Entrevista

Fito Paez: o superstar argentino, que o Brasil ainda ignora

Ele é recordista em vendas de discos do seu país

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 04/03/2018 às 7:39
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Ele é recordista em vendas de discos do seu país - FOTO: foto: divulgação
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Até meados dos anos 60, a música cantada em espanhol era bem aceita e consumida no Brasil. Era comum o original figurar nas paradas com sua versão em português. O tropicalismo, no entanto, ao mesmo tempo que adotava o bolerão, a rumba, o tango, considerados cafonas, tinha letras e melodias tão sofisticadas que fez com que a música dos países hispânicos fosse cada vez menos consumida ou regravada no Brasil.

 Uma regra que só teve exceção, nos anos 1970, quando o continente esta sitiado por ditaduras militares, e a MPB se aproximou dos “los hermanos” e sua canção de protesto. Passada esta página mais infeliz da história da América Latina, os brasileiros continuam ignorando solenemente a música da América que fala castelhano. O melhor exemplo disto é Fito Paez, cujo álbum El Amor Después del Amor mantém há anos o recorde de o mais vendido na história da Argentina, onde ele é um dos maiores, senão o maior, ídolos da música popular.

Sua gravadora, a Sony Music, já empreendeu várias tentativas para que emplacasse no Brasil, mas ele continua um ilustre desconhecido. “Deve ser porque o Brasil tem uma grande produção de música própria, deve se pensar que todos os países latino-americanos têm uma relação muito dispersa. Não acho que é só um problema com o Brasil, mas de toda América Latina. Porém, muitos artistas brasileiros fizeram coisas para se aproximarem do resto da América, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, então acho que na música popular, argentinos e brasileiros têm tentado se juntar ao resto da música latino-americana”, analisa Fito Paez, em entrevista por telefone, de Buenos Aires, onde mora.

 Ele está divulgando o seu 23º álbum de estúdio, La Ciudad liberada, com um extenso e diversificado repertório de 18 faixas. Não por acaso, o disco recebeu resenhas em praticamente todos os países latino-americanos e nos EUA, mas muito pouco no Brasil:

 “Na Argentina, está com muitas boas criticas. Estamos começando uma turnê que vai rodar por toda a América: Chile, Uruguai, Estados Unidos, Equador, Peru, Colômbia, Brasil. Vai terminar no final do ano na Argentina. A ideia é chegar no Nordeste do Brasil. Toco em Porto Alegre, São Paulo, no Rio, Belo Horizonte, falta conhecer outras cidades do país”, diz Paez, que garante ter interesse em conhecer a música nordestina dos próprios artistas que a fazem: “Conheço a música nordestina na música de Caetano Veloso ou Gilberto Gil, queria conhecer artistas originais”, explica, citando Luiz Gonzaga, entre os poucos que conhece entre os nordestinos.

 A MOÇA DA CAPA

La Ciudad Liberada ratifica a versatilidade de Fito Paez não apenas de trabalhar com os mais diversos da música pop, mas também de temas. Com 55 anos de idade, 34 de carreira (a contar do álbum solo Del 63, de 1984), Paez polemizou durante a ditadura militar, esbravejou no regime democrático, e continua se colocando no centro de discussões, com a metralhadora disparando para muitos alvos, agora que o combate está dispersos em nichos.

 O novo álbum, quase todo de canções radiofônicas, suscitou polêmica pela capa, que estampa uma montagem com o rosto do cantor, maquiado acoplado a um corpo de mulher, que oculta os seios com os braços. Fotos de divulgação mostram Fito Paez de batom. “Foi engraçado, porque queríamos fazer uma coisa divertida, meu rosto num torso de uma mulher, tem a ver com o feminino, com os trans”, comenta. Especula-se que o corpo seja da bela María Eugenia Martínez, que se relaciona com tem uns dois anos. O disco também aborda esta temática, a partir da canção de abertura, Aleluya al sol, sobre a violência de gênero.

  Mas não se imagine um álbum centrado em temas politicamente corretos. Fito Paez discorre sobre muitos assuntos, num dos seus discos mais leves. Todas as 18 canções foram compostas para este álbum – segundo ele a mais antiga tem um ano e meio. Foram gravadas no estúdio ao vivo, muitas no primeiro take, com alguns overdubs (gravações superpostas depois). O álbum, como ele comentou, foi quase unanimidade na crítica. Fito Paez também colaborou.

Arredio a entrevistas, depois de anos conversou com jornalistas, não apenas argentinos. Nas mídias sociais, instigados pela controvérsia da capa, ele se tornou um dos assuntos mais abordados (lembrando o que aconteceu no Brasil com Caravanas, de Chico Buarque, que despertou atenção primeiramente por causa da canção lançada como single). Mas dificilmente La Ciudad Liberada baterá em vendas e execução o campeão El Amor Después Del Amor.

 De 22 anos atrás, o disco que mais vendeu na Argentina foi lançado no apogeu das gravadoras, numa conjuntura econômica favorável, continua imbatível, embora ele toque muito pouco hoje no país, cujas paradas são dominadas pela música de grande apelo popular e pouco refinamento. “Não queria o mesmo sucesso. Ah, não. Queria sim, mas não sei se vai ser. Mas, claro, queria. Porém, para mim, o maior sucesso são os filhos (tem dois). Depois disto, a carreira pode subir, cair, não tem problemas”, comenta.

 Curioso em Fito Paez é não se notar em sua música a influência da MPB, exaustivamente tocada no seu país nos anos 70 e 80. A dupla Toquinho e Vinicius se apresentavam para os argentinos tanto quando para os brasileiros: “Conheci a Bossa-nova no final dos anos 1960, meu pai tinha todos discos de Tom Jobim e Chico Buarque. Um disco marcante foi um com Vinicius de Moraes, com Maria Creusa e Toquinho, gravado ao vivo no La Fusa (em Mar del Plata), que foi uma grande sucesso na Argentina. Na minha casa se escutava ópera, Giuseppe Verdi, mas meu pai também era também fã de João Gilberto”, lembra.

 Os muitos discos de Fito Paez lançados no Brasil, por mais bem divulgados, esbarraram na barreira do idioma. Um disco que gravou com Paulinho Moska, Loucura Total, com boa cotação na imprensa, passou em branco, aqui e na Argentina: “Até fizemos um concerto para a imprensa em Buenos Aires, mas não tocou. Na verdade, foi mais uma ideia da Sony Brasil”, diz Paez.

 POLÍTICA

 Surgido nos anos 1970, em Rosário, numa onda musical badalada no país, Fito Paez começou a aparecer quando tocou com Charly Garcia, outro nome de sucesso popular e prestígio na Argentina igualmente um ilustre desconhecido no Brasil. Tocou também com uma lenda do rock argentino, Luiz Alberto Spinetta (falecido em 2012). Seu sucesso na carreira solo foi imediato. Aceito até por artistas mais aproximados da música tradicional, feito Mercedes Sosa, que gravou dele Vengo a Ofrecer Mi Corazón (do álbum Giros), que virou uma espécie de hino político. Hoje outra geração ocupa as paradas argentinas, e a política não é o seu tema preferido. “Hoje eu moro no mundo, então nem tenho uma opinião sobre os novos músicos, mas ainda há muita política na música. Acho que no Brasil também. Caetano sempre termina de uma maneira ou outra na política, com um gesto, com uma opinião, com uma música. Na Argentina sei que acontece mais com os artistas mais velhos, nó temos um vínculo profundo com a política”.

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