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Maria Bethânia e Zeca Pagodinho numa celebração ao samba

Repertório vai de Noel Rosa ao Cacique de Ramos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 30/11/2018 às 9:01
Foto: Divulgação/Biscoito Fino
Repertório vai de Noel Rosa ao Cacique de Ramos - FOTO: Foto: Divulgação/Biscoito Fino
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“Recebi um e-mail de Bethânia pedindo uma canção pro show que ela iria fazer com Zeca Pagodinho. Fiquei pensando, que é que eu faço? Há dois anos não compunha nenhuma canção. Bethânia tinha falado um negócio de Xerém, Santo Amaro, a cidade dele, a cidade dela. Terminei fazendo a canção, bem simples. Eu sou de um tempo em que a gente aprendia que o samba nasceu na Bahia, foi pro Rio, e se tornou uma expressão nacional, porque o Rio era capital. E então eu fiz dentro deste espírito, que muitas vezes reaparece no meu trabalho, de uma samba que nasceu na Bahia e chega em Xerém, Rio de janeiro”. O depoimento é de Caetano Veloso explicando como surgiu a música que dá título à turnê De Santo Amaro a Xerém, com Maria Bethânia e Zeca Pagodinho, que chega às lojas hoje, em DVD e CD, com selo da Biscoito Fino.

“Eu tinha que fazer, eu combinei, ensaiei, agora não tem mais jeito. Já tô na beira do túnel, tenho que entrar”, comenta Zeca Pagodinho, bem agasalhado para se defender do frio paulistano, onde o show foi registrado (nos dias 18 e 19 de maio, de 2018, no Citibank Hall/SP). As falas de Caetano Veloso e de Zeca Pagodinho estão no making of como bônus do DVD, em que todos os músicos, e algumas pessoas envolvidas, tecem suas considerações sobre o espetáculo. *Mais que ao vivo no teatro, enfatiza-se o contraste entre a apolínea baiana e o dionisíaco carioca. Ela muito elegante, cantando com impressionantes precisão e certeza da sua missão. Ele, exatamente como no comentário, estava na beira do túnel e entrou, totalmente à vontade, feito no seu quintal em Xerém. Ela ainda seguindo a marcação de show roteirizado em que foi precursora no Brasil, ele lutando para se deter diante de regas pré-determinadas, a dicção as vezes claudica, o fôlego também. Mas não se tem dúvidas de que está se divertindo e divertindo a plateia.

Bethânia está no seu terreno, o palco, onde é totalmente senhora. Durante 100 minutos, a dupla incursiona pelas várias facetas da expressão musical nacional, do samba de roda ao chuleado, do samba de terreiro (ou de quadra) ao partido alto, dos ancestrais batuques dos terreiros ao samba enredo. O repertório é aberto e fechado com dois sambas urbanos, modernos, respectivamente, Verdade (Nelson Rufino/Carlinhos Santana), e O Que É O Que É (Gonzaguinha). O primeiro é uma abertura instrumental, o segundo cantado em dueto por Bethânia e Pagodinho, que são acompanhados por uma banda híbrida, formada por parte de músicos que tocam com os dois, destaque para o maestro Jaime Alem ao violão.

O trecho de Verdade é introdução para o belo samba De Santo Amaro a Xerém, um hit em potencial se as rádios tocassem. Um espetáculo quase sempre em tons azuis e claros, para a panorâmica do que já foi o mais popular dos gêneros musicais brasileiros, que ainda frequenta o rádio e TV na diluição do chamado pagode romântico. Zeca Pagodinho e Maria Bethânia interpretam tanto sambas que todos cantam – Ronda (Paulo Vanzolini), Você Não Entende Nada (Caetano Veloso), na junção com Cotidiano (consagrada no show Chico & Caetano de 1972) – ou sambas de que poucos se lembram, E Daí? (Miguel Gustavo), lançada em 1959, pelo não menos esquecido Alcides Gerardi.

A geral no samba é também um pouco uma retrospectiva nas próprias carreiras. Zeca Pagodinho relembra dos tempos de Fundo de Quintal ao seu grande sucesso nacional, Deixa a Vida me Levar (Serginho Miriti/Eri do Cais), em dueto com Maria Bethânia, que transita com maestria pela seara da MPB, sem delimitações de tempo. Canta Geraldo Pereira, Noel Rosa, Chico Buarque, Adelino Moreira, Torquato Neto a Manezinho de Isaías, as autoras mulheres, Dona Ivone Lara e Adriana Calcanhotto. Ainda descola espaço para uma reverência ao cinquentenário do tropicalismo, com Marginália (Gilberto Gil/Torquato Neto, do impagável, a atualíssimo, refrão: “Aqui é o fim do mundo/aqui é o fim do mundo”.

SERESTA

Cabe em De Santo Amaro a Xerém mais do que samba. Orestes Barbosa (1893/1966), um dos que alicerçaram a música popular brasileira com valsas, modinhas e serestas, puxando pela alma lírica nacional, tem resgatada sua canção mais popular (ou que já foi muito popular), Chão de Estrelas (parceria com Silvio Caldas), dos versos que Manuel Bandeira, numa crônica, exaltou como os mais belos da poesia brasileira: “Mas a lua, furando o nosso zinco/ salpicava de estrelas nosso chão/ tu pisavas nos astros, distraída/ sem saber que a ventura desta vida/ é a cabrocha, o luar e o violão”. Um dos melhores momentos do vídeo, e mais colorido, é a homenagem às escolas de samba. Zeca Pagodinho vestido com o azul da Portela, e Maria Bethânia com o verde e rosa da Mangueira, num empolgante pot-pourri de sambas de enredo. Cantam Portela na Avenida, Lendas e Mistérios da Amazônia, e Foi um Rio que Passou na Minha Vida, cerzidos com citações de vários sambas, entre estes Maria Bethânia, A Menina de Oyá, samba enredo da Mangueira (2015). O final, apoteótico, retorna a Caetano Veloso, o samba que batizou o show, mais Deixa a Vida me Levar e O Que É o Que É

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