ESPIRITUAL

Bongar expande seu repertório musical no simbolismo de 'Ogum Iê!'

A premissa do álbum é uma celebração a Ogum, o primeiro orixá que desceu à Terra, considerado o deus do ferro e da tecnologia

GG ALBUQUERQUE
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GG ALBUQUERQUE
Publicado em 30/04/2017 às 13:38
Foto: Rennan Peixe
A premissa do álbum é uma celebração a Ogum, o primeiro orixá que desceu à Terra, considerado o deus do ferro e da tecnologia - FOTO: Foto: Rennan Peixe
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Bongar apresenta hoje um dos trabalhos mais importantes de sua trajetória até então. O grupo do quilombo urbano Portal de Gelo faz show no Centro Cultural Bongar, dentro da Nação Xambá, em Olinda, lançando o CD Ogum Iê!, a partir das 17h. Com apoio do edital Rumos do Itaú Cultural, o disco dá continuidade ao projeto de renovação das tradições musicais afro-brasileiras a partir da expressividade da juventude de terreiro.

A premissa do álbum é uma celebração de Ogum, orixá fundamental para o candomblé. “Na mitologia das religiões de matriz africana, Ogum é o primeiro orixá que Olorum, o Deus maior, determina descer à Terra. Ele é o responsável por abrir o caminho para os outros orixás virem povoar a Terra. Por isso que dentro da nossa tradição Ogum é o orixá que abre os caminhos”, explica o vocalista Guitinho da Xambá. Ele diz ainda que a divindade tem um relação especial com a sua comunidade da Xambá: “Era o orixá de cabeça de Mãe Biu, que é nossa matriarca histórica, e também é o patrono do nosso quilombo”.

O aspecto sonoro das novas músicas veio a partir deste simbolismo. “Ogum é o destemido que abre os caminhos, mas também é o orixá da tecnologia”, acrescenta Guitinho. “Ele construiu as ferramentas para o homem arar melhor a terra e a partir daí a humanidade se desenvolveu porque passa se alimentar melhor. Por isso o feijão é um dos símbolos de Ogum, porque contém ferro e representa a fartura. No CD a gente tentou traduzir a paisagem sonora que revela o universo mítico do orixá, o deus do ferro. Quem ouvir vai perceber que tem muito som de ferro, de metalurgia em diálogo com os tambores de couro da Xambá”.

Desta forma, Ogum Iê! revela novos elementos na gramática musical da banda. Não é um mero acréscimo de sons metálicos,
mas uma exploração harmônica das canções, além do ritmo dos tambores. Faixas como Sete Caminhos e Ogum Ronda têm flauta, violão, cavaquinho, baixo elétrico, guitarra, trompete,sax, acordeon e trombone, além de latas e tonéis de metal.

“O Brasil como um todo tem a ideia de que nos terreiros de candomblé a música é sempre percussiva. No entanto, na Xambá a gente sempre teve o prazer de vivenciar o lado harmônico. Os nossos pais tinham grupo de samba. Nosso primo mais velho entrou no conservatório de música e estudou baixo elétrico”, comenta. “Quando eu comecei a pensar em fazer música profissionalmente, eu fiz violão clássico. Não dei continuidade (ao curso), mas boa parte das nossas músicas anteriores surgiram no violão e só depois eu passava para percussão. E tem as enormes riquezas melódicas dos cantos dos orixás. Foi um momento de maturidade, de mostrar onde a gente bebe e desmistificar que o jovem do terreiro só vai aprender percussão”.

PARCERIA COM MAESTRO LETIERES LEITE

Produtor musical do álbum, o maestro e arranjador baiano Letieres Leite foi um incentivador dessa sonoridade. Ele estimulou os músicos a tocarem em outros instrumentos além dos tambores. Resultado: Thulio e Beto da Xambá criando o arranjo de cordas surpreendente e enternecido de Sete Caminhos, acrescido da flauta do maestro da Orkestra Rumpilezz.

Para Guitinho, a participação de Letieres Leite foi fundamental para o resultado final. “Com todo respeito a Juliano Holanda e Benjamin Taubkin (que produziram a banda nos CDs anteriores), não poderia ter melhor opção que ele. Como o disco é uma fusão das minhas poesias com cantos iorubanos que ouvi desde menino, precisava ser alguém que vivesse o mundo da composição erudita mas com um pé fincado na questão afro. Ele ficava como babalorixá, no centro dos músicos. Pulando, dançando, conduzindo. Ele fazia gestos que a gente sabia, de um babalorixá quando quer que o ogan faça determinado toque”, lembra.

O produtor, que em outubro fez uma residência na Xambá, também não poupa elogios aos olindenses: “O som do Bongar é único. Fiquei impactado com a consciência que todos têm de conhecer o seu lugar e o sentimento de pertencimento do grupo na comunidade. É impressionante e lindo de ver”. Quanto ao trabalho de gravação, no estúdio Cachuera, em São Paulo, ele diz que foi tudo ao vivo, todos tocando junto: “Eles tocaram como estivessem no seu terreiro, no seu local de origem. Não estavam direcionados para a gravação, a gravação que estava direcionada para eles”.

Curiosamente, Letieres veio ao Recife na quinta-feira resolver um burocracia com seu visto americano. Ia voltar a Salvador na sexta, mas lembrou do show de lançamento no domingo e resolveu ficar. “Foi obra dos orixás. Estarei lá no show. Ainda nem falei para eles, vai ser uma surpresa. Vão saber quando esta reportagem sair”.

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