Pulp Fiction (1994), de Quentin Tarantino, tem uma das sequências de abertura mais antológicas do cinema contemporâneo. Numa cafeteria tranquila, um casal, Tim Roth and Amanda Plummer (Ringo e Yolanda), conversam. Ele a beija, põe um revólver sobre a mesa. De repente, a narrativa é acelerada. É um assalto. O casal passa às ameaças e palavrões. Irrompe Misirlou (também grafada como Miserlou), tema instrumental trazido do Oriente Médio por imigrantes e gravado, em 1962, pelo guitarrista Dick Dale & The Deltones. A guitarra de Dick Dale é fundamental para encorpar a ideia de violência no início do filme. Tão impactante que trouxe o músico de volta ao palco principal. Dick Dale morreu, no sábado, dia 16, confirmou Sam Bolle, baixista que tocava com ele. Não foi revelada a causa mortis, mas se sabe que lutava contra um câncer desde 2010. Richard Monsour, nascido em Boston, filho de pai libanês e mãe polonesa, estava com 81 anos.
Graças a este impulso, confessava Dale, ele conseguiu bancar as despesas com medicamentos e hospitais. Quando dizia que tocava para não morrer, queria dizer literalmente isto. Se parasse não ganhava dinheiro. E não apenas para si, mas para sustentar a família, e músicos que trabalhavam com ele desde a retomada da carreira. Dick Dale foi sempre um outsider, na contramão do mercado. Foi dos primeiros músicos a ter seu próprio selo, o Deltone, criado em 1958, quando estreou em disco. Fazia concessões na medida do possível.
Numa entrevista concedida quando lançou seu último álbum de estúdio, Spacial Disorientation (2001), confessou que começava um concerto cortejando os fãs mais recentes: “Toco as cinco primeiras músicas para a garotada que gosta de escutar o Dick Dale que fez Misirlou, que está no filme Pulp Fiction”. Desde 1965, quando as paradas americanas foram tomadas de assalto pelas bandas e intérpretes ingleses, que o rock instrumental saiu de cena. Ironicamente, Jeff Beck, Jimmy Page, George Harrison, e outros guitarristas da Inglaterra, foram influenciados por Dick Dale, que inventou a surf music em 1961, quando lançou Let’s Go Tripping, tema que se espalhou pelas praias da Califórnia e foi responsável pelo surgimento de uma cena surf.
Os Beach Boys fizeram versões tanto de Let’s Go Tripping, quanto de Misirlou, mas com performances de baixo teores. Ao tomar conhecimento da morte de Dick Dale, Brian Wilson, dos Beach Boys, tuitou: “Lamento saber da morte de Dick Dale. O estilo de Dick foi uma grande influência para todos nós. Nós fizemos um cover de Misirlou em nosso álbum Surfin’ USA, de 1963”. Também os guitarristas americanos sofreram forte influência de Dale, entre outros, Eddie Van Halen e Stevie Ray Vaughan, que gravou com ele Pipeline, um dos clássicos da surf music. E ainda as bandas: The Ventures, The Shadows, Surfaris, Trashmen, entre outras.
Dick Dale usava a guitarra em altíssimo volume e amplificadores estourados. Estourou vários, até que Leo Fender criou um que resistisse a Dale. Não por acaso é também considerado o avô do heavy metal. Leo Fender desenvolveu uma Stratocaster para Dick Dale, que a chamava de “Beast” (“Fera”). Com ela podia ir para o volume máximo sem temer pelo instrumento. Quando lhe perguntavam o motivo de tanto volume, ele dizia que queria sua guitarra soando com a mesma força que a bateria de Gene Krupa (1909/1973), que somava técnica, energia e velocidade, num estilo que se considera até hoje insuperável no jazz. Ele continuava usando os amplificadores originais produzidos para ele pela Fender, e batizados com seu nome.
MIRSELOU
Curioso é que nunca se desvendou a real origem de Misirlou, a assinatura musical de Dick Dale. A não ser que é originária da Ásia, diz-se que composta no século 19, mas não com certeza. Turcos, gregos, árabes, judeus fizeram versões do tema. Antes que fosse gravado nos Estados Unidos, em 1941, pelas big bands de Harry James, Xavier Cugat e Wayne King. Ele não se importava que o chamasse pai da surf music, mas não achava que o rótulo definisse sua música: “O que faço é música Dick Dale. Alguns me chamam de Rei da Guitarra Surf, historiadores me chamam Pai do Heavy Metal, mas não dou a mínima pra estas coisas. Faço apenas música de Dick Dale
