Memória

Beth Carvalho, o adeus da madrinha do samba

Cantora dedicou mais de 50 anos à música brasileira

JOSÉ TELES
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Publicado em 01/05/2019 às 7:28
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Cantora dedicou mais de 50 anos à música brasileira - FOTO: Foto: divulgação
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Seis meses atrás, a Sony Music disponibilizou nas plataformas digitais alguns dos principais títulos, até então fora de catálogo, da extensa e preciosa discografia da cantora Beth Carvalho, falecida ontem, no Rio de Janeiro, aos 72 anos. Entre os discos da cantora, dois que podem ser considerados seminais para o samba, De Pé no Chão (1978) e No Pagode (1979), produzidos por Rildo Hora. Além destes Beth (1986), com composições de nomes que ela ajudou a tornar conhecidos (Almir Guineto e Zeca Pagodinho), Ao Vivo em Montreux (1987) e mais duas coletâneas.

 No primeiro álbum está com a turma do bloco Cacique de Ramos no segundo repete a dose, e populariza no país o termo “pagode”, sinônimo de festa de samba, que acabou batizando o meloso samba romântico. Ressalte-se que há 40 anos, não havia necessidade de se acrescentar um “de raiz” ao gênero para que se entendesse que se tratava de samba autêntico. Em De Pé no Chão o grande sucesso foi Vou Festejar (Jorge Aragão/Dida/Neoci), e No Pagode, foi Coisinha do Pai (Jorge Aragão/Almir Guineto/Luiz Carlos da Vila).

 Beth Carvalho foi a cantora mais popular do Brasil, entre 1971 a 79, quando levou o samba às paradas do país inteiro, tornou a música do subúrbio carioca palatável a todas classes sociais. Mas até então era popular por Andança (Danilo Caymmi/Paulinho Tapajós/Eduardo Souto), uma “toada moderna”, que defendeu no Festival Internacional da canção de 1969, com o conjunto de iê-iê-iê The Golden Boys. A música foi um dos maiores sucessos do ano, e deu nome ao primeiro álbum de Beth Carvalho, lançado há 50 anos.

 Um ano antes de Andança, ela era vocalista de um grupo à Sergio Mendes, o Conjunto 3 D, de que participavam, entre outros, Antônio Adolfo, Hélio Delmiro, e Eduardo Conde. Andança estourou, é tocada até hoje, virou obrigatória em repertório de cantor de barzinho, mas foi com o samba de compositores de escolas, ou da Zona Norte carioca que marcou época. Frequentadora das rodas do Cacique de Ramos, revelou o grupo Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, e Zeca Pagodinho. Além destes popularizou músicas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Nei Lopes.

 Beth Carvalho começou, em 1965, gravando bossa nova, um compacto, na RCA, com as obscuras Namorinho (Mário de Castro/Athayde), e Por quem Morreu de Amor (Menescal/Bôscoli). Mereceu inclusive um tratamento de primeira. O arranjador nesta sua estreia foi Eumir Deodato e Roberto Menescal toca violão em Por quem Morreu de Amor. Seu LP de estreia é de uma fase de entressafra da MPB, com censura batendo forte, muita gente no exílio. Canções de metáforas obscuras tentavam driblar os censores. Influências dos arranjos do pop americano de Jimmy Webb ou Burt Bacharach. Predominavam as canções de Taiguara, Edmundo Souto, Tibério Gaspar.

 No começo dos 70, Beth Carvalho descobriu que podia agradar com o samba do subúrbio. Em 1973, ela tocou no Carnaval com o samba-enredo Mangueira em Tempo de Folclore (Jajá/Preto Rico/ Manoel). No ano seguinte, Beth emplacaria seu primeiro grande sucesso no samba com 1800 Colinas (Gracia do Salgueiro).

 RIVALIDADE

 Coincidentemente, na mesma época a mineira Clara Nunes, que começou nas hostes do iê-iê-iê, estourou com o samba Você Passa Eu Acho Graça (Ataulfo Alves/Carlos Imperial), que mudou o curso de sua carreira. No início dos anos 70, ninguém se lembrava mais de sua militância na Jovem Guarda. Agora era a Clara sambista. As duas sambistas ensaiaram uma rivalidade que lembrou a dos velhos da Rádio Nacional. Beth Carvalho, por exemplo, alfinetava Clara, atribuindo seu sucesso no rádio ao fato de ela ser casada com um produtor e radialista famoso, Adelzon Alves. Clara queixava-se que Beth vestia branco para imita-la.

Rivalidades à parte, o samba nunca esteve em melhor situação do que na época em que fazia sucesso com as duas. Embora tenha continuado a gravar, fazer shows, parado uma época por problemas de coluna, Beth Carvalho deixou de fazer sucesso a partir da implantação de uma monocultura musical no país, inclusive a do pagode romântica, daninha ao samba tradicional. Suas últimas gravações aconteceram em janeiro de 2019, ao lado de Nelson Sargento, uma participação no EP do jovem sambista, da Mangueira, Enzo Belmonte, e com seu produtor preferido, Rildo Hora.

AMIGOS

 Botafoguense e Mangueirense, Beth Carvalho estava internada desde janeiro deste ano, no Hospital PróCardíaco, em Botafogo, zona sul do Rio e morreu vítima de infecção generalizada. Repercussão: “Queridos amigos e fãs, nossa querida Beth Carvalho partiu hoje as 17h33, cercada do amor de seus familiares e amigos. Agradecemos todas as manifestações de carinho e solidariedade nesse momento. Beth deixa um legado inestimável para a música popular brasileira e sempre será lembrada por sua luta pela cultura e pelo povo brasileiro. Seu talento nos presenteou com a revelação de inúmeros compositores e artistas que estão aí na estrada do sucesso.

Começando com o sucesso arrebatador de Andança até chegar a Marte com Coisinha do Pai, Beth traçou uma trajetória vitoriosa laureada por vários prêmios, inclusive um Grammy pelo conjunto da obra. Assim que possível, informaremos sobre o sepultamento. Página oficial de Beth Carvalho.

 “Beth Carvalho sempre foi um sonho de consumo do Manhattan. Trazer para um show intimista, como fazemos na casa, seria realmente perfeito. E depois de tentar várias vezes, conseguimos trazer para o aniversário de 10 anos, em novembro de 2015, a madrinha do samba do Brasil. Foi o último show dela no Recife. E já vimos uma Beth Carvalho relativamente debilitada, por um problema de coluna, mas que não tirava o brilho da sua apresentação. O show foi maravilhoso, todos dançaram, todos curtiram, porque trazer Beth Carvalho após oito anos sem se apresentar no Recife, era um troféu do Manhattan a seus clientes e para o público pernambucano. Ela era muito simpática, ativista, indignada com o que o povo estava sofrendo.” Ronald Menezes, proprietário do Manhattan Café Theatro.

 “Muita tristeza com a partida da amiga e colega Beth Carvalho. Que toda a família tenha o conforto da fé.” Gal Costa, cantora “O samba está de luto! Com muita dor no coração que eu falo assim, mas Deus sabe o que faz, a gente não sabe o que fala. Que vá com Deus e com os anjos. São os meus sentimentos.” Gilberto Gil, cantor “Beth Carvalho foi uma das maiores maravilhas do Brasil. Ela se tornou a madrinha do renascimento do samba no Rio de Janeiro. Uma das maiores expressões da nossa cultura. Tenho saudades dela. Caetano Veloso , cantor 'Um dos mais importantes nomes do samba e voz que cantava com alma as cores de nosso pavilhão', Escola de samba Mangueira

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