Quando anunciou Kisses, seu quarto álbum, Anitta afirmou que mostraria diferentes facetas de sua personalidade ao longo das dez faixas, cantadas em três idiomas (português, inglês e espanhol). Lançado sexta-feira, com cada canção acompanhada por um clipe, pegando carona na onda de discos audiovisuais como o Lemonade, de Beyoncé, o trabalho não cumpre o que prometeu. Voltado para o mercado internacional, o trabalho atira para todos os lados e gera mais dúvidas do que esclarecimentos sobre o projeto artístico da carioca.
O álbum anterior de Anitta, Bang (2015), marcou uma retomada de grandes produções pop no Brasil. Com clipes bem elaborados e repleto de hits, a consolidou na dianteira do pop nacional. Em paralelo à sua música, ela também se tornou uma celebridade que não deixava os tabloides. A marca Anitta se tornou altamente rentável, atraindo empresas que estamparam seus rostos em propagandas.
Essa ascensão meteórica de Anitta acelerou ainda mais desde que a cantora passou a gerenciar sua própria carreira, após finalizar a parceria com sua antiga empresária, Kamilla Fialho, em 2014. Nesse sentido, é preciso ressaltar a sagacidade da artista para os negócios. Como poucos, ela capitalizou desde cedo com as redes sociais, fazendo delas mais um canal para fortalecer sua marca. Estudou também com afinco o mercado internacional e percebeu o crescimento do reggaeton, estabelecendo parcerias com os colombianos J Balvin e Maluma.
O grande salto, porém, veio em 2017, com o lançamento de Paradinha, sua primeira música cantada em espanhol. Cerca de um mês depois, lançou Sua Cara, produzida pelo Major Lazer (de Diplo, que já produziu Madonna, Beyoncé, entre outros), com Pabllo Vittar.
A ambição de Anitta era clara: conquistar o mundo. E, para isso, foi ousada: naquele ano lançou o Checkmate, quando disponibilizou um clipe por mês, em português, espanhol e inglês. Desse projeto, Downtown, com J Balvin, foi um fenômeno na América Latina, e soma mais de 600 milhões de streamings nas plataformas digitais.
Desde então, a cantora disponibilizou várias canções, no esquema de singles. Várias delas foram parcerias com artistas que iam do sertanejo à MPB. Sua voz e presença se tornaram inescapáveis.
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Ao mesmo tempo, Anitta continuava a triunfar como rainha do merchandising, se comprometendo com várias marcas. Tão orgulhosa em dizer que veio dos subúrbios, se calou diante do assassinato de Marielle Franco. Nas eleições, buscou não se posicionar, até que a pressão foi tão grande que fez um vídeo para dizer que não votaria em um candidato que ameaçasse a comunidade LGBT, que forma grande parte do seu público. Ficou a impressão que a Anitta pessoa jurídica sempre falaria mais alto do que a pessoa física e que o apoio a determinadas causas estava vinculado a questões mercadológicas.
QUEM É ANITTA?
Com Anitta, tudo é tão calculado que fica difícil saber quem é Larissa de Macedo Machado (seu nome de batismo). Isso não chegaria a ser um problema se ela não prezasse tanto por passar uma imagem de autenticidade. Mas, o que se percebe, é que Anitta só mostra o que lhe é conveniente e isso se reflete no Kisses.
O reggaeton e o espanhol dominam o álbum, a exemplo das faixas Banana, com a norte-americana Becky G, Atención, Rosa, Juego e Sin Medo. As músicas parecem ser cantadas por qualquer intérprete do gênero em alta no momento, como Natti Natasha e a própria Becky.
Poquito, que apesar do título é cantada em inglês, é um flerte com o r&b e hip hop e se destaca como um dos momentos mais agradáveis do disco. A fórmula é reprisada em Tu y Yo, com Chris Marshall.
É difícil entender o motivo de Anitta querer ter lançado um álbum já que as canções soam aleatórias, como uma junção de vários singles (vide Você Mentiu, parceria com Caetano Veloso, com pegada de bossa nova, completamente deslocada no álbum). E mais: se parecem com tudo que ela já fez.
Mas, não há dúvidas que a obra cumpre a função de consolidar seu papel como força a nível mundial (atualmente, ela é a latino-americana mais escutada no Spotify, com mais de 20 milhões de ouvintes mensais).
Antes do lançamento do álbum, a cantora divulgou imagens de cada clipe, explicando que lado de sua personalidade eles representavam. Essa necessidade de dar um “textão” para evidenciar a mensagem já parece estranha, até porque, sem elas, é de fato impossível saber o que as faixas trazem de novo. Ou mesmo querem dizer.
Mas, ironicamente, uma das descrições (da faixa Onda Diferente, com Ludmilla e Snoop Dogg) serve muito bem para elucidar quem parece ser a artista Anitta e o que é o Kisses. “Ela parece uma máquina, um robô, obedece aos comandos com uma disciplina disfarçada de naturalidade e consegue chamar atenção mesmo nas mais estranhas situações. Ela é camaleão, seu estilo muda conforme o habitat”, escreveu.
