Disco

Luiz Ayrão é um sambista de respeito

Depois de dez anos, ele lança disco de sambas inéditos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 03/06/2019 às 12:59
Foto; Luís França/Divulgação
Depois de dez anos, ele lança disco de sambas inéditos - FOTO: Foto; Luís França/Divulgação
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“Lancei o último disco há dez anos, o CD acabou e perdi o interesse. Cheguei a gravar, algum tempo depois, um disco com releituras de sucessos meus, mas acabei arquivando. Ninguém quer mais saber de CD, então fiquei esperando pra ver no que ia dar. Agora, a Universal Music quis fazer este disco de músicas inéditas. O panorama mudou, agora é a internet, vieram as plataformas digitais, que não sei bem como funcionam, as redes sociais, que ajudaram a eleger até um presidente”, diz o carioca Luiz Ayrão, que está com disco novo circulando nas principais plataformas de músicas para streaming, Um Samba de Respeito.
Ayrão completa 50 anos de música, contando do primeiro compacto (o que hoje se chama de single), lançado em 1968, na era dos festivais: “Em 1968, eu participei do festival O Brasil Canta no Rio. Veja só, na véspera do AI-5, e eu apresentando uma música chamada Liberdade, Liberdade, uma loucura. Cheguei no camarim estava um coronel, à paisana. Não deixou nem eu tomar fôlego, já foi dizendo que a música estava desclassificada porque incitava a rebeldia. Naquele tempo, em todo lugar tinha um coronel, um interventor.

Quando me formei em direito e fui trabalhar, onde chegava havia o chefe da repartição e o coronel. Hoje tem muitos militares, mas é outra época, outro Brasil. Tudo bem, tá uma confusão, mas vamos esperar um ano pra ver no que vai dar”, conta Ayrão, filho de um capitão do Exército, reformado precocemente por causa de problemas cardíacos, e que morreu aos 40 anos, em consequência de um aneurisma.

A estreia de Luiz Ayrão em disco passou despercebida, afinal nem ele mesmo fazia muita fé no seu talento como intérprete. Como compositor, no entanto, já era sucesso. Um ano antes, foi levado às paradas do país com Nossa Canção, lançada por Roberto Carlos, no auge da Jovem Guarda: “Nunca fui do iê-iê-iê, fiz algumas coisas, mas meu negócio sempre foi samba. A primeira música do disco novo, Tentação, é do meu pai. Ele compunha, tocava violão, mas não podia ser artista porque era militar. Eu era a única pessoa que escutava as composições dele. Decorei todas. Esta eu cantava para os amigos, no camarim. O pessoal ouvia e pedia pra eu gravar, acabei gravando mesmo com Zeca Baleiro e Zeca pagodinho”, explica-se Ayrão.

Roberto Carlos o gravou quando já se tornara um dos maiores vendedores de discos do país, mas não foi tão difícil chegar ao Rei. Os dois se conheciam de Lins de Vasconcelos, bairro da Zona Norte carioca:

“Sempre fui do samba, mas ninguém queria me gravar. Tinha um caderno cheio de sambas. Mas naquele tempo tinha Ataulfo Alves, Mario Lago, Zé Kéti, quem iria gravar um garoto de 17 anos? Ai entra Roberto Carlos. Ele veio do Espírito Santo e foi morar em Niterói, mas era complicado vir pro Rio, pegar a barca, que atrasava, estas coisas. Foi morar no bairro em que eu morava. O pessoal falava a ele sobre um garoto que fazia música e tocava violão, que na época era um instrumento de gente velha. Acabamos nos conhecendo. Ele foi a minha porta de entrada na música. Eu tinha feito uma toada pensando em oferecer para Luís Vieira gravar. Se chamava Nossa Canção. Roberto escutou, gostou e gravou. Com o que ganhei com direitos, comprei um carro e dei entrada num apartamento. É mole? No ano seguinte (1968) gravou Ciúmes de Você”. Roberto Carlos gravou Luiz Ayrão pela primeira vez quando se encontrava no limiar do sucesso. No LP Splish Splash, de 1963, o calipso Só Por Amor.

JOIA

No início dos anos 70, com o regime endurecido, as gravadoras incentivavam a música entretenimento, a fim de evitar o contratempo de composições censuradas ou discos recolhidos das lojas. Foi quando sugiram os falsos importados, cantores brasileiros disfarçados de americanos, que cantavam em inglês. O forró urbanizado de sutil duplo sentido, e o samba desengajado. Benito de Paula, Agepê, Luiz Américo, Gilson de Souza e Luiz Ayrão os mais bem sucedidos desta vertente do samba, que alguns consideram o antepassado do pagode romântico.
Lencinho, Porta Aberta, Bola Dividida, foram alguns dos sucessos que Ayrão emplacou nos anos 70, além dos que forneceu para vários intérpretes. Empregando um termo tão comum atualmente, ideologizada, a imprensa malhava este estilo, e o rotulou, pejorativamente, “samba jóia”. Luiz Ayrão se irrita quando comenta sobre o assunto:

“Quem inventou esta merda, com perdão pela expressão, foi um jornalista, Tárik de Souza, um garoto da Zona Sul, que nunca tinha ido a uma roda de samba, nem vestido uma camisa do flamengo. Um cara filho de uma família importante, dizem que estudou música clássica. Então inventou isto porque era contra o que a gente fazia, que era popular. O que atendia ao povo, pra ele não prestava, eu, Benito, Roberto Ribeiro, Agepê”.

DISCO
Um Samba de Respeito tem uma ou outra faixa que poderia se encaixar no que se convencionou chamar de “samba joia”, mas a maior parte é samba dos que passaram a ser rotulados de raiz, para não ser confundidos com o pagode romântico. Tentação do Malandro, que abre o álbum, é samba de breque, que Moreira da Silva não titubearia em grava-lo. Ayrão canta este com dois Zecas, Pagodinho e o Baleiro. Ele retoma o estilo dos anos 70, em Um Samba Merece Respeito, desta vez microfones divididos com Alcione e Diogo Nogueira.

Luiz Ayrão domina o idioma do samba, e seus dialetos. No Cravo e na Ferradura é um sambão de quadra, daqueles que Beth Carvalho tornou sucesso radiofônico nos anos 70. O especialista Xande de Pilares reforça o balanço deste samba. Do alto dos seus 77 anos, Luiz Ayrão conserva o bom humor que repassa para sua música. A oxitocina é um hormônio produzido no hipotálamo, que é conhecido como hormônio do amor. Nunca tinha termo encontrado na música popular, até Ayrão ler um artigo sobre o assunto, e achar que dava samba:

“Quando você chega perto de uma moça e sente aquela atração é o efeito da oxitocina, que é chamado o hormônio do amor. Quando a mulher vai ter um filho, sente as dores, mas a oxitocina diminui essa dor, porque ela fica feliz porque vai ter um filho. Vi isso numa reportagem. Oxitocina não é uma palavra comum, mas gosto de usar palavras assim. Em Bola Dividida em usei, por exemplo, a androginia”, comenta.

O dono do disco abre espaço para reverenciar uma lenda do samba, Hildmar Diniz, que trouxe para ele um samba de quadra, Pobre Passarinho, daqueles que só os da antiga ainda fazem, a linha de Cartola ou Nelson Cavaquinho. Em outros tempos Pobre Passarinho seria sucesso no Carnaval, quando as rádios ainda tocavam música variada. Por isto Luiz Ayrão confessa que não sabe como será a história deste novo álbum: “Ainda é cedo pra saber o que vai tocar, acabou de sair. Além do que mais hoje não se trabalha mais disco como antes.

O problema é com o rádio. Aqui tem a Rádio Globo, que é como a Rádio Jornal daí, aproveito para mandar um abraço pra Geraldo Freire, meu amigo há 40 anos. Estas rádios têm muita conversa, mas tocam a gente sem cobrar. Já as rádios que só tocam músicas, nestas só pagando”.

 

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