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Jr.Black em um disco de muitas histórias e reflexões

Músico exercitou sua veia autoral em canções confessionais

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 01/11/2017 às 8:08
foto? Beto Figueroa/divulgação
Músico exercitou sua veia autoral em canções confessionais - FOTO: foto? Beto Figueroa/divulgação
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No primeiro disco solo, RGB, de 2009, Jr. Black chegou aos palcos como uma espécie de Tim Maia pernambucano, soltando o vozeirão com muito suíngue. Um disco recheado de barulhinhos bons, na produção da turma do Joinha Discos, China, Chiquinho Moreira (Mombojó) e Homero Basílio (A Roda). A trinca deu o pontapé inicial no selo com discos de Jr. Black e Catarina Deejah. RGB foi bem recebido, mas se passaram oito anos desde seu lançamento. Jr. Black foi cuidar da vida, do filho Francisco e correr atrás de trampos para pagar as contas. Centrou-se mais na publicidade, onde empresta a voz para jingles, spots de rádio e TV: “Nunca tive uma carteira assinada. Sou o encanador, me chamou, tô lá”, diz Black cuja voz pode ser escutada tanto num comercial de vinagre, ou num spot de TV para a Secretaria de Turismo.

Na música, fez turnês integrando o grupo de DJ Dolores, participações em shows e discos de muita gente (está no recente DVD do Mundo Bita) tocou com a banda Purassal que, ressalta, é a base de Vende-se (Independente) o novo disco que mandou para às plataformas digitais na quinta, 26 de outubro: “É como se a Purassal fosse um laboratório para eu chegar a este trabalho, um disco sem pose, é feito um papo que tivemos na esquina”, comenta Black, esclarecendo de onde vem o nome da Purassal. É de puro sal mesmo, uma sopa caprichada no sal, servida o num bar na Visconde de Goiânia, na Boa Vista. O sal, segundo Black, incentivo para o pessoal entornar mais cervejas. 

A banda base do álbum: André Alencar (baixo), Andrét Oliveira (sintetizadores e teclados), Charles Silva (bateria), Guga Fonseca (teclados e piano). O disco foi produzido por Yuri Queiroga e Juliano Holanda (parceiro em uma faixa), gravado em três estúdios, Muzak, Carranca e Falante Áudio.


Jr. Black alerta que é um trabalho muito diferente de RGB: “A concepção do outro era ser dançante, alto astral. Este agora é autoral, com composições confessionais. Compus tudo no violão. Quem me conhece sabe que eu gosto de contar histórias, este é um disco de histórias, reflexões. Não tenho porque estar me repetindo. Talvez meu próximo disco seja de sambas”, diz Jr. Black. 
Vende-se começou a ser gravado em 2015, e foi terminado há dois meses, bancado às próprias custas, com os convidados se chegando na base do “eu participo do seu e você participa do meu”. O disco físico virá, porém só se a grana para fabricá-lo também der as caras. 

Jr. Black é José Wilson de Castro Temóteo Jr., nascido, há 41 anos, em Garanhuns, morador de Setúbal, com uma já considerável folha de serviços prestada à música pernambucana. No começo dos anos 2000, estava na Negroove, teve passagem também pela Mesa de Samba Autoral. Arrendado, faixa mais antiga do disco, é do tempo da mesa, um samba: “Quem é o psiquiatra do psicólogo?” é o refrão (com participação de Fred Zeroquatro), um comentário sobre o gigante pela própria natureza: “O Brasil é um parque de diversões arrendado/ uma retroescavadeira estacionada ao lado”.

MENINO ARANHA

As mais diversas fontes inspiraram as canções de Vende-se. Porém nenhuma mais inusitada do que a de Fantasma (na qual ela conta com a voz exuberante de Isadora Melo). Jr. Black conta que dormia e acordou sentindo-se observado. Viu uma criança, acho que fosse o então badalado Menino Aranha. Maior do que o medo foi a curiosidade. O menino saiu andado pela casa, ele atrás. O garoto entrou no banheiro da área de serviço: “Olhei lá dentro e ele não estava. Corri pra mesa e escrevi a letra na hora”.
Sábado, às 17h, Jr. Black e banda se apresentam no projeto Ouvindo e Fazendo Música, do Santander, no Museu do Estado, e mostrará parte de do repertório de Vende-se

Embora seja um apanhado de canções confessionais, Jr.Black sabe vender seu peixe. Vende-se é um disco pop.  Reprogramado é daquelas músicas assoviáveis, feitas para tocar no rádio. Não deveria combinar com o estilo que se imaginava black tinha estabelecido em RGB. “Esta é onde eu digo: o curió estava trocando de penas”, diz ele. 
“Fantasma não tenho medo de ti/fantasma vem me abraçar/e dançar”, versos de Fantasma, a experiência mediúnica, ou transcendental do artista, que ganhou uma melodia que lembra canções de festival, que vai num crescendo para terminar numa laraialalaiarala: “Uma música que quase psicografada”, diz Black.

Ele é bom de melodia, ratifica isto em Cassandra, com Clayton Barros, e uma letra longa, uma reflexão sobre os mistérios das fêmeas, e o poder que delas amena: “Cassandra, teu olhar tem poder/e em tudo que toca ele inflama/e me pega e arrebata/ e me joga de cara nessa lama/e me queima nessa chama/feito lapada de cana”.
Um disco permeado pelo lúdico e pelo bom humor, apesar do fantasma, e da visão na otimista de Brasil em Arrendado, que tem dois protagonistas, que caminham pelo parque de diversões derrubadíssimo, e chegam numa farmácia, quando se escuta a voz de Black pedir um ansiolítico para o amigo, Zeroquatro.

Vende-se vai até de balada, caso de Mereço, que canta aquele momento em que se quer estar longe da zueira, e fugir para uma praia, divagação que todo mundo já fez, ou faz.  Cada um pode vestir a carapuça da letra, feito em Corrupto, que é um dedo apontado não para os megacorruptos das Lava Jato da vida, mas para as pequenas, aparentemente banais, corrupções que nos permitimos no dia a dia, de deixar de escovar os dentes: “Não chegue muito perto/hoje não há nada que preste/no meu coração”, isto numa balada à Elton John, pontua pelo teclado.

Caberia bem em RGB a faixa menino do corpo de velho, um samba, com levada à Jorge Ben (antes do Jor), mas com timbragens bem atuais, uma reflexão sobre a idade que vai pesando. o rock Cito Pede Labitur Aetas, também é sobre a inexorável marcha do tempo, a música que fecha o disco, que dura enxutos 34 minutos e seis segundos, incluindo ai a faixa escondida, que irrompe no, quando o distinto ouvinte já partia para recomeçar a ouvir o álbum.

 

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