Disco

Diana Krall e Tony Bennett revisitam a música de Gershwin

Pela primeira vez os dois gravam um disco inteiro juntos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 19/09/2018 às 11:24
Foto: Mark Selige/Divulgação
Pela primeira vez os dois gravam um disco inteiro juntos - FOTO: Foto: Mark Selige/Divulgação
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1949, Fascinating Rhythm, de George e Ira Gershwin, foi gravada por Joe Bari, um cantor iniciante, cujo nome de batismo era Anthony Dominick Benedetto, filho de imigrantes italianos, da Calábria. O Bari veio de um vilarejo calabrês. Em 2018, Tony Bennett (nome artístico que passou a usar em 1951) voltou a gravar Fascinating Rhythm, em dueto com a cantora e pianista canadense Diana Krall, o que lhe valeu a entrada no Guinness, o livro dos recordes.

O certificado foi conferido pelo maior espaço de tempo (69 anos) entre a primeira e segunda gravações de uma canção pelo mesmo artista. Tony Bennett estava com 23 anos em 1949. Fez 92 em 3 de agosto de 2018.
Fascinating Rhythm é uma das faixas do álbum Love Is Here to Stay, que Bennet e Diana Krall gravaram acompanhados pelo trio de Bill Charlap, com produção de Charlap e Dae Bennett (seu filho). São 36 minutos e uma dúzia de composições. Não é simplesmente um disco de uma cantora referencial no jazz contemporâneo e de um dos últimos dos grandes vocalistas de jazz, no ocaso da carreira.

As interpretações de Diana Krall, como sempre, são irrepreensíveis, as de Tony Bennett surpreendentes. Ele perdeu pouco do privilegiado dom vocal, que levou Frank Sinatra a considerá-lo o melhor entre os cantores de sua época. O crítico americano Nat Hentoff, provavelmente o que escreveu com mais propriedade sobre jazz, nos EUA, considerava Sinatra um grande cantor pop, mas não de jazz. Achava que Tony Bennett conseguia ser ambos, do pop e do jazz.
A citada Fascinating Rhythm é um teste para se cantar jazz, feito Samba de Uma Nota Só, não se pode dissociar letra de música, uma explica a outra. A canção (lançada em 1924 por Fred Astaire) está aberta a interpretações. Ella Fitzgerald a canta em andamento suave, Tony Bennett e Dina Krall preferem um allegro, sem derrapar nas muitas sinuosidades da melodia que nas gravações dos anos 20 era executada na velocidade de tema de desenho animado.

S’wonderful, que abre e define o disco e foi lançada por Shirley Bassey em 1959, é a canção mais recente do álbum, um primor de síntese com duas estrofes, oito versos. Não por acaso, abre o álbum Amoroso, de João Gilberto (1977).
Tony Bennett e Diana Krall dividem palcos desde 1999, no Montreal Jazz Festival, quando ele a convidou, ainda cantora iniciante, para um dueto em They Can’t Take That Away From Me, que eles incluíram em Love Is Here To Stay. Gravaram juntos em 2001, no disco Playin’ With My Friends – Tony Bennett Sings The Blues. Os dois abrem o disco com Allright, Ok, You Win (Mayme Watts/Sid Wyche). Depois, no álbum Duets: An American Classic (2006), uma celebração aos 80 anos do cantor. Ele e Diana Krall cantam The Best Is Yet to Come (Cy Coleman/Carolyn Leigh). Conforme promete o título desta canção, o melhor ainda estava por vir, um disco inteiro com a dupla.

Com 39 anos a menos do que Tony Bennet, a cantora canadense conserva as mesmas memórias afetivas que ele em relação a George e Ira Gershwin, que escutam desde a infância. Bennett contou, em recente entrevista à Billboard que, menino, cantava Swanee, com a irmã, depois do farto almoço dominical da família italiana. Foi como começou a aprender a se apresentar em público. Imitava Al Jolson, que a gravou em 1920. Feito Jolson, chegava a se ajoelhar nos tons mais altos da canção (da ópera Porgy & Bessie, parceria de George e Irving Caesar). Por sua vez, Diana Krall começou a escutar a música de George Gershwin em casa, o pai possuía uma grande coleção de discos. Mas só se encantou mesmo quando escutou o álbum The Tony Bennett/Bill Evans Album, de 1975.

Um dos pianistas fundamentais da história do jazz, Evans (falecido em 1980) tornaria a gravar com Tony Bennett o álbum Together Again (1977). “Este discos são o sentido da vida pra mim, feito o Kind of Blue, de Miles Davis. Você tem que escutá-los na sua sequência original, e do começo ao fim, como se fossem uma peça só, da forma como os discos foram feitos originalmente”, comentou a cantora à Billboard.

Dos dois, apenas Tony Bennett conheceu um dos Gershwin pessoalmente, Ira, o letrista, numa editora. O compositor pretendia que ele gravasse uma música sua, num episódio curioso. Um funcionário da editora foi apanhar a partitura para entregar a Tony Bennet, e voltou eufórico. Nas mãos a partitura e uma fita com a música gravada. Salientou para Ira Gershwin que a gravação era em estéreo, ainda uma novidade. Ira comentou: “Pra quê preciso de estéreo? Eu tenho duas orelhas”.
Love Is Here To Stay, que refina a tradição do jazz, pode ser confundido com easy listening (grosso modo, música fácil). Não exatamente. É feito considerar João Gilberto música de elevador, passando por cima das horas de ensaios até a chegar a uma depuração refinada da canção.

GERSHWIN

George Gershwin derrubou todas as divisórias das classificações musicais. Começou aos 17 anos, com uma canção de título quilométrico – When you Want ‘em, You Can’t Get ‘em, When You’ve Got‘em, You Don’t Want‘em – e chegou ao ápice com A ópera Porgy and Bess (em parceria com o escritor DuBose Heyward e Ira Gershwin), apresentada pela primeira em 1935, com atores afro-americanos, no Colonial Theatre, em Boston. Uma ousadia que faria com que a aceitação fosse tímida inicialmente. Ao longo dos anos, Porgy & Bess foi assimilada de tal forma, que, um de seus temas, Summertime, se tornou a assinatura musical da roqueira Janis Joplin. George Gershwin compôs temas que tanto podem ser interpretados por bandas de jazz, quanto por orquestra sinfônicas. Entre estes o mais conhecido é Rhapsody in Blues (terminada pelo irmão nos anos 40). Love Is Here to Stay foi sua última composição. 

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