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Marc Ribot num disco com canções de resistência

Guitarrista reuniu canções de protesto autorais e clássicas

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 26/11/2018 às 15:36
Foto: Sandlin Gaither/Divulgação
Guitarrista reuniu canções de protesto autorais e clássicas - FOTO: Foto: Sandlin Gaither/Divulgação
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Quando Donald Trump sair da Casa Branca pode não deixar muita saudade, mas sua passagem pela presidência dos Estados Unidos tornou a música popular americana bem mais rica. Desde a campanha, Trump inspirou cantores e compositores. Novas canções, sátiras, paródias, e muitos discos começaram a ser produzidos assim que ganhou as eleições primárias do Partido Republicano. Contam-se nos dedos os músicos de renome que o apoiam. A discografia anti-Trump foi acrescida de mais um álbum: Songs of Resistance 1942-2018 (ANTI- Records), do guitarrista Marc Ribot, que transita entre a música pop, o jazz, o rock e o avant-garde.

Songs of Resistance tem de tudo um pouco, e muito contra Donald Trump. Conceitual, o álbum reúne canções de resistência ao fascismo, colhidas do cancioneiro italiano anti-Mussolini, dos pioneiros da luta pelo direitos civis nos Estados Unidos, do repertório de canções de protesto mexicanas, e algumas autorais.

Ribot começou a selecionar as músicas para o disco em 2016 quando Trump foi eleito. Em novembro de 2017, o presidente americano tuitou que o botão nuclear em sua mesa de trabalho tinha muito mais poder do que o do norte-coreano Kim Jong-un, e que precisava e US$ 318 bilhões para levantar o muro entre os EUA e o México, o que levou Marc Ribot a entrar em ação. Cantou pela primeira vez em público parte das canções deste disco, num show em Nova Iorque. Com ele estavam a cantora Domenica Fossati, o saxofonista Briggan Krauss e Shahzad Ismaily, na percussão, contrabaixo e teclados.

O grupo foi encorpando-se, com backing vocals, e convidados especiais trazidos para a gravação do disco. Tom Waits, Meshell Ndegeocello, Steve Earle, os mais conhecidos, em quase todas as faixas há uma participação, com Marc Ribot se encarregando também dos vocais em uma delas, The Big Fool que lembra It’s Allright Ma I’m Only Bleeding, de Bob Dylan, mas com roupagem de punk rock. The Big Fool (O Grande Abobalhado) naturalmente é Sua Excelência Donald Trump, o alvo do disco. Esta é uma das melhores faixas de um dos álbuns mais acessíveis de Ribot.

Songs of Resistance 1942-2018 é quadragésimo título da discografia de um guitarrista mais conhecido pelas centenas de participações em discos alheios. Ele é um coadjuvante de luxo, requisitado músico de estúdio, gravou com todo mundo, do pianista McCoy Tinner a Caetano Veloso (no álbum Estrangeiro, de 1989). Ribot faz parte de um grupo seleto de músicos de Nova Iorque com, entre outros, Bill Frisell e John Zorn. Meshell Ndegeocello não poderia ser mais apropriada para cantar The Militant Ecologist, adaptada por Marc Ribot da canção de “resistenza” italiana Fischia Ill Vento, composta durante a Segunda Guerra, por Felice Cascione (1918/1944). Este por sua vez utilizou a melodia da canção patriótica russa Katyusha, escrita, em 1938, por Matvey Blanter. Curiosamente Fischia Ill Vento em inglês é The Wind Blows (O Vento Sopra), coincidentemente quase o mesmo título de Blowing in the Wind, o clássico de protesto, hino do Movimento pelos Direitos Civis, de Bob Dylan, lançada por Joan Baez em 1963.

Steve Earle canta Srinivas, de Marc Ribot, que escreveu a letra a partir de noticias publicadas em jornais sobre a morte, em fevereiro de 2017, de dois indianos, Srinivas Kuchibhotla e Alok Madasani assassinados por um hater, em um restaurante da cidade de Olathe, no Kansas. O assassino, Adam Purinton, achou que fossem terroristas iranianos. Os dois viviam legalmente nos EUA. Marc Ribot cita o nome do presidente americanos em versos da canção:

“O Maluco puxou o gatilho/ Donald Trump carregou a arma”. Rata de Dos Patas, canção popular mexicana, da cantora Paquita La Del Barrio ganha conotações políticas sob a ótica de Marc Ribot. Originalmente é uma diatribe irada a um ex-amor “Ratazana de duas patas/Estou falando com você/Está me ouvindo, inútil?/hiena do inferno”, o rap Ohene Cornelius reforça o discurso. A canção, claro, é uma referência a política de imigração de Trump. Do repertório do Movimento pelos Direitos Civis, ele pinçou Ain’t Gonna Let Nobody Turn Me Around, de domínio público, canção dos anos 20, que nos anos 60 se popularizou como hino de resistência. É interpretada por Steve Earle.

Volta ao passado com John Brown, nome do controverso abolicionista, que liderou um movimento de luta armada a favor da libertação dos escravos, e foi condenado à forca por matar cinco brancos. Cantora de voz poderosa, Fay Victor dialoga com um sax, num dos melhores momentos do álbum. Em Knock That Statue Down, na interpretação da cantora Sid Straw, a inspiração é o assassinato de um homem negro pela polícia em Charlotte, na Carolina do Norte, que motivou manifestações pelos EUA, e refregas violentas entre manifestantes e as forças policiais.

SÓ QUER VRAU

Para interpretar a canção italiana Bella Ciao, Marc Ribot precisou apenas da voz rascante de Tom Waits e um violão, a música não pede mais que isso. Bella Ciao é dos clássicos universais do gênero. Já era cantada no final do século XIX como música de resistência dos trabalhadores italianos. Na Segunda Guerra foi a mais popular das canções de resistência da Itália contra o fascismo e o nazismo. Depois do conflito passou a ser cantada em cerimônia alusivas à guerra, e se tornou hino anti-fascismo mundo afora. Menos no Brasil, onde acabou, em abril de 2018, nas paradas popularescas, em levada de funk, com o título de Só Quer Vrau, numa versão do paulista Marcio Rezende de Lellis, o MC MM. Os versos iniciais: “Essas malandra/ assanhadinha/ que só quer vrau/ só quer vrau/ vem pra favela fica doidinha/ então vem sentando
aqui”

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