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Tropicália 50

É proibido proibir foi a declaração de guerra do tropicalismo

De pichação francesa a um momento histórico da MPB

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 13/05/2018 às 10:23
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De pichação francesa a um momento histórico da MPB - FOTO: foto: reprodução
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Durante a revolução estudantil de maio de 1968, na França, entre os vários grafites pichados nos muros de Paris que se espalharam mundo afora, um dos mais populares decretava: “Il est interdit d’interdire”, ou “É proibido proibir”. Logo a frase passou a ser utilizada na imprensa brasileira, e na publicidade. O produtor e empresário da maioria dos artistas do grupo tropicalista, Guilherme Araújo, sugeriu a Caetano Veloso compor uma canção tendo a frase como mote. O compositor resistiu em atender a sugestão, mas acabou vencido pela insistência de Araújo:

“Fiz rapidamente uma breve marchinha ternária com uma série de imagens de sabor anarquista e usei a frase singelamente paradoxal como refrão. Mostrei-a a Guilherme (que disse achar tudo divino, maravilhoso) e me desobriguei em relação à canção”, contou Caetano Veloso, em Verdade Tropical, seu livro de memórias. A canção foi inscrita no III Festival Internacional da Canção (FIC) promovido pela TV Globo, no Rio. O irrequieto Guilherme Araújo, a mola propulsora do tropicalismo, queria todos seus contratados inscritos nos grandes festivais daquele ano, Gal Costa, Tom Zé, Mutantes, Jorge Ben, Gilberto Gil, Caetano Veloso, que, mais uma vez, resistiu e, mais uma vez, aquiesceu, pela obstinação do empresário. Porém, advertiu, usaria a
canção como base para um happening.

“... Quando chegou o festival, a frase já estava velha, devido à própria divulgação que teve. Então eu quis revitalizá-la com um arranjo diferente de Rogério Duprat, e uma apresentação happening”, comentou Caetano Veloso, depois da apresentação de É proibido Proibir. O que aconteceu no Tuca foi o auge e o começo do fim da Tropicália que, finalmente se assumira como movimento. Inclusive adotando o nome, que circulava pela imprensa, sem que os “tropicalistas” tivessem nada a ver com ele. Se fosse apresentada sem provocações, feito aconteceu com Alegria Alegria, em 1967, no festival da TV Record, É proibido Proibir certamente seria mais facilmente assimilada, e esquecida, como a pichação francesa que a inspirou. Ambas, a frase e a música, eram circunstanciais. Assim, Caetano seria poupado de proferir o histórico esculacho na plateia do Tuca (Teatro da Universidade Católica, de São Paulo).

DEUS ESTÁ SOLTO

O público provavelmente não teria se incomodando tanto com a canção em si, as roupas futuristas, a gesticulação histriônica de Caetano Veloso ou com o som agressivo das guitarras dos Mutantes. O que lhe desencadeou a ira foi a ruidosa participação de John Dandurand, um músico americano, que transformou o que era até então perplexidade em reação violenta do público (leia entrevista com John Dandurand). Com quase dois metros de altura, uma capa preta, Dandurand, como se surgisse do nada, adentrou o palco, pulando, emitindo berros lancinantes (enquanto Caetano bradava “Deus está solto”). Os apupos da plateia,
comum nos festivais quando uma música não agradava, passaram a confronto aberto.

Das vaias a agressão ao cantor, aos Mutantes e ao americano, atirando-lhes o lhe viesse às mãos, ovos, tomates. A plateia participou, assim, do happening pretendido por Caetano Veloso, que culminou com o célebre discurso, iniciado com um questionamento: “Mas é esta a juventude que quer tomar o poder?”. Sobre John Dandurand, que os jornais diziam ser alemão (e para muitos um travesti), Caetano comentou numa coletiva que concedeu em São Paulo sobre sua desistência de continuar defendendo sua música no festival: “... Sua presença no palco não foi apelação, como disseram uns, mas parte essencial da encenação da música”.

É proibido proibir, apesar das vaias e do tumulto, foi classificada, mas o cantor pediu, no palco, sua própria desclassificação. “Eu aguentaria todas as vaias, todas as manifestações contra mim. Só disse aquilo porque tinha de dizê-lo. Eu fui lá pra isso”, confessou, na entrevista. Insinuação de que teria trazido o discurso no bolso?

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