Pela quantidade música que compôs, sobretudo pelas centenas que assina com Roberto Carlos, Erasmo Carlos poderia viver folgadamente de direitos autorais. Mas ele continua nos estúdios e nas estradas, como faz há 56 anos, contados do, hoje raríssimo 78 rotações dos Snakes, do qual era o vocalista, lançado com selo Mocambo, da pernambucana Rozenblit. Erasmo Carlos chega hoje ao Recife, para apresentar no Teatro Guararapes, o show da turnê do álbum Gigante Gentil, lançado em 2014.
“Foram tantos os shows deste disco que nem sei se já fizemos Recife. O show já nem é mais do disco. Há três anos estamos na estrada, e o repertório vai mudando. Depois do Gigante Gentil, Já saiu o disco Os Lados B, e também não fomos ai com esse show. Viajo com a banda, fica difícil as passagens, porque é muito gente. O show vai mudando conforme onde acontecer. Não se pode lançar um repertório novo num lugar aonde você vai pouco. Embora o show já não seja mais o mesmo do início, o nome da turnê continua o mesmo. Graças a Deus foi sucesso em todo lugar, cara”, comenta Erasmo Carlos, em entrevista por telefone.
Assim como outros nomes de sua geração, Erasmo foi descoberto por um público na faixa dos vinte e poucos, que caça nos sebos seus LPs dos anos 70, os da fase hippie, ou psicodélica, como preferem os novos fãs. Mas ele não pensa em preparar um espetáculo com o que gravou nessa época direcionado a este público: “Meu show tem muito destas músicas dos anos 70, é um apanhado de sucessos. Tem Jovem Guarda, tem que ter sempre, tem anos 70, e tem as músicas de agora, a vida de Erasmo está neste repertório”, diz o cantor, que dispensa um carinho especial pelo álbum Gigante Gentil: “Com este disco eu ganhei o Grammy, um premio que perseguia desde os 70. Fui indicado várias vezes, e só vim ganhar agora, com Gigante Gentil, o que me faz ter orgulho deste disco, que me deu um troféu que eu queria muito”.
Gigante Gentil é um disco de rock e baladas, com canções assinadas apenas por Erasmo, e parcerias, com Arnaldo Antunes, Nelson Motta, com Roberto Carlos (o clássico Além do Horizonte) e com Caetano Veloso, a primeira canção que ele e o baiano assinam juntos. Na época em que Erasmo Carlos ficou sentado à beira do caminho, logo em seguida ao fim do programa Jovem Guarda, Caetano Veloso colaborou para ele voltar às paradas, o presenteando com a inédita De Noite na Cama: “Eles (Gilberto Gil e Caetano Veloso) estavam em Londres eu pedi uma música, e Caetano me deu De Noite na Cama. André Midani (então presidente da Phillips no Brasil) foi o intermediário para que ele me mandasse a música”.
Em Gigante Gentil, ele e Caetano estreiam como parceiros em Sentimentos Complicados: Mandei uma música pra ele por e-mail. Ele passou seis meses pra responder, mas quando respondeu, já veio com a letra pronta”, conta Erasmo, que está “de plantão” para seu eterno parceiro, Roberto Carlos, que já acenou para, finalmente, lançar um álbum de inéditas: “Compor com Roberto? Estou esperando que aconteça. Na hora que for necessário, ela surgirá”. Ele não revela quais músicas foram composta apenas por um parceiro, e atribuída a dois: “Estas coisa nem a gente sabe, um faz uma música, o outro dá uns palpites e a música acaba ficando sem identidade, acaba sendo os dois mesmo. São umas 600 músicas você ficar detalhando todas é um saco”.
AMIGO DE FÉ
Os dois são amigos desde 1958, quando Roberto Carlos procurou Erasmo Carlos para saber se ele tinha a letra de Hound Dog (Leiber/Stoller), sucesso de Elvis em 1956. Iria canta-la num show em que o astro principal seria Bill Halley and His Comets. A amizade fortaleceu-se quando os dois descobriram que compartilhavam de idênticos gostos musicais. Ambos eram fãs incondicionais de Elvis Presley: “Vi um show de Elvis em Las Vegas no Hotel Hilton. Ele foi meu ídolo, o cara que me mostrou como eu gostaria de ser, as roupas que vestia, as músicas que ele cantava, me encantei com isso. Ele me mostrou como eu poderia ser. Foi o grande ídolo da minha vida. Ele e João Gilberto, os meus dois ídolos”.
Mesmo gostos, mas personalidades bastante diferentes, faces distintas de uma das moedas mais valorizadas da músicas brasileira: “Graça a Deus somos bem diferentes. Sou carioca, ele é capixaba. A única coisa que temos em comum é que ele é vascaíno e eu também.Mas o restante, é bom que seja diferente senão ficaria tudo igual. Eu cantava as mesmas coisa dele, ele cantava as mesmas coisas minhas, ficaria chato, cada um deve ser de um jeito”, diz Erasmo. Insiste-se em perguntas sobre a parceria.
Desta vez sobre o que achava de Roberto Carlos ter colocado no índex canções, como Quero que Tudo Vá pro Inferno, que não permitiu, durante, anos, que não fosse regravada, Erasmo é curto e grosso: “Cada um faz o que quer, respeito ele como ele me respeita. Ninguém se mete na vida do outro não. Quanto a Que Vá Tudo pro Inferno, não dá pra dizer se é minha ou dele, é coisa de 1960, não dá pra mexer mais. Se não se sabe até hoje, não é agora que se vai saber”.
Hoje moendo com menor intensidade, a usina de música Roberto & Erasmo foi extremamente produtiva durante as décadas de 60 e 70, quando além de compor si mesmos, distribuíam canções com os amigos, Wanderlea, Cleide Alves, Agnaldo Timotéo, os Vips, alguns que gravaram a dupla na era do iê-iê-iê. Nos anos 70, já eram vistos sem preconceitos, a parceria passou a ser respeitada pela crítica, pelos intelectuais. Forma convidados para trilhas, de filmes, novelas globais, e teatro.
Em 1970, por exemplo, a dupla escreveu a música da peça A vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stomponato, de Braulio Pedroso, dirigida por Antonio Pedro. Erasmo confessa que não lembra mais nada da música, que permanece inédita. Quando quer saber de alguma recorre aos atores que trabalharam na peça: “Nada daquela trilha foi gravada, não tenho mais nem referência das músicas daquela peça. Se quiser saber delas preciso falar com Marcos Nanini, Marilia Pera, Sandra Pera, irmã da Marília, ou Zéze Mota”.
Ele chega ao final da turnê Gigante Gentil, com dois projetos, um encaminhado, outro se encaminhando. Uma cinebiografia, Minha Fama de Mau, de Lui Farias, com Chay Suede no papel de Erasmo, iniciado em 2015, e que está chegando às telas. Depois, seu primeiro álbum acústico, pela Som Livre, ainda sem título, nem data de lançamento definida: “Terá um single, e depois o álbum, inicialmente digital. Não sei ainda a data que sai o single. Sempre gostei de lançar disco no final do ano, por causa da mentalidade antiga do vinil. No natal disco servia de presente. Esta coisa já não funciona, agora posso lançar em qualquer tempo”.
lErasmo Carlos no Teatro Guararapes. Ingressos: plateia: R$ 120, R$ 60 (meia), balcão: R$ 100, R$ 50
(meia-entrada), à venda na bilheteria e no site Compre Ingressos. Às 21h. No Centro de Convenções de
Pernambuco, Complexo de Salgadinho, Olinda. Informações: 3182-8020.