Disco/forró

Camarão tem coletânea lançada por gravadora da Alemanha

Sanfoneiro ganha uma edição refinada, com disco e libreto

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 10/03/2018 às 8:22
foto: acervo da família
Sanfoneiro ganha uma edição refinada, com disco e libreto - FOTO: foto: acervo da família
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Provavelmente, o chapéu de cangaceiro usado pelo sanfoneiro Camarão, na capa do seu primeiro LP Lá Vai Brasa (Mocambo/Rozenblit, 1964) inspirou o título da coletânea do músico, lançada na Alemanha pelo selo Analog Africa. Chama-se The Imaginary Soundtrack to a Brazilian Western Movie, ou seja, “A trilha imaginária de um filme de faroeste brasileiro”. Acrescente-se ao título o período em que foram gravadas as músicas do repertório, 1964-1974.

 Chama atenção o esmero com que foi produzida esta edição, limitada a mil cópias, em CD e vinil, acompanhada por um libreto com 24 páginas, um belo texto, e raras fotos de Reginaldo Alves Ferreira, pernambucano de Brejo da Madre de Deus, falecido com 74 anos, em 2015. Em vida, ele nunca teve um disco feito com tanto esmero.

 A descoberta de mestre Camarão pelos produtores alemães ocorreu por acaso. Eles visitavam o Maranhão quando se depararam com discos do sanfoneiro. O talento do músico os trouxe ao Recife, onde fizeram uma imersão no forró, e entraram em contrato com o também sanfoneiro Salatiel D’Camarão, continuador e curador da obra do pai: “Este disco é fruto de um processo de cinco anos atrás. Eles estiveram aqui e se empolgaram com o forró. Foram apresentados à música do meu pai por um rapaz de São Luís, que tocou para eles discos gravados na década de 60”, explica Salatiel.

 Um golpe de sorte, já que as três dezenas de álbuns lançados por Camarão, da era do vinil ao CD, estão fora de catálogo. O Lá Vai Brasa, inacessível há, pelo menos 50 anos. Metódicos, os alemães despacharam um pesquisador para o Recife. Seu trabalho começou entrevistando Camarão e o filho Salatiel: “Neste tempo, minha memória estava melhor do que a de meu pai. Expliquei a ele disco por disco, comentei estilos musicais, falei sobre cada compositor. Além de filho, eu fui produtor do meu pai durante dez anos”, ressalta Salatiel D’Camarão.

 Além de contar a história do sanfoneiro, Salatiel disponibilizou sua trajetória, no precioso e rico acervo fotográfico, que lhe traça a carreira desde o início, na Rádio Difusora de Caruaru. Veio daí o material do libreto, esclarecedor que aborda não apenas Camarão, mas o próprio forró: “Esta gravadora não lança simplesmente o disco de alguém, só a obra. Procura também explicar o conceito, o que o artista representa para aquele gênero que toca”, comenta Salatiel. Neste resgate, infelizmente só no exterior, de um dos mais importantes instrumentistas da música nordestina, o mais dificultoso foi a liberação dos direitos de uso dos fonogramas: “A maioria do acervo da Rozenblit não está com a Polydisc, e ele gravou por muitas gravadoras. Com estas mudanças de selo, muitos discos foram perdidos”.

 REPERTÓRIO

 Explica, mas não justifica que mestre Camarão seja ignorado nos livros, a maioria feito no Sudeste, sobre MPB. No bem documentado Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), não consta o nome de Camarão entre os que gravaram Retrato de um Forró (Luiz Gonzaga/Luiz Ramalho), baião que abre o repertório de The Imaginary Soundtrack to a Brazilian Western Movie, e única  faixa cantada do álbum.

 Parte das 16 faixas do disco foi pinçada de discos de A Bandinha do Camarão, inovador tratamento orquestral dado não apenas ao forró, mas também a outros ritmos. Sereia do Mar (Aguiar Filho) lançada por Gerson Filho, é um primor, com uma tuba endiabrada, e a sanfona costurando a melodia. O álbum é até didático, por trafegar pela mais diversas nuances do coletivo forró, baiões sob o qual se abrigam, entre outros, xotes, xenhenhém (grafado Xeem), arrasta-pés, xaxados, e até samba – Você Passa Eu Acho Graça, de Ataulfo Alves e Carlos Imperial – em roupagem de samba de latada, ou marcha junina.

 Porém, dificilmente terá uma edição nacional, a não ser que consista apenas no CD, sem o libreto. Salatiel D’Camarão revela que os alemães quiseram lançar o disco na recente edição do Porto Digital: “Segundo soube, não houve interesse. Eles virão ao Brasil no final do ano para fazer um lançamento no Recife. Pretendem que aconteça no dia 13 de dezembro, data de nascimento de Luiz Gonzaga e Dia do Forró”.

 Interessados no álbum Camarão – The Imaginary Soundtrack to a Brazilian Western Movie, o link do site da gravadora: analogafrica.bandcamp.com

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