Lançamento

O mundo gira no novo disco da Eddie

Mundo Engano, sétimo do grupo, evidencia como o frevo tem a mesma energia do punk rock

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 24/02/2018 às 19:56
Beto Figueiroa / Divulgação
Mundo Engano, sétimo do grupo, evidencia como o frevo tem a mesma energia do punk rock - FOTO: Beto Figueiroa / Divulgação
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Rodamos alucinados, marcham os maracatus, ferve-se o frevo rasgado, suando cachaça e caju. Roda a ciranda e a paisagem, giramos a eternidade (...): os versos da canção Girando o Mundo sintetizam, em cortes cinematográficos, a vivência de um casal no útero da folia, a embriaguez sinestésica da felicidade de um Carnaval olindense. Na quarta faixa de Mundo Engano, o recém-lançado disco, a banda Eddie confirma que o frevo, sem demagogia ou panfletarismo, nostalgia ou patriotada ingênua, é um dos motos-contínuos da musicalidade sem barreiras da banda.

"O frevo sempre teve essa energia do punk rock. Tem até uma comparação ideológica: é uma música libertária, de consumo amplo, mas feita também pelo proletariado”, diz Fábio Trummer, vocalista, guitarrista, compositor e frontman da mais olindense das bandas do pop contemporâneo brasileiro, com quase 30 anos de estrada, hoje formada, depois de alguns recomposições, por Alexandre Urêa (Percussão & Voz), Andret Oliveira (Trompetes, Teclados & Samplers), Rob Meira (Baixo) e Kiko Meira ( Bateria). Mundo Engano é o sétimo álbum.

“A cultura não é homogênea, é o que escrevemos em Girando o Mundo. Não é o universo estéril. Temos a intenção de fazer música popular, mas com outra simbologia, com nossa identidade”, diz Trummer, confirmando como o frevo, reprocessado pelo contemporâneo inevitável, se junta a elementos do punk, do rock mais classicão dos riffs, da gafieira sincopada de Erasto Vasconcelos, de uma bossa samba surfe, solar, dançante e reflexiva, para metabolizar o caldeirão sonoro da Eddie.

Disco de maturidade, Mundo Engano confirma a quebra, sem perda de referência, do cordão umbilical da banda com suas matrizes sonoras. “Me realizei profissionalmente porque hoje temos controle sobre nossa música. Nossos ídolos estão presentes, mas não como ditadores, como homenageados. Muito pequeno, eu dizia; ‘Quero fazer música como Caetano e Gil’, mas eu não queria fazer a música deles, queria ter uma música própria como a deles”, diz Trummer, confirmando como, sim, a Eddie quer ter uma sonoridade eclética, o menos cabível possível numa só etiqueta.

“Nossas primeiras escolas são estrangeiras, o punk, o pós-punk, a surf music”, lembra ele que, neste disco, reafirma o ponto de virada de Original Olinda Style, o disco de 2003 que selou o romance da Eddie com a brasilidade ao redor. Ali, o punk lambeu o samba, sorveu o frevo e deu origem a uma musicalidade que, desde então, pode ser resumida, como um manifesto involuntário, pelo próprio título do álbum: Original Olinda Style. “Ali, a gente descobriu essa migração, é um disco em que o punk rock casa com a brasilidade. Antes, ela entrava só nos shows, não no CD. Incorporamos o Brasil e a psicodelia dos shows”, ele diz. “A gente, naquele álbum, foi muito feliz em apontar para vários lados. Saindo de um lado e indo para o outro, completamente oposto”.
Ainda que não explicitado em acordes, o frevo, para ficar no mesmo exemplo, empresta sua musculatura à maioria das canções de Mundo Engano. Seja na marcação de metais, seja na percussão de marcha sincopada e, mais claramente, na mudança de andamento nos compassos: canções, quase sempre, em duas texturas.

SAMBA TORTO

Na faixa Iemanjá, a Eddie musica, num samba torto, violão de sete cordas, o poema cru e ao avesso de Marcelino Freire sobre o desequilíbrio dos mares com dejetos-oferendas para a mais popular entidade do candomblé no Brasil. Mas o grosso de Mundo Engano caminha poético por um universo ensolarado de ladeiras festivas e de uma sensualidade litorânea espontânea como palha de coqueiro. Um disco de baile. “A nossa pista de dança não é a dos DJs. Conversamos muito sobre isso, e dedicamos meio álbum a músicas dançantes”

Se no disco anterior a Eddie queria a experiência de uma produção consigo, realizada durante 30 dias de imersão num estúdio de Olinda, este disco foi feito com tempo e maturação. Para a produção, a banda convidou Pupillo Menezes, da Nação Zumbi, responsável por discos recentes de estrelas como Marisa Monte e Gal Costa. “Pupillo é um dos meus músicos prediletos, e um amigo que conhece muito bem nossa obra e nossas pessoas. Musicalmente, é uma obra muito diferente, eclética. E Pupillo é dos músicos que praticam essa musicalidade mais complexa e, além de tudo, um grande compositor”, diz Trummer que tinha tido a primeira experiência profissional com o amigo quando trabalharam, juntos, na trilha sonora do longa-metragem Jardim Atlântico, do diretor Jura Capela.

“Ele é um cara muito atarefado, sabia que seria um processo mais lento, mas, em compensação, teríamos mais tempo para fazer os acabamentos de cada melodia, de cada percussão ou voz”, diz ele, lembrando, por exemplo, como Pupillo mudou completamente os arranjos da faixa Mar de Fora.

“Eu tinha pensado num arranjo com banda, mas acabou ficando bem minimalista”, conta Trummer, sobre a sugestão de Pupillo de trazer para a canção apenas o acompanhamento do violão de Martin Mendonça, violonista da cantora Pitty. “Eu tenho meu violão, minha levada. Mas queria mesmo essa levada diferente, numa estética parecida. Com o tempo, a gente tende a se repetir, e Pupillo fez algo diferente, respeitando nossa identidade. Trouxe pra gente uma Eddie que a gente tinha na gente”.

Disponível para audição nas plataformas digitais, Mundo Engano tem download pago. “É uma forma de ter um público mais consciente do processo produtivo da música”, diz Trumer, que segue com uma campanha de financiamento coletivo para bancar os custos de pós-produção (disponível pelo https://www.kickante.com.br/campanhas/novo-disco-da-banda-eddie-mundo-engano).
Entre as participações especiais, o disco conta com nomes como a Orquestra de Frevo Henrique Dias, Jorge Du Peixe, Tiné e Ganga Barreto, nos backing vocal, e Guri Assis Brasil. O baile da Eddie segue, enfim, de pista cheia.

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