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Leopoldo Conrado Nunes estreia solo em disco primoroso

Gravaram com ele alguns dos melhores músicos da cidade

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 25/12/2018 às 10:05
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Gravaram com ele alguns dos melhores músicos da cidade - FOTO: Foto: Divulgação
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A estranhar em Cinema Boreal (independente), requintado disco instrumental de Leopoldo Conrado Nunes, só o fato de não ter sido feito há mais tempo. Jornalista e fotógrafo, Leopoldo chegou à música primeiro. Aprendeu violão, adolescente, tocou numa bandinha de garagem e um pouco mais tarde integrou a Academia do Medo, um grupo de rock surgido no final dos anos 80, como Van Filosofia, dos primeiros a lançar disco (um LP) na década de 90, Vila da Vozes, o título.

 A Academia do Medo aterrissou na cena musical recifense exatamente quando se deflagrava o manguebeat. O grupo durou pouco tempo, mas fez história ao participar da edição inaugural do Abril Pro Rock, em 1993. Leopoldo Conrado Nunes era baterista do Academia do Medo. A bateria porque era necessário definir seu papel no conjunto, Porém se sairia bem em qualquer posição do time: “Comecei aprendendo violão clássico, então descobri que na casa de Vinicius, um vizinho meu, havia todo tipo de instrumento. Pertenciam ao pai dele, que é medico e músico, Luiz Paulo Galvão. Passei a ir lá, e fui aprendendo a tocar neles. Meu irmão comprou um contrabaixo e eu também comecei a aprender. A bateria aprendi pra tocar na Academia do Medo”, conta Leopoldo.

Em Cinema Boreal está no violão, baixo, elétrico e fretless, e ainda nos teclados. O repertório de Cinema Boreal é resultado dos muitos anos em que Leopoldo dedicou-se a criar trilhas, praticamente desde que deixou de trabalhar na imprensa como fotógrafo. Os temas do disco são recentes, com exceção de Simão, que vem do projeto Azul Elétrico, de que ele participou em 2010. Uma composição inspirada num conto do libanês Gibran Kahlil Gibran, que teve participações de, entre outros, Thales Silveira (contrabaixo), Amaro Freitas (piano), Lucas dos Prazeres (percussões), Augusto Silva (bateria), alguns dos músicos que Nunes convidou para participar do álbum.

 “Chamei os amigos, todo mundo veio, e não fez apenas tocar. Henrique Albino, por exemplo, ajudou nos arranjos e em Sol dos Cegos, um ijexá”, explica. Outros amigos ajudaram mesmo sem estar presente no estúdio, caso do baterista Adelson Silva, referência no instrumento. Sua influência está no caboclinho Sete Chaves, que tem na bateria Augusto Silva, que toca com o citado Adelson na Spokfrevo Orquestra: “Vi o grande Adelson num solo de bateria, marcando seis por quatro, e mudar para dois por quatro. Fiz isto em Sete Chaves”.

 A lista de participações é longa, Junior do Jarro, dos mais requisitados percussionistas entre Olinda e o Recife, está na faixa Alameda, um afrobeat; Fabinho Costa, trompetista louvado por Wynton Marsalis, toca flugelhorn em Homem Coletivo, em que Leopoldo incorpora um Herbie Hancock, e tem ainda a participação de Moab no trombone.

INDEPENDENTE

 Um disco bancado do próprio bolso, feito de acordo com os recursos no caixa, gravado no estúdio que Leopoldo montou em casa, e nos estúdios Carranca e Fábrica: “Juntei uma grana pra fazer o disco, inclusive a do cachê dos músicos. Muitos até se surpreenderam ao saber que iam receber, outros não queriam cachê, mas fiz questão de pagar”, conta Leopoldo, que encomendou a capa ao artista plástico Paulinho do Amparo. Ele ainda contou com inserções de vozes femininas.

Da jornalista Cláudia Vasconcelos, que diz o título do tema em espanhol, na abertura do baião Passatempo, Giramundo; de Anabelle Yo e Sonya Ivanova, juntas, em Simão. Anabelle Yo declama um poema em francês na introdução de Espelho do Mar. Na prática Leopoldo Conrado Nunes é um maestro, em cada faixa há, em média, sete músicos, que tocam cello, flugelhorn, flauta, sax, trompete, percussão, trombone, bateria, sanfona (no caso, em apenas uma faixa, com Julio César). Faixas como O Sol do Cegos conta com nove músicos, incluindo o “maestro” Leopoldo. Ele se desdobra em vários, na faixa Homem Coletivo (Sob a Chuva), na qual vai de guitarra elétrica, programação de bateria, contrabaixo elétrico e teclados.

 O grupo básico é formado por Lucas Crasto (baixo), Fabinho Costa (trompete e flugelhorn), Léo Guedes (cello), Henrique Albino (flauta, clarinete, sax barítono), Gilmar Black (sax tenor) e Deco (trombone). Ao longo do disco, entram músicos escolhidos não apenas pelo talento, mas porque o estilo encaixa-se no tema conforma a concepção de Leopoldo Conrado Nunes. Em Frevo para o Maestro Nunes, por exemplo, a baqueta está com Jean Pierre, e não com Augusto Silva, especialista no gênero. Um frevo inovador, que em trechos está mais para o jazz, com mudanças de andamento – o que, aliás, acontece em praticamente todos os temas.

Lepoldo escreveu arranjos tendo como modelo dois maestros soberanos, Tom Jobim e Moacir Santos. Da insigne dupla, aprendeu que temas instrumentais podem se estender à canção. Um bom exemplo, é clássico da MPB, Nanã, originalmente um instrumental, o Coisa nº 5, do antológico álbum Coisas, de Moacir Santos. “Componho no violão, as harmonias, mas chego a um resultado em que todas as melodia são cantáveis, aceitam letras”, ressalta Leopoldo, que batizou o disco, pela proximidade das composições com temas filmes: " Todo mundo diz que minha música é de cinema. E boreal por conta das várias matizes de tonalidades e coloridos das próprias músicas", esclarece.

Cantáveis e assoviáveis. Quase todos os temas tem um riff como linha mestra, sobre o qual os músicos aplicam variações. Uma das poucas exceções é Aqualtune, em que se sobressai a percussão de Jam da Silva, e a bateria de Lucas Araújo, e a influência de Moacir Santos é mais palpável. O álbum Cinema Boreal está disponível nas principais plataformas de música por streaming, e ainda não está disponível no formato físico: “Vou juntar mais grana para fazer o CD, andei sondando os preços para fazer em vinil, mas sai muito caro”, explica Leopoldo, que não programou ainda um lançamento oficial do álbum.

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