Disco

Lulu Santos recarrega as baterias com canções de Rita Lee

Ele começou a gravar Rita Lee desde o primeiro álbum solo

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 24/10/2017 às 14:02
foto: divulgação/Léo Aversa
Ele começou a gravar Rita Lee desde o primeiro álbum solo - FOTO: foto: divulgação/Léo Aversa
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Na edição nº 14 do jornal Rolling Stone (edição nacional de 1972), dedicou-se uma página inteira aos grandes guitarristas de rock do Brasil. Entre eles está um garoto de 19 anos chamado Luis “Lulu” Maurício. Já naquela época Lulu Santos, destilava arrogância. Em pequeno texto abaixo da foto, ele esculachava uns músicos portugueses (não se esclarece quais), revelando-se influenciado por Lanny Gordin e Sergio Baptista, que figuram na matéria. Lulu tocava então num grupo chamado Albatroz e esforçava-se. Jactava-se de que quatro horas do seu dia eram para estudar violão, teoria, solfejo e canto.
Dois anos mais tarde estaria na Vímana, grupo de que também participaram Lobão e Ritchie. O fato de ter tido estes futuros astros do rock brasileiro dos anos 80, levou a Vímana a ser lembrada e seus discos valorizados. Nada indica que a trinca fosse marcar a década seguinte com tantos sucessos. O grupo era influenciado pelo rock progressivo. Aproximou-se do tecladista Patrick Moraz, um suíço que entrou no lugar de Rick Wakeman no grupo inglês Yes e que morou algum tempo no Rio. A saída de Lulu Santos da banda teria acontecido por ter brigado com Moraz. Sua carreira solo demoraria um pouco a decolar.
Passadas quatro décadas do episódio, Lulu Santos é o incontestável “Rei do Pop” brasileiro e um dos maiores guitarristas de sua geração, embora tenha deixado o instrumento em segundo plano. O que apareceu foi o cantor e compositor de discos pop refinados e acessíveis (com as inevitáveis exceções). Uma máquina de hits só comparável à Rita Lee Jones, que levou o pop nacional à idade adulta em meados dos anos 70. Tempos modernos, Como uma onda, De repente Califórnia, Aviso aos navegantes, Um certo alguém: a lista é longa. O carioquíssimo Lulu Santos, fiel versão do ensolarado Rio de Janeiro, agora acopla ao seu repertório uma dúzia de canções da cantora que já foi a mais perfeita tradução de acinzentada São Paulo.
Ele reverencia a Rainha do Rock brasileiro no álbum Baby Baby (Universal Music), uma passeada pelo repertório, de fases distintas, de Rita Lee. E passeada aqui é no sentido praticamente literal. Lulu revisita uma dúzia de canções da cantora (sozinha ou com parceiros). A ideia, revelou, veio-lhe depois de ler a autobiografia dela. Relacionou as primeiras canções que lhe chegaram à cabeça. O disco começou a ser realizado em fevereiro e pousou nas plataformas digitais na última sexta-feira.
O álbum deveria ser chamado de Agora só Falta Você, mas acabou batizado de Baby Baby (da letra de Ovelha Negra). Lulu gravando um álbum inteiro com músicas de Rita Lee é uma coisa tão óbvia que é difícil saber como não aconteceu antes. Embora ela seja mais velha, os dois são contemporâneos. Quando ele começava, Rita era defenestrada dos Mutantes, que enveredaram pelo rock progressivo, do qual Lulu Santos
saiu para entrar no pop.

LULU & RITA


Naturalmente esta não é a estreia de Lulu cantando a amiga. Ele grava Rita Lee desde o seu primeiro álbum
solo, Tempos modernos (1982). Uma das faixas do disco intitula-se Scarlet Moon e foi composta por Rita para a atriz, então mulher do cantor. No mesmo disco, Lulu regravou a versão de Get Back, de Lennon & McCartney, assinada por Rita Lee, feita para a turnê Refestança, com Gilberto Gil, em 1977.
Os dois estiveram pela primeira vez juntos num estúdio há 33 anos, com Erasmo Carlos, Roberto de Carvalho e Evandro Mesquita, quando ela cantou Ronca, Ronca, no álbum Tudo Azul, de Lulu Santos. Ele foi um dos nomes no repertório de álbum Triângulo sem Bermuda - Uma Homenagem à Trois (Natasha), um tributo à música dos Mutantes. Ave Lúcifer (parceria de Rita Lee, com Arnaldo Baptista e Élcio Decário) foi a música escolhida por Lulu, que voltaria aos Mutantes em 1997, quando gravou Meio Desligado, faixa do álbum Liga Lá.

POP

Ambos têm uma sensibilidade pop impecável e assemelhada. Algumas das canções de Rita Lee (boa parte com Roberto Carvalho), com a roupagem que Lulu Santos lhes deu, soam como se fossem canções dele. A maioria ganhou arranjos que a distancia do original, como é o caso de Mamãe Natureza, agora com pegada blueseira. Rita Lee, em 1975, demarcou seu espaço no rock, em particular, e na MPB em geral, com Ovelha Negra. Com os Mutantes ela mostrou que se poderia fazer rock com boas letras em português. Com Ovelha Negra ela ratificou a asserção, tirado do rock a fraqueza mais apontada por seus críticos. A canção na versão de Lulu Santos tem enfatizada a melodia irresistível adaptada a umma levada de reggae, com um arranjo que o torna ainda mais pop.
Ele percorreu antes o repertório de Roberto e Erasmo Carlos, em 2013, no álbum Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo, porém com um resultado menos empolgante. A empatia com Rita Lee é maior e mais palpável em Baby Baby – é como se ele estivesse remodelando sua própria música, descobrindo pérolas perdidas no fundo de um baú. É assim que procede com a obscura Paradise Brasil, do último disco de estúdio de Rita Lee, lançado em 2012, que pouco tocou no rádio. A versão 2017 da faixa se aproxima das programações do DJ Memê, com a percussão de Pretinho da Serrinha, direcionando a música para as pistas de dança.
Ele abre o disco com outra canção pouco lembrada, Disco Voador, do álbum Babilônia (1978), a parceria inaugural de Rita e Roberto Carvalho. No original, a música é um rock balada, meio Wings (a banda de Paul McCartney nos anos 1970). Em Baby Baby, Lulu acelera o compasso do Disco Voador, que ajuda a fazer com que o álbum pegue o prezado ouvinte logo na abertura. Ele recorre mais uma vez aos Mutantes, numa recriação de uma das mais consistentes canções grupo, Fuga nº 2, balada com clima de rock psicodélico, emoldurada por efeitos. Mais programações para Alô Alô Marciano, lançada por Elis Regina, em 1980. A letra, que comentava o Brasil da época, poderia ter sido composta agora para o Brasil de 2017. “Tá cada vez mais down no high society”, mas ainda somos bons de música, alerta Lulu Santos neste presente aos seus fãs

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