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Theo de Barros Lança CD de Parcerias com Paulo César Pinheiro

Ele assina um dos primeiros sucessos de Elis, e É Autor da Melodia de Disparada

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 02/07/2017 às 9:49
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Ele assina um dos primeiros sucessos de Elis, e É Autor da Melodia de Disparada - FOTO: foto: divulgação
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Em 1965, mesmo ano em que Elis Regina gravou Menino das Laranjas, do compositor carioca Theo de Barros, o poeta amazonense Thiago de Mello lançou o livro Faz Escuro Mais Eu Canto, um libelo em versos de enfrentamento à ditadura militar instalada um ano antes no país. Faz Escuro mais eu Canto seria um bom título para o álbum Tatanagüê, com músicas do citado Theo de Barros, a maioria em parceria com Paulo César Pinheiro, disco independente patrocinado pela Fator.

 Um trabalho que bate de frente com a vulgaridade musical que se instalou no Brasil, e ameaça ficar no poder por mais tempo do que os 21 anos que durou o regime militar. Tatanagüê, segundo Paulo César Pinheiro, era um pássaro de segurança nos quilombos, que alertava sobre a presença de estranhos nas proximidades. O Tatanagüê era também um pássaro invisível, como será o álbum que leva seu nome, para a maioria dos consumidores de discos, nesta época musicalmente sombria.

 "Esse pessoal que toca na rádio e faz sucesso dificilmente faria um disco assim, com orquestra, muitos músicos, intérpretes. Além do mais, com esta coisa de internet, as músicas chegam do mundo inteiro, é difícil romper esta barreira. O que procurei fazer foi o que sempre fiz, música do Brasil. Pra mim, música popular brasileira é esta", comenta Theo de Barros, que não lançava disco desde À Luz de Velas, pelas Paulinas, em 2007. Ele compõe pela compulsão criativa, sem compromisso com público ou gravadoras.

 Resolveu fazer um disco para tirar do arquivo as muitas canções que vinha fazendo com Paulo César Pinheiro, parceiro de quatro décadas: "Eu e Paulinho, a gente vai compondo, então vi que tinha chegado a hora de mostrar as músicas. Surgiu a ideia de reunir parte das composições em um disco. Conseguimos um patrocinador e fizemos. Mas tem muita coisa ainda pra mostrar". A maioria do repertório foi composto nos últimos dois anos, com exceção de duas faixas, ambas concorrentes em festivais. Barco Sul, com Gilberto Karan, do MPB-Shell (promovido pela TV, em 1982), e Desafio, do Festival da Viola (realizado pela extinta TV Tupi, em 1970).

 DISPARADA

 Desafio seria mais uma vitória de Theo de Barros em festivais. A música chegou na final do Festival da Viola empatada com mais duas em primeiro lugar. No desempate acabou em terceiro lugar. Em 1966, ele venceu o II Festival da Música Popular Brasileira com Disparada, parceria com Geraldo Vandré (que geralmente é apontado como autor único da canção), que acabou também empatada, com A Banda, de Chico Buarque. Theo é autor da melodia de Disparada:

 "Levamos três noites para fazer a música. Eu ia pra casa do Vandré. Ele escreveu uma letra que era duas vezes maior. Sugeri que cortasse alguma coisa, repetisse algumas frases pra tornar popular a canção, pro pessoal cantar. O sucesso que teve, pelo menos pra mim, foi uma surpresa muito grande, e gratificante", resume ele a criação de um dos clássicos da era dos festivais, particular, e da MPB, em geral.

 De falar pouco, de respostas sintéticas, curtas, Teófilo Augusto de Barros Neto, da classe de 1943, é filho de nordestinos. O pai, Théofilo de Barros Filho, foi cineasta, radialista (diretor da Rádio Jornal do Commercio, atual Radio Jornal, nos primeiros anos de funcionamento da emissora, deixou em 1952), a mãe era potiguar. "Quando eu era bem jovem, passava minhas férias no Rio Grande do Norte, às vezes ia para Maceió. Sempre tive este contato com a música nordestina, não foi apenas influência sanguínea, dos meus pais. O Nordeste foi meu segundo lar, vamos dizer assim", ressalta Théo de Barros, o que explica e justifica sua participação no Quarteto Novo, o primeiro supergrupo da música brasileira, formado por ele, Hermeto Pascoal, Airto Moreira, e Heraldo do Monte.

Em época de efervescência cultural e, paradoxalmente, cerceamento de liberdade, Theo de Barros fez direção musical para o teatro de Arena, em dois musicais que o público brasileiro foi proibido de ver. Arena conta Tiradentes, e Arena Conta Bolívar: “O Tiradentes teve apenas uma leitura do roteiro, enquanto Bolívar foi proibido totalmente.  Mostramos em países da América Latina, e nos Estados Unidos. A música que fiz para os dois continua quase toda inédita. A de Bolívar foi feita em cima dos ritmos  latinos”, conta Theo.

 QUARTETO

 O grupo fazia uma música progressiva nordestina, com um viés jazzístico, e muito virtuosismo dos integrantes. Theo de Barros começou no violão aos dez anos, cresceu no convívio de vários dos nomes mais conhecidos da era do rádio, que participavam dos saraus que o pai dele promovia em casa. Um tio foi o primeiro professor, ensinando-lhe os acordes iniciais. Alguns daquelas artistas lhes ensinaram outros:

 "Cantores, músicos, iam lá pra casa no Rio, em reuniões que varavam a noite. Eu dormia ao som deles. Depois voltamos a morar em São Paulo. Não tinha um rol de amizades, e fui desenvolvendo meu violão sozinho", conta Théo. Theo de Barros uniu-se aos bossa-novistas Airto e Heraldo do Monte (recifense, de Afogados) para formar o Trio Novo, que virou Quarteto Novo com a entrada de Hermeto Pascoal. Conta-se que o quarteto voltou a ser trio quando se incorporou a um projeto musical da Rhodia (uma fábrica de tecidos de fibra sintética). A aparência de Hermeto Pascoal não combinava com moda. E ele teria ficado de fora da turnê. Théo de Barros não confirma o episódio, mas também não o descarta.

 O Quarteto Novo acompanhou Jair Rodrigues, que defendeu Disparada no III Festival da MPB, da TV Record, na gravação em disco. Chamou atenção pelo arranjo inovador (com destaque para a percussão de Airto Moreira) e foi convidado a fazer um LP, pela Odeon (lançaram também um compacto simples). O grupo teve trajetória meteórica, mas marcou a MPB, com influência que se desdobra até os tempos atuais.

 Poderia até fazer mais história se tivesse acompanhado Gilberto Gil em Domingo no Parque, no III Festival da MPB, da TV Record, em 1967: "Começamos a ensaiar com ele Domingo no Parque, mas nos desentendemos, não concordamos com algumas ideias dele, e desistimos. Gil convidou Duprat para fazer o arranjo. Mas a sugestão da introdução foi nossa. Acabamos ganhando o festival com Ponteio, de Edu Lobo", relembra. O Quarteto Novo acabou no início de 1968. O disco não aconteceu:

 "A vida era muito difícil, a cada ano nosso cachê ia diminuindo. Eu era solteiro, mas o pessoal era casado, e não dava para viver com o que o quarteto ganhava. Cada qual tomou seu rumo, Airto e Hermeto foram para os Estados Unidos, Heraldo e Théo ficaram no Brasil: "Nunca parei com a música, trabalhei fazendo trilhas para publicidade, cinema. Fiz muita coisa, o que fiz menos, no entanto, foi gravar discos, deveria ter gravado mais", comenta.

 DISCO

 Pela qualidade da música de Tatanagüê, Theo de Barros deveria encarar outras empreitadas dessas com mais assiduidade. Ele é um melodista no nível de Edu Lobo e Francis Hime, de fazer uma ciranda soar como um lied erudito (Ciranda Morena), um baião se aproximar de Villa-Lobos (Tatanagüê), músicas enriquecidas com as letras precisas de Paulo César Pinheiro. São 16 canções, nas vozes de Renato Braz (cada vez melhor), Mônica Salmaso (talvez a melhor cantora em atividade no Brasil), Alice Passos (uma veterana de apenas 26 anos), Théo de Barros e o filho Ricardo Barros. Difícil destacar alguma, pela excelência do repertório. Valeu trazer de volta a bela e esquecida Desafio, de 47 anos atrás.

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