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Selo Sesc continua a lançar biscoitos finos

Do erudito Henrique Oswald à volta do grupo Rumo

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 21/07/2019 às 9:32
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Do erudito Henrique Oswald à volta do grupo Rumo - FOTO: Foto: Divulgação
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O que há de comum entre os discos Garoto, do violonista Paul Bellinati, O Romantismo de Henrique Oswald, do pianista José Eduardo Martins e do violinista belga Paul Klinck, Universo, do grupo Rumo, e Dança do Tempo, do multi-instrumentista Teco Cardoso, do violonista Swami Jr. e do acordeonista Bebê Kramer? Os quatro são lançamentos do Selo Sesc, todos com edições digitais e físicas. Comungam também entre si um conceito de qualidade que não se curva ao fácil de ocasião.

Na área da música erudita no Brasil às vezes tem-se a impressão de que só houve um compositor, Heitor Villa-Lobos. Por esta e outras, louve-se a gravação de um disco dedicado à obra de Henrique Oswald (1852/1931). Nascido no Rio, filho de pai alemão, mãe italiana, Oswald morou boa parte da vida na Europa. Considerado o maior dos autores românticos da música clássica brasileira, Henrique Oswald é interpretado pelo principal especialista em sua obra, José Eduardo Martins.

 A segunda parte do disco tem só Martins ao piano, a primeira ele e Klinck. Há um intervalo de duas décadas entre ambas as partes. A primeira foi gravada em 1995, em Bruxelas, para um disco lançado pelo selo PKP. Foram pinçadas daquele álbum, os quatro andamentos da Sonata em Mi Maior Para Violino e Piano, composta em 1908, mais três peças avulsas, Romance, em dois andamentos, de 1904, e Nocturne, de 1921.

Em piano solo, dez bluettes, mais duas valsas e cinco temas avulsos, músicas curtas para saraus em Florença, onde o compositor viveu. O repertório do CD é composto por 24 peças, as mais longas chegam a cinco minutos. Juntas somam 77 minutos de suavidade e beleza.

Em 2017, o Sesc Pompeia criou um projeto intitulado Encontros Instrumentais, camerísticos, com grupos com poucos integrantes. A característica do projeto era a de reunir músicos que nunca tinham tocado juntos. Swami Jr. e Teco Cardoso se conhecem de muitos anos, foram alunos do maestro Claudio Leal Ferreira. Swami foi quem teve a ideia do trio com Teco e o acordeonista Bebê Kramer.

Como este mora no Rio, os três armaram o show trocando e-mails e combinaram se encontrar a dois ou três dias do concerto. Decidiram inicialmente tocar um repertório de músicas conhecidas, e algumas autorais. Acabaram tocando as próprias composições, a exceção é Da Bahia ao Ceará, de Moacir Santos. Quatro são de Bebê Kramer, cinco de Swami Jr. e duas de Teco Cardoso. Uma instrumentação peculiar, acordeom, violão, sax e flautas. Para quem jamais tocou junto, a trinca está para lá de azeitada, com os espaço democraticamente divididos entre eles.

A produção do disco é assinada pelos três. Dança do Tempo é de música popular, boa parte de chorinhos. Mas pela bagaceira que domina o mercado é como se fosse um álbum erudito. O projeto gráfico é biscoito fino, assinado por Alexandre Amaral e Alexandre Calderero.

GAROTO

O paulista Aníbal Augusto Sardinha, nome de batismo de Garoto, foi um virtuoso, tanto como violonista quanto como compositor. Morreu jovem, 40 anos incompletos, em 1955. Mas fez história. Entre outros episódios, foi violonista de Carmem Miranda nos Estados Unidos. A sofisticação harmônica e moderna de sua música levou a que ele fosse considerado um precursor da bossa nova.

No entanto, Garoto escapou de cair no esquecimento graças a uma parceria póstuma com Vinicius de Moraes e Chico Buarque, que se tornou um clássico da música brasileira: Gente Humilde. A melodia foi composta nos anos 40 e permaneceu inédita até 1970, quando Chico a lançou no álbum Construção. A letra é quase inteira de Vinicius, que convidou Chico Buarque a entrar na parceria (nos versos: “Pela varanda/flores tristes e baldias/como a alegria/que não tem onde encostar”).

Gente Humilde abre o repertório do álbum Garoto, do violonista Paulo Bellinati, que imergiu na obra do compositor em 1982, pesquisando e resgatando partituras. As gravações deste disco foram realizadas em 1984 e lançadas em LP em 1986 pela gravadora Marcus Pereira (reativada pela Copacabana). O interesse pela música de Garoto foi despertado em Bellinati ao escutar um disco de Laurindo de Almeida, que traz três composições suas.

Daí ele foi a Ronoel Simões, amigo pessoal do músico, em cujo acervo estavam várias músicas inéditas, em acetato, convenientemente passados para cassetes. As 11 faixas do CD têm som perfeito, cristalino, na digitalização e remasterização assinadas por Lelo Nazário. A Edições SESC tem ainda em catálogo o livro Choros de Garoto (de 2017, uma parceria com o Instituto Moreira Salles). A obra é assinada por Jorge Mello, Henrique Gomide e Domingos Teixeira), e consiste num biografia sucinta mais partituras de composições de Garoto.

RUMO

 Coroando este quarteto de álbuns, o requinte do inclassificável Rumo, grupo surgido em 1970, em São Paulo, que debandou em 1990 e se reuniu para gravar Universo. Com exceção de Ciça Tuccori, falecida em 2003, a formação do Rumo neste disco traz seus fundadores de 45 anos atrás: Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Geraldo Leite, Akira Ueno, Paulo Tatit, Gal Oppido, Zecarlos Ribeiro, Pedro Mourão e Hélio Ziskind. Eles conseguem conciliar sofisticação melódica, harmônica e vocal, com acessibilidade.

Curioso é que o grupo parece que rejuvenesceu, nunca esteve tão pra cima, numa coleção de 14 músicas, que vão do rock ao dub, quase todas radiofônicas, de letras, em sua maioria, bem-humoradas, sem ser engraçadinhas. Um dos melhores discos da ótima obra do grupo.

 

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