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Lula Côrtes e Rosa de Sangue uma espera de 39 anos

Disco gravado na Rozenblit continuava inédito

José Teles
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José Teles
Publicado em 22/06/2019 às 19:04
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Disco gravado na Rozenblit continuava inédito - FOTO: Foto: Divulgação
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Durante anos, o álbum duplo Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, notabilizou-se como o disco mais raro, portanto, o mais caro, da música brasileira. É raro porque parte do que foi produzido perdeu-se com a grande inundação do Rio Capibaribe em 1975. Porém, muito mais raro é Rosa de Sangue, de Lula Côrtes, gravado em 1980, na Rozenblit, como também foi Paêbirú, cinco anos antes.

 Ambos deixaram o prateleira destinada às raridades: Paêbirú foi relançado pela Polysom, em vinil, em maio e Rosa de Sangue sai do ineditismo e volta às lojas também pela Polysom, licenciado pela Somax, que detém os direitos sobre o acervo da extinta Fábrica de Discos Rozenblit. Outro disco de Lula Côrtes, com Lailson, Satwa (1973), está na agulha para um relançamento, possivelmente com faixas extras.

 Inéditos no Brasil, a trinca, assim como outros álbuns do udigrudi pernambucano dos anos 70, saíram no exterior pelos selos Time-Lag e Mr. Bongo. Rosa de Sangue (que seria tradução de Rozenblit, nome de origem romena-judaica) foi gravado em fevereiro de 1980, num processo diferente de Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol. Não teve o improviso do disco feito com Zé Ramalho. Lula Côrtes chegou ao estúdio com as composições prontas. Embora ele não cante com uma banda fixa, a produção obedece a parâmetros regulares.

Depois de tocar na banda de Alceu Valença, Lula Côrtes veio ao Recife e acertou a gravação de um novo disco como contratado da Rozenblit, que estava a caminho do fim. A indústria do disco no país se modernizara.

 MOVIMENTAÇÃO

 Naquele ano de 1980, a chegada da alemã Ariola movimentou o mercado da música no país. Os alemães aterrissaram no Brasil com os cofres abarrotados de dinheiro. Investiram pesado na MPB, contratando a peso de ouro nomes como, entre outros, Chico Buarque, Moraes Moreira, Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Ney Matogrosso. Coberta de dívidas com bancos, a gravadora fundada por José Rozenblit e seus irmãos não tinha como competir com multinacionais. No entanto, o estúdio, mesmo obsoleto, ainda estava em boas condições.

No texto do encarte, Lula Côrtes faz uma alusão às deficiências técnicas: “Hoje, a precisão de todas as máquinas pouco me interessa. Os sons que escuto e que provoco são retratos da minha falta de calma, da excitação dos climas que me envolvem ... Não me importo com a qualidade europeia das caixas e dos microfones, nem com estes estúdios de 1002 canais, porque pra mim este momento, o álbum, não se chama disco, nem se chama música: isto se chama minha vida”.

 O repertório do álbum, segundo ele, era um documento simplificado do show solo que apresentou no final de 1979 até o início de 1980, no Recife, Olinda e João Pessoa. Ele praticamente desceu do palco e foi para o estúdio na Estrada dos Remédios, em Afogados, onde funcionava a Rozenblit. Hélio Rozenblit e Jaílson Romão na mesa de som operaram milagres, agora ressaltados pela masterização e nova mixagem a partir da fita master (muito superior aos relançamentos gringos, realizados a partir dos discos).

 O realce dos instrumentos é bem constatado em faixas feito a instrumental Nordeste Oriental (que tem a viola de 12 cordas de Jarbas Mariz, há anos tocando com Tom Zé), ou na indiana Bahjan – Oração para Shiva, com vocais e harmônio de Ratnabali (cantora indiana, que morou no Recife, em 1980).

 ESTILO

Neste álbum, Lula Côrtes forja definitivamente seu estilo inconfundível. Um canto quase falado, a melodia como um apoio para o que ele pretende dizer. A variedade de músicos enriquece a sonoridade do disco. Em São Várias As Trilhas – Disco Voador (no encarte está grafado “São Cárias As Trilhas”), súbito surge um solo de Zé da Flauta, no final, o próprio Lula toca um minimoog. O clima ainda tem muito do psicodelismo da década de 70, mas obedecendo regras, embora sempre imprevisível ao longo do álbum, fechado com o instrumental Rosa de Sangue, que lembra um Black Sabbath com sotaque nordestino, com Lula Côrtes no tricórdio (elétrico e acústico) e sintetizador; nos vocais com Wellington e Lula Henrique; a guitarra de Zé Rosas e a bateria do citado Lula Henrique.

 De Rosa de Sangue ele incorporou ao seu repertório de shows Balada da Calma (Rodolfo Aureliano), Noite Preta (parceria com Alceu Valença e Zé Ramalho), Dos Inimigos e A Pisada É Essa (frevo de Capiba). Alceu Valença estava de passagem pelo Recife, de volta da França, e participou do disco no backing vocal de Lua Viva, Nordeste Oriental (com aboios e lamentos) e Noite Preta. DISPUTA

 O motivo de Rosa de Sangue só ter sido lançado quase 40 anos depois de gravado deve-se à contratação de Lula Côrtes pela Ariola no mesmo ano. Com um álbum pronto na Rozenblit, ele partiu para o Rio a fim de fazer o que seria O Gosto Novo da Vida, que chegou às lojas em 1981. A faixa Desengano (parceria com Tito Lívio) começava a tocar Brasil afora, escalando as paradas. Foi aí que entrou o advogado da Rozenblit. A querela jurídica levou a Ariola a retirar O Gosto Novo da Vida de circulação.

 Até então, de Rosa de Sangue foram produzidos talvez 30 LPs. O lançamento também foi sustado: “Com Rosa de Sangue vem aquela história do contrato. O artista assina e a gravadora fica com exclusividade do que gravou por dez anos. Ele foi contratado por outra gravadora e gravou músicas do mesmo Rosa de Sangue. A gente foi em cima e eles tiraram o disco. Lula não nos falou nada. Achou que tinha sido liberado por papai pra gravar em outra gravadora. Ele podia gravar, mas não as mesmas músicas. Mas nunca tivemos problemas com Lula, um dia nos encontramos por aqui, continuava a mesma amizade”, comenta Hélio Rozenblit, filho do fundador José Rozenblit.

 Tornaram-se raros os dois discos. Rosa de Sangue está de volta (se bem que em edição limitada), enquanto O Gosto Novo da Vida continua no índex. O acervo da Ariola Brasil hoje está sob controle da Universal Music.

 

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