Discos

Edu Lobo, Dori Caymmi, Milton, a velha MPB continua sendo

Há 50 anos anos eles formatavam a MPB, e estão de discos novos

JOSÉ TELES
Cadastrado por
JOSÉ TELES
Publicado em 16/05/2017 às 10:09
foto: Divulgação
Há 50 anos anos eles formatavam a MPB, e estão de discos novos - FOTO: foto: Divulgação
Leitura:

A sigla MPB, de música popular brasileira, consolidou­se há 50 anos. Surgiu com a era dos festivais. Excludente, abrigava nela apenas canções compostas por e para pessoas de classe média, de nível universitário. O que não impedia, naturalmente, que gente de outros estratos sócio­culturais a consumissem. Passou a ser usada no sentido que tem até os dias atuais, a partir do II Festival da Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, vencido por Disparada (Théo de Barros/Geraldo Vandré) e A Banda (Chico Buarque), que extrapolaram o nicho dos concursos musicais e foram campeãs de vendagens e de execução em rádio.

A primeira geração da MPB era integrada pela terceira geração da bossa nova que, embora continuasse devota de João Gilberto, trilhava outros caminhos harmônicos e temáticos. Em 1967, no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, aconteceu um racha, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil desgarraram­se da corrente nacionalista da MPB, mesclando­a com rock and roll, uma rebeldia que a imprensa batizaria de Tropicália ou Tropicalismo. O Histórico festival da MPB da TV Record completará 50 anos em outubro de 2017.

Boa parte dos músicos que se destacou naquela época continua na estrada e nos estúdios. Três deles estão com discos novos: Dori Caymmi, com Voz de Mágoa (Música do Brasil), com selo da Acari Records, e Edu Lobo, que participa de dois projetos, Dos Navegantes, com o violonista Romero Lubambo e o saxofonista e flautista Mauro Senise, e Em Casa com Luiz Eça, um tributo ao pianista Luiz Eça (1936/1992), com Dori Caymmi, Fred e Igor Eça, Itamar Assiere, Jurim Moreira, Mauro Senise, Ricardo Costa, Toninho Horta e Zé Renato. Por fim, o contemporâneo Milton Nascimento, consagrado em outro festival, o Internacional da Canção, de 1967, está no DVD/CD Casa de Bituca ­ Música de Milton Nascimento, com o Hamilton de Holanda Quinteto. Milton participa de duas faixas.

Vencedor do festival de 1967, com Ponteio (em parceria com José Carlos Capinam, que logo ingressaria no tropicalismo), o carioca Edu Lobo (filho de pai e mãe pernambucanos), que aos 73 anos (74 em agosto) foi um dos mais atuantes nomes dos efervescentes e conturbados anos 60, refinou seu trabalho ao longo dos anos, trafegando na mão inversa à da indigência harmônica, poética e interpretativa que acabou por dominar o cenário musical do País. Nestes dois discos com sua participação cutuca­-se o passado e referenda­-se a excepcional qualidade da produção da MPB de décadas atrás.

O pianista Luiz Eça ganha uma homenagem pela passagem dos 80 anos de nascimento, um projeto encabeçado pelos seus filhos, os músicos Fred e Igor. No show de lançamento do disco, realizado no Theatro Net­Rio, onde funcionou o histórico Theatro Tereza Rachel, os participantes do disco, além de repassar o repertório, contaram suas histórias com Luiz Eça que, com Bebeto e Hélcio Milito, formou o requisitado Tamba Trio. Todos eles têm alguma relação com Eça. Edu Lobo, por exemplo, estava com 22 anos, quando foi à casa do pianista para que ele criasse os arranjos para seu álbum de estreia. Dori Caymmi, amigo de infância de Edu, aprendeu muito do que sabe de arranjo, com Luiz Eça, de quem foi copista.

Das doze faixas de Em Casa, apenas Menino da Noite não é assinada por Luiz Eça. Foi composta para ele pelo filho, o baixista Igor Eça, com letra de Paulo César Pinheiro. Paulo César, por sinal, é protagonista de um episódio curioso. Luiz Eça deixava as portas de casa abertas para os amigos que quisessem chegar lá (daí o título do disco). Quem chegou uma noite foi Vinicius de Moraes, que se apaixonou por uma melodia que Eça tocava. Era um canção triste, o pianista estava separando­se da mulher, aquele era um tema de adeus.

Vinicius fez uma letra na hora, e a batizou de Quase um Adeus. Depois de uns uísques, resolveram fumar um. Não encontraram papel adequado, enrolaram o fumo com o papel no qual estava a letra escrita por Vinicius. Décadas depois, Quase um Adeus, ganha letra de Paulo César Pinheiro e interpretação de Zé Renato. Se no show de lançamento os músicos não se mostraram muito à vontade (ou estavam à vontade demais), no disco estão no ponto, descontraídos como se participassem de uma noitada na casa do homenageado. A direção musical é de Igor Eça, que usou os arranjos do pai, com algumas leves modificações dos participantes.

DOS NAVEGANTES

Edu Lobo permaneceu no estúdio, sentado, em silêncio, assistindo a Mauro Senise (sax soprano), Romero Lubambo (guitarra) e Cristóvão Bastos (gravar) Noturna, tema que fecha o repertório de Dos Navegantes, inteiramente formado por composições suas. Os músicos, de uma geração imediatamente anterior à de Edu tiveram o privilégio de gravar um tema instrumental inédito dele, o único de um disco que transita por fases diversas dos mais de 50 anos de carreira de Edu Góes Lobo. Um projeto que começou em 2016, com a participação de Edu cantando em duas faixas de Todo Sentimento, disco de Romero Lubambo e Mauro Senise, com composições dele.

Acertada a gravação de Dos Navegantes, o difícil foi escolher dez músicas de uma das obras mais definitivas da MPB. Edu mandou 32 sugestões para a dupla, indo de A Morte de Zumbi (com Gianfrancesco Guarnieri, do musical Arena Conta Zumbi, 1965), alguns clássicos bem conhecidos ­ Na Ilha de Lia, no Barco de Rosa e Valsa Brasileira (ambas com Chico Buarque) ­ algumas que tiveram carreira mais discreta, como Dos Navegantes (com Paulo César Pinheiro, 1993) ou Gingado Dobrado (com Cacaso, 1976). Além da trinca, estão no disco Cristóvão Bastos (piano), Bruno Aguilar (contrabaixo), e Mingo Araújo (percussão). Daqueles discos que não podiam dar errado. E não deu,

Em Voz de Mágoa (Música do Brasil), um representante caçula da primeira geração da MPB se faz discretamente presente na foto p&b da capa, na imagem desfocada, por trás de Dori. Assim tem sido a quase cinquentenária carreira de Paulo César Pinheiro, 67 anos, que adentrou os festivais ainda adolescente, parceiro de Baden Powell, em Lapinha, que levou a I Bienal do Samba, em 1968. Paulinho, como até hoje é tratado pelos parceiros, é um dos mais requisitados letristas da MPB e, com este, é o terceiro trabalho com Dori Caymmi, que musicou poemas dele, em Poesia Música (2011), Setenta Anos (2014), lançados pela Acari Records.

Com o timbre grave herdado do pai, Dorival Caymmi, Dori é um cantor funcional, pecadilho da geração de compositores da era dos festivais, que optaram por eles mesmos interpretar o que compunham. A qualidade da música, dos arranjos (Dori passou boa parte da vida nos EUA trabalhando em arranjos), tornam a interpretação um pecadilho num disco cujo subtítulo reforça sua orientação, é música do Brasil, não do Rio. Tem da canção praieira Manhã de Pescaria, às interioranas Voz de Mágoa e Viver na Fazenda (já gravadas por Maria Bethânia). Disco que parece ganhar novos contornos a cada audição.

MILTON

Terceiro disco do premiado Hamilton de Holanda Quinteto, integrado por Hamilton de Holanda (bandolim 10 cordas), André Vasconcelos (baixo acústico), Gabriel Grossi (harmônica), Márcio Bahia (bateria) e Daniel Santiago (violão). O Casa de Bituca é um disco diferente na obra do prolífico Hamilton de Holanda que, pela primeira, também canta, na faixa Maré da Indiferença (com Marcos Portinari), reforçado pelo coro da mulher e dos filhos. É, pois, um disco de vozes e, obviamente, não se deve comparar as interpretações imprimidas às músicas por Milton Nascimento, a mais bela voz masculina da geração dos anos 60. Este é um disco de um virtuoso bandolinista.

Mas é de Milton Nascimento a voz em Bicho Homem (dele e Fernando Brant) que abre o vídeo, registrado em estúdio, seguido por Bola de Meia, Bola de Gude, interpretação instrumental que reforça a maestria de Bituca no domínio de inusitadas soluções rítmicas e melodias. É exatamente isto que o disco enfatiza pela escolha de canções manjadas, como Ponta de Areia ou Saudades dos Aviões da Panair (as duas com Fernando Brant). Alcione é a convidada em Travessia (também com Brant), evitando os floreados com que decora os sambas abolerados que costuma gravar. Ótima combinação sua voz e o bandolim de Hamilton.

De faixa bônus, Guerra e Paz I, de Hamilton de Holanda, com participação de Milton Nascimento, foi gravada no citado Brasilianos ­ Hamilton de Holanda Quinteto, em 2006, e inspirada pelo drama dos refugiados das
muitas guerras que pipocam mundo afora, tema agora ainda mais atual.

Últimas notícias