“Nos últimos dias do Império, existia no Pátio do Terço, um clube Carnavalesco denominado Maroim-Grande. Houve um dia, como é comum, uma desinteligência nas proximidades do Carnaval nos mangues do Maroim-Grande. Deixaram de ser Maroins: Moises de Souza Costa, Custodio Patriarca, Emiliana de Almeida Costa, Umbelino Patriarca da Costa, bem como Mathias Theodoro da Rocha, Marcolino Gomes da Silva, Cláudio de Almeida, Francisco de Moraes Crispim Patriarca, Francisco Enedino, Adolfo Pereira dos Santos, Manuel Alves, Mário Cândido, Maria Rosa de Assumpção. Reuniram-se em Beberibe, no ano de 1889, no Dia de Santos Reis, e resolveram fundar um clube carnavalesco, em antagonismo ao que haviam abandonado.
Queriam que o novo clube se chamasse de Vassouras de Casaca (é bem possível que o título fosse alusivo a alguém que figurasse no orçamento musical como varredor de rua e não pegasse na vassoura). Os poetas foram contrário ao título pela dificuldade de rimas e opinaram pelo de Vassourinhas. Instalou-se o novo clube, no dia 7 de fevereiro, na Camboa do Carmo, e saiu logo no próximo Carnaval, mercê de uma quota de 2$000 de cada sócio. Ainda não havia o passo do frevo ‘Se esta rua/ se esta rua fosse minha/ eu mandava ladrilhar/ com pedrinhas de brilhantes para o meu bem passar’. Entretanto alguma coisa ficou dos Maroins. Quando o Carnaval se aproxima pior que a de maroim dos mangues da Tacaruna é a picada do Vassourinhas para o seu clube”.
A história do Clube Carnavalesco Mixto Vassourinhas assim foi contada pelo jornalista Mário Melo, nas páginas do extinto Jornal Pequeno, lembrando os 50 anos de fundação da agremiação, em 1939. O Vassourinhas nasceu num período conturbado do país. É provável que alguns dos seus fundadores fossem escravos libertos, pela chamada Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. O seu primeiro Carnaval aconteceu com o império já a caminho do fim. Os festejos de Momo daquele ano foram desanimados, atestam os jornais da época que destacaram as seguinte agremiações: Clube do Cavaleiros de Época, Clube dos Caiadores (este veterano, já citados na imprensa desde a década anterior), Clube Borboleta (“em guiza de banda marcial que, a pé, fez seu trajeto por diversas ruas, tocando alguns trechos bem estudados”), o já tradicional Caninha Verde, e um clube de alegoria e crítica Clube dos Imigrantes Contratados e, finalmente, e pela primeira vez na imprensa, o Vassourinhas.
“O Clube Vassourinhas que, no mesmo gênero daquele, (refere-se aos Caiadores) igualmente bem trajado e que como esse outro, colheu aplausos com seus toques, cantos e dançados”. Esta foi a primeira menção ao Vassourinhas, na edição do Diario de Pernambuco de 5 de março de 1889. Em 1966, o diretor tesoureiro do Vassourinhas, Raul Cruz, contaria, ao Jornal do Commercio, sua versão do nascimento de Vassourinhas, que completa 130 anos em 2019, sem receber homenagens da prefeitura, ou do Estado, já fora do bairro que lhe rendeu o epíteto de “O Camelo do São José:
“Nasceu o Vassourinhas em Beberibe, no Porto da Madeira, fundado por Mathias da Rocha, Joana do Nascimento e outro, no dia 6 de janeiro de 1889. Denominado a princípio de Vassouras, foi depois chamado de Varredouro Público, e finalmente Vassourinhas. Não possuía sede, sendo usada a residência de um sócio. Saiu o clube em seu primeiro ano, com violões, triângulo e baixo de flandre. Só em 1892, saiu o Vassourinhas com uma orquestra de seis músicos, contratados por 36 mil réis. Em 1892, transferiu-se para Santo Antônio, onde ficava a casa de um sócio”. Pelo relato do diretor, nos primeiros anos, Vassourinhas perigava não pegar. Amparou-se pelas casas dos sócios mais abnegados. Passou pelas ruas das Hortas, da Praia, em duas casas da Rua da Concórdia (as de nº 20 e 21), Pátio do Terço, Rua Augusta, até que em 1949, quando completava 60 anos, estabeleceu-se com sede na Rua das Calçadas, no segundo andar do número 104. Mas por esta época já se tornara a agremiação mais querida do folião recifense. Nos anos 20 arrastava multidões às ruas. Imaginava que o préstito fosse composto pela orquestra, sócios e seguidores do clube, o poviléo (para usar um termo da época).
Mais que isso, os desfiles eram grandiosos, com enredos, carros alegóricos, conforme relata este Jornal do Commercio, o desfile do Camelo de São José no Carnaval de 1924: “Os Vassourinhas saíram arrastando uma colossal multidão pelas ruas principais da cidade. E essa multidão se agitava num frevo demoníaco, tradução bem viva de toda alegria intraduzível do Carnaval. A frente uma guarda de cavaleiros romanos e logo após a orquestra do clube a executar marchas de estalar nervos, após vinham os carros alegóricos, dos quais podemos distinguir: um avião, um carro a quatro parelhas, numerosos automóveis ...”.
HINO
Atribuído a Mathias da Rocha e Joanna Baptista, a Marcha nº1 do Vassourinhas é uma adaptação da canção infantil tradicional Se Esta Rua Fosse Minha. Já foi bastante comum se empregar no Carnaval melodias populares, acrescentando-lhe outra letra, como confirma o escritor e historiador Mario Sette (1886/1950), testemunha ocular da história: “De começo os frevos eram apenas marchas do gênero, escritas pelos maestros das bandas que tocavam à frente do cordão, puxando-o, e aqui para nós, em regra, inimitáveis. Não tinham geralmente letras, e se apareciam cantos nas bocas da massa popular, seriam versinhos improvisados nos próprios dias da folia, alusivos a um fato da época, ou uma exaltação ao cordão a que se pertencia, como aquele: ‘Quem foi que disse/que o Vassoura não saia/O Vassoura está na rua/com prazer e alegria”.
O citado Raul Cruz, em 1966, afirma ter escutado da voz da própria Joanna Baptista como se deu a criação do hino: “Contava Joana que, sob a luz do candeeiro, Mathias da Rocha ditava a música para um dos sócios do clube”. Se foi ditado para um sócio, deve ter acontecido quando o clube já estava consolidado, e não no ano em que surgiu. O pesquisador Evandro Rabello data como de 1909 a composição. No entanto, Mathias da Rocha morreu em 1907. No dia 17 de julho daquele ano lê-se no Jornal Pequeno, na seção Missas Fúnebres”: “Às sete horas, na Igreja do Rosário, do Bairro de Santo Antônio, em sufrágio d’alma de Mathias Theodoro da Rocha”. Sua morte foi noticiada em meio às várias acontecidas no dia 13 de julho de 1907: “Mathias Theodoro da Rocha, 43 anos, solteiro, Hospital Pedro II (seção Necrologia do Jornal do Recife, 9 de agosto de 1907).
“Curioso é que a música foi vendida ao Clube Carnavalesco Mixto Vassourinhas 18 de novembro de 1910, num recibo assinado por Mathias da Rocha e Joana Batista, três anos e alguns meses depois da morte do compositor. Dela, Joana Batista, se sabe muito pouco, até mesmo se realmente colaborou na adaptação da música. Tampouco se sabe qual seu relacionamento com Mathias da Rocha. Entre os que fundaram o clube, segundo o relato do jornalista Mário Mello não consta o nome de Joana. Segundo as pesquisas de Evandro Rabelo, ela trabalhava como empregada doméstica, foi casada, teve filhos, e faleceu em 1952.
Quanto a Mathias da Rocha, este foi compositor, e bastante popular. Encontram-se várias notas nos jornais com títulos de músicas que ele fez para o Vassourinhas até um ano antes de sua morte, ou seja fez música para o carnaval de 1906, quando pertencia ao conselho deliberativo do clube. A Marcha nº1 de Vassourinhas somente foi registrada a uma editora musical em novembro de 1950. Um registro pomposo e solene, a bordo do navio Aratimbó, com a presença do presidente da Sociedade Brasileira de Autores e Compositores e Editores de Música (Sbacem), Hermes Teixeira, representantes da editora no estad, autoridades. À época era presidente do Vassourinhas o senhor Severino Oliveira.