A banda virtual Gorillaz é recordista em longevidade no gênero. Em 2018 completa 20 anos e lança o sexto álbum, To Now Now. Ao contrário do anterior, Humanz (2017), recheado de convidados ilustres, este disco tem apenas três participações especiais: o guitarrista George Benson, em Humility, faixa inicial, o rapper Snoop Dog e Jamie Principle (um dos pioneiros da house music), este dois últimos no funk Hollywood. A rigor, To Now Now é um álbum de Damon Albarn, com os desenhos e animações de Jamie Hewlett. A produção é de James Ford, que produziu o recente Tranquility Base Hotel & Casino, do Arctic Monkeys.
Fosse oficialmente um álbum solo de Albarn, To Now Now seria passível de críticas negativas, pela falta de unidade do repertório, que não tem um fio condutor. É uma salada de climas e estilos, indo do pop melancólico de Idaho, apresentada em palco desde o início do ano passado, ao citado mezzo funk mezzo triphop Hollywood, cujo refrão remete ao hit de Joe Bataan, Rap-O Clap-O, de 1979, quando o rap estava começando a pegar nos EUA. Porém, sendo um disco de uma banda que não existe na vida real, é um dos melhores do Gorillaz, exatamente por ser uma coleção de composições de Damon Albarn, inquestionavelmente um dos mais inspirados autores do britpop.
Por não ser oficialmente um disco dele, Albarn tem a liberdade de gravar o que bem entende, até penetrar na seara de David Bowie, em Kansas, que poderia ser tomada como uma canção escrita por Bowie, inclusive no arranjo. Ou cantar um baladão que, com um pouco mais de açúcar, poderia estar num disco do A-ha. Uma banda de personagens de desenho animado pode incursionar por onde bem entender. 2-D, Murdoc, Noodle, Russel, os imaginários integrantes do Gorilazz, são mais necessários agora do que em 1998, quando foram criados.
Damon Albarn ainda desfrutava de muito sucesso com a Blur, porém o incomodava a enxurrada de ídolos de música superficial, e descartável, que cada vez mais ganhavam exposição na MTV. Se não tem tu, vai tu, e ele imaginou o grupo virtual com ajuda do amigo de longas datas Jamie Hewlett, de cuja cabeça saiu a figura dos personagens. Paradoxalmente, a MTV foi uma das principais responsáveis por catapultar o Gorillaz à fama. Tanta, aliás, que vendeu muito mais discos, e fez muito mais sucesso do que a badalada Blur. Ganhou até o Britward de Melhor Banda da Inglaterra. Para um grupo que começou como uma brincadeira, poucos são tão bem sucedidos quanto a Gorillaz.
Ao jornal The Times, numa entrevista da semana passada, Albarn contou que nos anos 90, embora famoso na Inglaterra, entrava num bar nos Estados Unidos e ninguém o conhecia, nem tinha escutado falar no Blur. Mas se cantarolasse o trecho inicial de Song 2, um dos grandes hits da Gorillaz, logo alguém pagava uma bebida pra ele. Não foi fácil, ele admite, resignado. Enquanto era elogiado pelas canções da Blur, via que o seugrupo que não existia vendia cinco milhões de álbuns nos Estados Unidos. Além do que a Gorillaz foi pensada como divertimento para adolescentes, mas, agora, Damon Albarn chega ao meio século de vida. o que importa pouco para 2D, seu alter ego virtual.
DISCO
To Now Now é para todos os efeitos um disco solo de um integrante do Gorillaz, o citado 2D. E um bom disco, levando-se em conta que o repertório foi amarrado às pressas, a fim de que pudesse ser lançado a tempo de tocá-lo nos festivais do verão europeu (e dos EUA). Como já aconteceu com bandas virtuais no passado, o grupo teve que se materializar para atender às muitas demandas de shows. O grupo é convidado para quase todo festival de verão da Europa e EUA. Não tem o pop esfuziante e brilhante dos primeiros discos, mas tampouco é insosso feito Humanz, do ano passado, com tanto convidado que os integrantes do Gorillaz quase são participações especiais em seu próprio álbum.
Com 11 faixas e 40 minutos de duração, To Now Now tem pelo menos metade de boa música. Humility é um funk à anos 80, de bateria eletrônica, com a inconfundível guitarra de George Benson. A faixa seguinte, Tranz, volta uma década no tempo, é um tecnopop, uma das faixas de destaque do repertório. Dê-se crédito ao produtor, num disco em que cada faixa tem uma sonoridade diferente. Idaho é uma balada inspirada, melancólica, que merecia ser guardada para um projeto de integrantes de carne e osso.
OUTROS
Um dos grandes sucessos do pop de início de 1960 foi Alley-Oop (Brucutu, na versão brasileira gravada por Roberto Carlos, em 1964), do grupo The Hollywood Argyles, banda que não existia. A canção foi composta por dois produtores, Gary S. Paxton e Tom Fowley. Como os dois tinham contratos com estúdios diferentes, gravaram a música e criaram o nome do grupo. “ Hollywood” porque gravaram num estúdio em Hollywood Palladium e o “Argyle” veio da Argyle Street, que cruza o Hollywood Boulevard.
Segundo Fowley, que produziu o “grupo”, os músicos que gravaram Alley-Oop estavam meio bêbados (ganharam US$ 25 pela sessão). Na vida real, o Hollywood Argyles eram Ronnie Silico (bateria), Gaynel Hodge (piano), Harper Cosby (baixo) e Sandy Nelson (do hit Teen Beat Fame), na percussão, pandeiro e lata de lixo (sic). Alley-Oop estourou numa rádio de Chicago, espalhou-se pelos EUA. O compacto do Hollywood Argyles vendeu mais de 1 milhão de cópias.
Um ano antes Chipmunks, também inexistente na vida real, emplacou o milhão de disquinhos de Chipmunk’s Song. O grupo foi ideia de um cara chamado Ross Bagdasarian, que usou efeitos na voz para soar como a de um animalzinho. Aliás, três deles, Alvin, o líder, Simon e Theodore. Alvin and the Chipmunks, como se diria hoje, viralizaram. Em 1959, foi uma das músicas mais tocadas mundo afora. Os Chipmunks chegaram até os anos 80, viraram filmes mas, felizmente, não fizeram mais sucesso.
Assim como a Gorillaz, The Archies saiu de um desenho animado. O grupo é formado por Archie Andrews, Reggie Mantle, Jughead Jones, Veronica Lodge, e Betty Cooper. A bandinha de garagem virtual, surgida há 50 anos, emplacou o primeiro megahit de um subgênero chamado bubblegum, com Sugar, Sugar ( Jeff Barry/Andy Kim). A canção foi gravada por experientes e talentosos músicos de estúdio, entre eles Don Kirshner (produtor e empresário dos Monkees e do Kansas, entre outros grupo de verdade, e descobridor de Carole King e Neil Diamond). O vocal em Sugar, Sugar é de Ron Dante, que cantava num grupo de paródias The Detergents.
Sugar, Sugar foi um dos maiores sucesso de 1969, no mundo inteiro (no Brasil tanto com os Archies, quanto com os Fevers, com o título de Açúcar). Curioso é que Ron Dante na mesma época cantava com outro grupo inventado, o Cuff Links. Ou seja, estava nos primeiros lugares em vários países do mundo sem que seu nome verdadeiro aparecesse.
Os Archies emplacaram mais um grande sucesso com Jingle Jangle, os vocais, creditados a Betty e Veronica, são Ron Dante cantando em falsete. Com sucesso menor, outro grupo de cartum, Josy and the Pussycats ensaiou um vôo para paradas. Foram lançados dois álbuns da banda virtual, mas o sucesso ficou mais limitado ao desenho animado.