Disco/Tendência

Regravar é uma tendência cada vez mais forte do mercado

Recorrer á obra de um único artista é o caminho das pedras

JOZE TELES
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JOZE TELES
Publicado em 05/11/2017 às 11:45
foto: Murilo Alvesso/Dilvulgação
Recorrer á obra de um único artista é o caminho das pedras - FOTO: foto: Murilo Alvesso/Dilvulgação
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O mais recente single da mato-grossense Vanessa da Mata é Impossível Acreditar que Perdi Você, um sucesso de 1971, composto por Márcio Greyck (parceria com Cobel, irmão dele). Além de cantora elogiada, Vanessa também é compositora e seus principais hits foram assinados por ela (só ou com parceiros). O maior deles, foi composto por ela e Liminha, Ai, Ai, Ai (de Essa Boneca Tem Manual, de 2004). Ao regravar uma balada romântica de 46 anos atrás, Vanessa está apenas aplicando as regras do mercado, repleto de álbuns de “alguém cantando alguém”.

 Um fenômeno facilmente explicável: música inédita tem pouquíssimo espaço, no rádio e TV, ainda os principais caminhos para o sucesso popular. O fenômeno não é restrito ao Brasil. Dee Dee Bridgewater, uma das maiores vozes atuais do jazz, lançou no mês passado, Memphis, yes I’m Ready. O repertório é de canções que frequentaram as paradas e têm laços afetivos com a cidade de Memphis, onde nasceu a cantora. É daqueles discos que não podem dar errado no palco. Dee Dee canta The Thrill is gone (B.B King), Hound Dog (conhecida com Elvis Presley), e Try a little tenderness (Otis Redding e Aretha Franklin).

 Joan Osborne, que nunca mais frequentou as paradas, foi ignorada em seu último disco de inéditas, Love & hate. Agora gravou Songs of Bob Dylan (com um EP bônus de músicas de Dylan ao vivo). Ângela Maria, aos 88 anos está nos palcos com o show do disco As canções de Roberto & Erasmo, no qual canta figurinhas carimbadas da imensa obra de Carlos & Carlos: Sua estupidez, Desabafo, O show já terminou. Mas nem Roberto Carlos, máquina de hits, é exceção no atual modelo do mercado da música.

 O Rei está sem disco de inéditas desde 2005, quando lançou mais um álbum na interminável série que tem seu nome por título. Mesmo assim, o disco, de nove canções, trouxe apenas três inéditas. Seu último sucesso com canção original é de 2014, Esse cara sou eu. Roberto pode se dar ao luxo de regravar a si mesmo. Suas visitas às paradas nos anos 2000 aconteceram com canções feito a então esquecida A volta, que ele compôs com Erasmo Carlos para Os Vips, em 1966. O citado álbum de 2005 é aberto por Amanhã, que fez com Erasmo Carlos para Wanderley Cardoso. Daria para um álbum com o título de Roberto Carlos canta Carlos & Carlos.

 ATÉ LULU

 Regravação de um único autor não é apenas uma onda, é um vagalhão que pegou até um hitmaker como Lulu Santos, que duas semanas atrás lançou Baby baby, uma incursão pela obra da mutante Rita Lee. Não por acaso, em 2014, Lulu Santos gravou o álbum de inéditas Luiz Maurício, que submergiu sem deixar hits. Aliás, Lulu é dono de um vasto acervo de grandes sucessos. Ele pode entrar no palco, ligar no automático, e cantar pelo menos duas dezenas de hits próprios. Mesmo assim, em 2013, ele dedicou um álbum inteiro à música de Roberto & Erasmo.

 Recorrer ao songbook de terceiros nem sempre termina em obras de tantos sucessos quanto Roberto Carlos ou Rita Lee. A cantora Silvia Machete rompeu um jejum de três anos sem disco, com o CD e DVD, Dussek veste Machete (Biscoito Fino), registro de show gravado no ano passado. Curioso é que Eduardo Dussek não é exatamente um autor de muitos sucessos. O cearense Belchior cuja obra foi descoberta pela geração abaixo dos 25, ganhou uma homenagem da conterrânea Amelinha. Sob a batuta do produtor paulista Thiago Marques Luiz, ela interpretou dez canções da lavra de Belchior, no álbum De primeira grandeza – As canções de Belchior (Deck), seu contemporâneo, com quem gravou (com Ednardo), em 2002, o tumultuado álbum Pessoal do Ceará.

 JAZZ

No jazz regravações são recorrentes, o The great american song book é um baú de incontáveis pérolas. Porém alguns discos são claramente influenciados pelo momento. É o caso de Nat King Cole and me, de Gregory Porter, um dos mais bem sucedidos intérpretes do gênero na atualidade. Porter gravou hits do cantor (falecido em 1965), até hoje popular entre os americanos, que não acrescenta nada às canções, nem a Porter.

 Naturalmente não se está apontando oportunismo em quem recorre às regravações, até porque boa parte é de discos de qualidade. Um bom exemplo é o ótimo Primavera nos dentes, um projeto de regravações dos Secos & Molhados, idealizado por Charles Gavin, acompanhado de nomes como o guitarrista Paulo Rafael e a cantora Duda Bracker.

MEMÓRIA AFETIVA

O paulista Thiago Marques Luiz assina a produção de três dos discos lançados este ano com regravações de um único autor, de Amelinha, Cauby Peixoto e Ângela Maria. Para ele é realmente uma tendência, porém entende que regravações não é para quem quer, mas para quem pode: “Muitos ainda preferem o disco autoral pra não pagar direitos (que são caríssimos), para se adequar a um padrão, há muito trabalho autoral. Agora, eu não consigo acreditar que um compositor consiga reunir 14 ou 15 musicas inéditas e autorais boas em um único disco, isso não existe. Nem Roberto Carlos ou Caetano Veloso faziam isso nos áureos tempos”.

 Sem rádio tocando, as regravações também não são campeãs de vendagem – nem é este o objetivo. O que se pretende é um repertório que seja atraente para as plateias, ou mesmo por apelo da memória afetiva. Foi o que fez Agnaldo Timóteo, cantor com sucessos suficientes para contentar quem comparecer a seu shows, afinal são 55 anos de carreira, e 80 de idade. Quando começou, ele cantava músicas de Cauby Peixoto, com quem mais tarde gravaria e dividiria palco.

 Em abril de 2017, Timóteo lançou Obrigado Cauby, mais uma produção do incansável Thiago Marques Luiz, que também se ocupa de novos intérpretes, sendo o primeiro produtor do Sudeste a atentar para os talentos de Ylana Queiroga e Ayrton Montarroyos, este último ainda um adolescente. Colocou os dois para cantar em tributos a Herivelto Martins, no centenário do compositor.

 O recifense João Fênix chegou a anunciar um disco com canções gravadas por Gal Costa, um repertório de todas suas fases, contadas a partir do disco Domingo, que ela dividiu com Caetano Veloso há 50 anos: “Este projeto foi adiado. Em 2018 gravo mais um CD de carreira como intérprete. Desta vez com metade de inéditas no álbum e as regravações sobre um approach diferente do De volta ao começo. Não faço um CD pensando se vai ser fácil ou difícil de trabalhar. Amaria que todo ele fosse trabalhado. Mas este não é o meu foco. Tenho algo a dizer ali (agora mais do que nunca). Se gravar canções que já foram gravadas por outros intérpretes ou pelos próprios compositores, é por achar que elas cabem dentro que atualmente quero ressaltar ou relembrar”, diz Fênix, que não arquivou definitivamente a homenagem à cantora baiana.

 Álbum de regravações de um único autor, além de um repertório palatável, pode ser estendido ao DVD, como aconteceu com o capixaba Silva, que depois do álbum Silva canta Marisa, uma circulada pela música da cantora Marisa Monte, lançou dois meses atrás Silva Canta Marisa – Ao Vivo, com 22 faixas que, por sua vez, se o cantor desejar, poderá virar outra turnê (ele não confirmou que fará).

 Não se deve confundir obviamente regravação de repertório canônico, como é o caso dos Beatles. Um dos pais da bossa nova, Roberto Menescal, que acaba de completar os 80 anos, lançou esta semana Bossa Nova Meets The Beatles, com participação de jovens guitarristas e o ex-The Police Andy Summers. Também entrada na faixa dos 80, a cantora Claudete Soares que, nos anos 50, foi a Princesinha do Baião, e nos anos 60 associou-se à bossa nova e à MPB, sob a batuta de Thiago Marques Luiz, lançou no dia 31 de outubro, Canções de amor, uma repassada na era do samba pra dor de cotovelo. Mas neste caso, não é seguir uma tendência. O disco é conceitual. Como se fosse a trilha do livro A noite do meu bem – A história e as histórias do samba-canção, best-seller do jornalista e memorialista Ruy Castro

 

O mais recente single da mato-grossense Vanessa da Mata é Impossível Acreditar que Perdi Você, um sucesso de 1971, composto por Márcio Greyck (parceria com Cobel, irmão dele). Além de cantora elogiada, Vanessa também é compositora e seus principais hits foram assinados por ela (só ou com parceiros). O maior deles, foi composto por ela e Liminha, Ai, Ai, Ai (de Essa Boneca Tem Manual, de 2004). Ao regravar uma balada romântica de 46 anos atrás, Vanessa está apenas aplicando as regras do mercado, repleto de álbuns de “alguém cantando alguém”.

 Um fenômeno facilmente explicável: música inédita tem pouquíssimo espaço, no rádio e TV, ainda os principais caminhos para o sucesso popular. O fenômeno não é restrito ao Brasil. Dee Dee Bridgewater, uma das maiores vozes atuais do jazz, lançou no mês passado, Memphis, yes I’m Ready. O repertório é de canções que frequentaram as paradas e têm laços afetivos com a cidade de Memphis, onde nasceu a cantora. É daqueles discos que não podem dar errado no palco. Dee Dee canta The Thrill is gone (B.B King), Hound Dog (conhecida com Elvis Presley), e Try a little tenderness (Otis Redding e Aretha Franklin).

 Joan Osborne, que nunca mais frequentou as paradas, foi ignorada em seu último disco de inéditas, Love & hate. Agora gravou Songs of Bob Dylan (com um EP bônus de músicas de Dylan ao vivo). Ângela Maria, aos 88 anos está nos palcos com o show do disco As canções de Roberto & Erasmo, no qual canta figurinhas carimbadas da imensa obra de Carlos & Carlos: Sua estupidez, Desabafo, O show já terminou. Mas nem Roberto Carlos, máquina de hits, é exceção no atual modelo do mercado da música.

 O Rei está sem disco de inéditas desde 2005, quando lançou mais um álbum na interminável série que tem seu nome por título. Mesmo assim, o disco, de nove canções, trouxe apenas três inéditas. Seu último sucesso com canção original é de 2014, Esse cara sou eu. Roberto pode se dar ao luxo de regravar a si mesmo. Suas visitas às paradas nos anos 2000 aconteceram com canções feito a então esquecida A volta, que ele compôs com Erasmo Carlos para Os Vips, em 1966. O citado álbum de 2005 é aberto por Amanhã, que fez com Erasmo Carlos para Wanderley Cardoso. Daria para um álbum com o título de Roberto Carlos canta Carlos & Carlos.

 ATÉ LULU

 Regravação de um único autor não é apenas uma onda, é um vagalhão que pegou até um hitmaker como Lulu Santos, que duas semanas atrás lançou Baby baby, uma incursão pela obra da mutante Rita Lee. Não por acaso, em 2014, Lulu Santos gravou o álbum de inéditas Luiz Maurício, que submergiu sem deixar hits. Aliás, Lulu é dono de um vasto acervo de grandes sucessos. Ele pode entrar no palco, ligar no automático, e cantar pelo menos duas dezenas de hits próprios. Mesmo assim, em 2013, ele dedicou um álbum inteiro à música de Roberto & Erasmo.

 Recorrer ao songbook de terceiros nem sempre termina em obras de tantos sucessos quanto Roberto Carlos ou Rita Lee. A cantora Silvia Machete rompeu um jejum de três anos sem disco, com o CD e DVD, Dussek veste Machete (Biscoito Fino), registro de show gravado no ano passado. Curioso é que Eduardo Dussek não é exatamente um autor de muitos sucessos. O cearense Belchior cuja obra foi descoberta pela geração abaixo dos 25, ganhou uma homenagem da conterrânea Amelinha. Sob a batuta do produtor paulista Thiago Marques Luiz, ela interpretou dez canções da lavra de Belchior, no álbum De primeira grandeza – As canções de Belchior (Deck), seu contemporâneo, com quem gravou (com Ednardo), em 2002, o tumultuado álbum Pessoal do Ceará.

 JAZZ No jazz regravações são recorrentes, o The great american song book é um baú de incontáveis pérolas. Porém alguns discos são claramente influenciados pelo momento. É o caso de Nat King Cole and me, de Gregory Porter, um dos mais bem sucedidos intérpretes do gênero na atualidade. Porter gravou hits do cantor (falecido em 1965), até hoje popular entre os americanos, que não acrescenta nada às canções, nem a Porter.

 Naturalmente não se está apontando oportunismo em quem recorre às regravações, até porque boa parte é de discos de qualidade. Um bom exemplo é o ótimo Primavera nos dentes, um projeto de regravações dos Secos & Molhados, idealizado por Charles Gavin, acompanhado de nomes como o guitarrista Paulo Rafael e a cantora Duda Bracker.

MEMÓRIA AFETIVA

O paulista Thiago Marques Luiz assina a produção de três dos discos lançados este ano com regravações de um único autor, de Amelinha, Cauby Peixoto e Ângela Maria. Para ele é realmente uma tendência, porém entende que regravações não é para quem quer, mas para quem pode: “Muitos ainda preferem o disco autoral pra não pagar direitos (que são caríssimos), para se adequar a um padrão, há muito trabalho autoral. Agora, eu não consigo acreditar que um compositor consiga reunir 14 ou 15 musicas inéditas e autorais boas em um único disco, isso não existe. Nem Roberto Carlos ou Caetano Veloso faziam isso nos áureos tempos”.

 Sem rádio tocando, as regravações também não são campeãs de vendagem – nem é este o objetivo. O que se pretende é um repertório que seja atraente para as plateias, ou mesmo por apelo da memória afetiva. Foi o que fez Agnaldo Timóteo, cantor com sucessos suficientes para contentar quem comparecer a seu shows, afinal são 55 anos de carreira, e 80 de idade. Quando começou, ele cantava músicas de Cauby Peixoto, com quem mais tarde gravaria e dividiria palco.

 Em abril de 2017, Timóteo lançou Obrigado Cauby, mais uma produção do incansável Thiago Marques Luiz, que também se ocupa de novos intérpretes, sendo o primeiro produtor do Sudeste a atentar para os talentos de Ylana Queiroga e Ayrton Montarroyos, este último ainda um adolescente. Colocou os dois para cantar em tributos a Herivelto Martins, no centenário do compositor.

 O recifense João Fênix chegou a anunciar um disco com canções gravadas por Gal Costa, um repertório de todas suas fases, contadas a partir do disco Domingo, que ela dividiu com Caetano Veloso há 50 anos: “Este projeto foi adiado. Em 2018 gravo mais um CD de carreira como intérprete. Desta vez com metade de inéditas no álbum e as regravações sobre um approach diferente do De volta ao começo. Não faço um CD pensando se vai ser fácil ou difícil de trabalhar. Amaria que todo ele fosse trabalhado. Mas este não é o meu foco. Tenho algo a dizer ali (agora mais do que nunca). Se gravar canções que já foram gravadas por outros intérpretes ou pelos próprios compositores, é por achar que elas cabem dentro que atualmente quero ressaltar ou relembrar”, diz Fênix, que não arquivou definitivamente a homenagem à cantora baiana.

 Álbum de regravações de um único autor, além de um repertório palatável, pode ser estendido ao DVD, como aconteceu com o capixaba Silva, que depois do álbum Silva canta Marisa, uma circulada pela música da cantora Marisa Monte, lançou dois meses atrás Silva Canta Marisa – Ao Vivo, com 22 faixas que, por sua vez, se o cantor desejar, poderá virar outra turnê (ele não confirmou que fará).

 Não se deve confundir obviamente regravação de repertório canônico, como é o caso dos Beatles. Um dos pais da bossa nova, Roberto Menescal, que acaba de completar os 80 anos, lançou esta semana Bossa Nova Meets The Beatles, com participação de jovens guitarristas e o ex-The Police Andy Summers. Também entrada na faixa dos 80, a cantora Claudete Soares que, nos anos 50, foi a Princesinha do Baião, e nos anos 60 associou-se à bossa nova e à MPB, sob a batuta de Thiago Marques Luiz, lançou no dia 31 de outubro, Canções de amor, uma repassada na era do samba pra dor de cotovelo. Mas neste caso, não é seguir uma tendência. O disco é conceitual. Como se fosse a trilha do livro A noite do meu bem – A história e as histórias do samba-canção, best-seller do jornalista e memorialista Ruy Castro

 

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