O ABBA é um dos fenômenos mais longevos do pop. O quarteto sueco ficou em atividade por uma década (1972 a 1982), mas suas músicas se tornaram atemporais, contrariando a premissa efêmera dos hits pop, que muitas vezes duram apenas um verão. As produções esmeradas e as composições que balanceavam euforia e melancolia com maestria deixaram um legado constantemente revisitado e que ganhou novo fôlego com o Mamma Mia!, sucesso da Broadway adaptado para o cinema em 2008 e que ganhou sequência este ano. Foi durante sua participação nas filmagens do segundo filme que Cher decidiu gravar um disco só com versões dos sucessos do grupo. O resultado (excelente) é Dancing Queen, lançado sexta-feira.
Inescapáveis em qualquer festa de casamento ou formatura, as músicas do ABBA poderiam ser um exemplo de sucessos pertencentes apenas a um nicho kitsch e saudosista. Mas, a discografia do grupo formado por Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad não perdeu a força ao longo das últimas quatro décadas, aparecendo indiretamente em trabalhos de artistas como Robyn e Carly Rae Jepsen, ou diretamente, a exemplo de Madonna, que sampleou Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight) em Hung Up (2006).
Perfeccionistas, não eram de gravar várias músicas até chegar em uma ideal. Ao invés disso, trabalhavam incansavelmente nas faixas até atingirem o resultado desejado. E a forma como esse esmero é traduzido no que muitas vezes em melodias marcantes é uma das características mais fortes do ABBA.
RAINHA DA DANÇA
A forma como Cher se apropria do repertório de ABBA é ao mesmo tempo uma homenagem (a capa do disco, com Cher de perucas loura e preta, ecoa uma imagem clássica de Agnetha e de Anni-Frid, por exemplo) e também uma ressignificação. A diva americana consegue imprimir sua identidade em canções que permeiam o imaginário coletivo. Aliás, poucos artistas conseguiriam ser tão precisos em capturar o feeling dessas canções como ela. Cher, vale lembrar, foi contemporânea do quarteto.
Aos 72 anos, Cher continua uma intérprete eclética e seu diálogo com a disco music e a música eletrônica é renovado após o estrondoso sucesso (e reinvenção) que foi Believe, em 1998. A canção, inclusive, reintroduziu Cher para uma nova geração de LGBTs, comunidade da qual a artista já era ícone – e ferrenha defensora – desde a década de 1970.
Ao contrário do que se podia esperar, baseado no sucesso de 20 anos atrás, as canções do Dancing Queen não abusam do autotune e focam nas nuances da voz potente da cantora. Tome-se como exemplo a balada One Of Us. A versão de Cher explicita uma dor ainda mais explícita do que na original. A faixa escrita em 1981 aborda o divórcio dos integrantes da banda.
“Eles passaram por mim/ todos aqueles grandes romances/ Você estava, eu senti, roubando-me minhas oportunidades legais/ Minha imagem nítida, tudo parecia tão fácil/ E então eu te dei o golpe, um de nós tinha de ir/ Agora é diferente, eu quero que você saiba”, canta Cher, com uma voz carregada de remorso. A mesma urgência norteia outra balada sobre o fim de um casamento, The Winner Takes It All.
Em Fernando e Chiquitita, ela adiciona uma precisa dose de sensibilidade camp. As faixas ganham também outras camadas, com adições de elementos instrumentais interessantes. Outro triunfo do disco é SOS, cuja urgência foi amplificada no clipe, que mostra uma garota desolada que encontra refúgio na sororidade de suas parceiras.
A icônica Dancing Queen é ressignificada quando cantada por Cher, alguém que, ao longo de mais de meio século de carreira, embalou tantas pistas e ajudou a abrir vários armários. “Jovem e doce/ apenas dezessete anos/ Rainha da Dança/ Sinta a batida do tamborim”, canta como se para si e para uma multidão em busca de aceitação.