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Fafá de Belém cantando em tons de cinza

Disco novo trafega por outras searas sonoras

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 17/04/2019 às 11:25
Foto: Divulgação/Jóia Moderna
Disco novo trafega por outras searas sonoras - FOTO: Foto: Divulgação/Jóia Moderna
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Fafá de Belém tem pelo menos quatro décadas e meia de carreira, contando-se do tempo em que integrou o grupo de Zé Rodrix, sua inclusão na trilha da novela Gabriela (1975), cantando Filha da Bahia (Walter Queiroz). Ou ainda da participação no álbum Minas, de Milton Nascimento, e do musical Maria Maria (a música também de Bituca). Em 1976, lançou o primeiro disco Tamba-Tajá (Phillips/Polydor). “Ela tem uma voz própria, maleável, material excelente para ser trabalhado em estúdio, por um produtor sensível. É aí que está o problema de Tambá-Tajá, seu LP de estreia. Por razões diversas e insondáveis, que podem ir do descuido e pressa, à necessidade de obter um sucesso de vendas, compatível com as características populares do selo Polydor, a voz e o talento de Fafá estão postos a serviço do nada, ou de muito pouco” – o comentário é da jornalista Ana Maria Bahiana, no Opinião (semanário alternativo dos anos 70), num texto que abrangia também novos discos de Gal, Simone e Clementina de Jesus.

O músico e compositor Arthur Nogueira, paraense como Fafá de Belém, assume o papel daquele produtor sugerido por Ana Maria Bahiana há 43 anos. Nogueira, e o DJ Zé Pedro (do selo Joia Moderna) trabalharam com a cantora no recém-lançado Humana, álbum em que finalmente se grava Fafá Belém (63 anos em agosto) sem limitá-la à voz potente e afinada, hoje com tons mais graves. Explora-se mais, e sobretudo, a expressividade da intérprete. Não que seus discos anteriores sejam mal produzidos. Produção requer mais do que alguém que entenda do riscado, um engenheiro de som que conheça os meandros do estúdio.
Pede alguém que trabalhe mais que boa voz, o que Fafá de Belém inegavelmente possui. Mas também que leve o artista a uma imersão na canção, extrair dela nuances que podem passar despercebidas.

Em Humana, a cantora é submetida a este método, com músicas que exigem mais do que talento vocal. O repertório não deve agradar aos que se acostumaram com o ecletismo estilístico de Fafá. Ao longo de sua extensa discografia, ela incursionou pelas mais diversas searas e desvãos musicais da MPB, flertando com sertanejos e afins, cortejando tendências populares.

CINZA

Humana é diferente, a começar pela capa. As cores fortes dos discos anteriores foram substituídas pelas foto, em P&B, de uma senhora em trajes escuros, mãos à cabeça, entre a meditação e a aflição. Não aparecem aqui os seios fartos, tão celebrados, quase marca registrada de suas capas de disco e fotos de divulgação. O repertório é caprichado nos tons cinzas, até mesmo quando ela canta Toda Forma de Amor, de Lulu Santos, o rei do pop nacional. 

Não se espere ritmos calientes, regravações de canções manjadas, nem mesmo a famigerada gargalhada, temperando alguma faixa. Equalizou-se o repertório entre composições mais antigas e de autores recentes, caso do petrolinense Zé Manoel, que assina Eu Não Sou Nada Teu (com Conrado Segreto). Zé Manoel também é o pianista do disco, formando um grupo com Allen Alencar (guitarra), João Paulo Deogracias (baixo e synth) e Richard Ribeiro (bateria e percussão). Cantora e bando num entrosamento invejável. Fafá de Belém de certa forma segue uma tendência entre artistas veteranos da MPB, de equilibrar o repertório entre medalhões e jovens compositores. Ney fez isto com maestria em Atento aos Sinais. Outros intérpretes contemporâneos erraram na medida, mas Fafá de Belém escolheu canções que se encaixam umas às outras, de uma forma que soam como se fossem todas feitas numa mesma época, e para ela.

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