando instrumentos tradicionais como a galduka (uma espécie de rabeca complexificada, com três cordas melódicas e mais 11 onze ressonantes) e o morinkhuur (um tipo de contrabaixo acústico com duas grossas cordas, tocadas por arco).
Tudo aquilo fascinava a plateia da Igreja da Sé. Não como algo exótico ou estranho, mas pela força própria que a música tinha. As pessoas ouviram atentamente, em silêncio religioso, o solo que o mongol Dandarvaanchig Enkhjargal fez com o seu morinkhuur e o canto gutural diafônico (veja no vídeo acima). Atônitas, aplaudiram a performance de pé.
Rainha da cumbia
A programação do palco principal, na Praça do Carmo, começou por volta das 22h com apresentação de Totó La Momposina. Acompanhada de uma big band de percussão, metais, guitarra e baixo elétrico, fez a multidão dançar com as faixas de Tambolero, seu último álbum, misturando os ritmos ancestrais dos indígenas sul-americanos e a música afro-latina. Aos 76 anos, Totó exibia ainda exibia uma voz potente e vitalidade contagiante – o símbolo da voz feminina encarando o tempo, uma “mulher do fim do mundo”, assim como Dona Onete ou a Elza Soares.
A noite terminou com o show do Bixiga 70, que subiu ao palco à meia-noite. A última passagem da big band paulista por Pernambuco foi em 2013, no Coquetel Molotov, ainda no Teatro da UFPE. Em Olinda, a banda mostrou o amadurecimento de sua fusão de jazz, funk e música latina.
O festival terminou no domingo. Pela manhã houve uma bela apresentação do jazzista pernambucano Amaro Freitas no Convento de São Francisco. Acompanhado por Hugo Medeiros (da banda Rua, na bateria) e Jean Elton (baixo acústico), o pianista apresentou as músicas de seu álbum de estreia Sangue Negro, que dá uma roupagem jazzística a ritmos populares do Estado, como o frevo e maracatu.
Além dos shows em si, a Mimo promove uma celebração, um clima de festa. Os palcos espalhados pela cidade alta (na Igreja da Sé, Carmo e Mosteiro de São Bento) estão convivendo com as prévias dos blocos de carnaval, com pessoas sentadas na calçada de casa, com a cidade, enfim. É um movimento de ocupação do espaço que está acaba reverberando as reivindicações do Ocupe Cine Olinda e Ocupe Calçadas. O saxofonista Leo Gandelman e a cantora Paula Lima perceberam esse clima e terminaram o show no meio da galera cantando Maracatu Atômico.