Disco

Ângela Ro Ro vai de todos os ritmos em Selvagem

O novo disco tem apenas ela e o produtr Ricardo Mac Cord

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 26/09/2017 às 9:00
foto: Alexandre Moreira/Divulgação
O novo disco tem apenas ela e o produtr Ricardo Mac Cord - FOTO: foto: Alexandre Moreira/Divulgação
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“Eu tenho parte com o capeta, tenho parte com o cão/tenho parte com gato, com onça, com ave, gigante e anão, mas quando me aperreio, saia da frente que eu não tenho freio”, os versos são seguidos pela risada marcante, origem do seu sobrenome artístico. A cantora carioca Ângela Ro Ro cita um trecho da letra do xaxado Parte com o Capeta, uma das faixas do novo disco, Selvagem (Biscoito Fino), uma definição dela mesma: Este é o 14º título de uma discografia iniciada em 1979, desacelerada depois de 1993, por problemas pessoais da cantora, incluindo obesidade mórbida. “Perdi 65 quilos, e estou com 66 anos”, brinca Ângela Ro Ro em entrevista, por telefone.

Lamenta não ter feito mais apresentações no Recife: “Fiz o festival de Garanhuns, uma cidade incrível, um clima que parece um pedaço da Europa no Nordeste. Ia muito aí pra cantar num projeto, acho que se chamava Seis e Meia, acontecia no Teatro do Parque, que ficava perto de uma funerária, na Rua do Hospício, um endereço dos mais exuberantes”, ri alto. O álbum tem apenas ela e o produtor e parceiro, o pianista Ricardo Mac Cord, com quem Ângela diz estar celebrando quase 30 anos de casamento musical:

“Ele faz meus arranjos desde 1993, é o meu parceiro em muitas coisas. A gente fez este disco de forma engraçada, na casa de Accord, primeiro andar, de frente para tudo, e não vazou nenhum som. Trompete, sax, flauta, percussões, bateria, baixo guitarra, gaita, sanfona, é tudo Ricardo que está tocando, não é xerox de nada. Tudo que você ouvir ali é Ricardo com a mãozinha dele.
Não que a gente tenha feito um disco para economizar. Nisso eu sempre fui abençoada, com a companhia dos melhores músicos do mundo em minha carreira toda. O meu Selvagem, é o meu Selvagem Science, é a primeira vez que encaro um disco assim, com Ricardo, eu e as programações eletrônicas”, conta Ro Ro, derramando-se em elogios à gravadora Biscoito Fino, responsável pela mixagem e masterização. Mac Cord é parceiro dela em quatro canções.

LONDON LONDON

Ângela Ro Ro lançou o primeiro álbum com 30 anos mas, dez anos antes, participou de um dos clássicos da MPB, Transa, o disco que Caetano Veloso gravou em Londres, durante o exílio e autoexílio de tropicalistas na capital inglesa, das badaladas reuniões com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas Ângela Ro Ro ressalta que sua vida nessa época não era nada glamurosa: “Nunca fui de grupo nenhum. Eu era uma moça que limpava privada em hospital por centavos, fazia faxina, limpava, para o Reino Unido, as ruas e beiradas de metrô, por centavos. Isto pra ter direito ao serviço britânico de medicina, dentista e médico de graça. Mas gostei muito de morar na Grã-Bretanha, é meu segundo país. Estava na casa de Gil, então Macalé fez a gentileza de me convidar para tocar uma gaitinha sem-vergonha, me pagaram. Foi uma honra conhecer o pessoal da Tropicália, os instrumentistas
maravilhosos, Gal Costa, Tom Zé, aquele pessoal todo, Glauber Rocha, Paulo Lima, que foi meu primeiro
empresário”, conta Ângela Ro Ro, que tocou na faixa Nostalgia (That’s What Rock’ n’ Roll is All About). Estava então com 21 anos.

Ela entrou em cena quando a MPB se renovava, com uma abertura para cantoras e compositoras: “Porém nunca vendi muito. Fiz seis discos, pela Polygram, hoje em dia Universal, pela Eldorado, pela Som Livre, pela Indie Records, pela Biscoito Fino, disco independente. Fiz algum sucesso, mas não sou nem um Roberto Carlos, ou Ivete Sangalo, não estou com esta bola toda”, diz a cantora, classificada como blueseira no começo da carreira, mas que circula pelos mais diversos gênero. A fase londrina é relembrada em Selvagem na faixa Portal do Amor: “Quase todas as composições do disco são recentes, algumas começadas em outro tempo da vida. Portal do  Amor, que foi começada como canção de separação, fiz lá em Londres, com 23 anos exatamente. Uma parte de Amor Meu Grande Amor, um dos meus maiores sucessos, veio desta música. A parte que sobrou eu terminei nesse último verão”.

Há quatro anos ela não lançava disco. O último foi Feliz da Vida, também pela Biscoito Fino. Selvagem é um bufê variado: “Tem um xaxado que comecei a fazer anos atrás e só terminei um mês atrás. Uma ou duas fiz bem recente. No repertório tem pouca coisa que fiz há mais de um ano”, e destaca o sambão Maria da Penha: “É sobre a Lei Maria da Penha mesmo. Abordo este tema gravíssimo, crime hediondo, infelizmente quase sempre cometido pelos homens contra as mulheres. A matança das mulheres pelos homens está uma coisa absurda nem na pré-história foi tão grande. O que os homens estão fazendo, de uma forma criminosa e debochada, com as fêmeas, não parece que saíram de uma fêmea. Trato com humor este tema, que é muito
sério, muito grave. No final levo na brincadeira. É um samba exaltação ao humor, porque o humor é uma forma maravilhosa de se tratar de coisa graves”.

Feliz da Vida, o disco anterior, tinha a ver com a cantora estar realmente de bem com a vida, depois de se livrar do alcoolismo, todas as drogas lícitas e ilícitas: “O que mudou em minha vida? Perdi 65 quilos, logo, mudou todo guarda-roupa. Mas, sem dúvida alguma, quando se perde obesidade, ganha-se uma vida a mais. Não fiz bariátrica, com todo respeito a quem precisa. Vivo minha vida, não sei o que é politicamente correto, não me importo com estas besteiras”.

Mas está longe da Ângela Ro Ro que aprontava. Não gosta de relembrar esta fase. Pede para o assunto voltar ao disco: “Parece que agora você foi tomado pelo capeta.
Nem Ronaldo Bôscoli faria uma fofoca destas. Não leia esta coisa de novo porque pode fazer mal pra sua cabeça”, ri e faz propaganda de si mesma: “Diga apenas que este disco é muito bom, que é arretado, flor de mandacaru, diga que ele vale ouro, joga bem pra cima porque assim você chama o povo, e a gente faz aquele lançamento. Não esquece o nome da minha produtora [email protected]”.

Brincadeiras à parte, ela reconhece que o mercado está difícil, a época não está propícia: “Mas este é um show que cabe em qualquer espaço. A música é o show, não o cenário, as luzes. Graças a Deus a gente vai ganhando público junto à garotada. Isto acontece porque tenho uma obra, e também tenho um jeito meio acriançado. A faixa Parte com o Capeta é como eu sou, e sou abençoada, física e mentalmente

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