ESPECIAL: JACKSON 100 ANOS

Jackson dá adeus ao Recife

Após serem agredidos, em evento na casa de Eládio de Barros Carvalho, Jackson do Pandeiro e Almira decidem deixar a capital pernambucana

JOSÉ TELES
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Publicado em 25/08/2019 às 8:30
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Em fevereiro de 1954, a imprensa do país inteiro, sobretudo do Sudeste, abordava a agressão da qual Jackson do Pandeiro e Almira Castilho foram vítimas numa festa na casa de Eládio de Barros Carvalho, o mesmo que hoje dá nome ao estádio do Clube Náutico Capibaribe. Jackson e Almira eram os artistas mais badalados de Pernambuco, e foram convidados para animar o evento. O ciumento Jackson não se agradou quando Guerra Holanda, jornalista da Folha da Manhã, passou a proferir gracinhas e tentar apalpar sua mulher. Ela tentava se desviar do afoito, mas era quase impossível. Foi quando o tempo fechou. Cearense, um jogador do Náutico, entrou na briga, ele e vários outros. Jackson e Almira escaparam de serem massacrados por um providencial tiro de pistola, para o alto, desferido por alguém em momento oportuno.

Os dois correram, pularam o muro para escapar do linchamento. “Quando olhei pra Jackson vi que um dos olhos estava fora do globo ocular”, contou Almira, muitos anos depois, quando voltou ao Recife no final dos anos 80.

Na cidade, a imprensa local foi relativamente discreta ao noticiar esta batalha dos Aflitos, que levou o cantor paraibano ao hospital. Era impossível não publicá-la, afinal, Jackson do Pandeiro, embora ainda contratado da Rádio Jornal, era um nome de fama nacional, tocava no país inteiro. Por outro lado, a confusão acontecera na casa de um dos mais ilustres nomes da alta sociedade pernambucana.

O Jornal do Commercio maneirou na notícia, que o Jornal Pequeno deu embutida na cobertura do cotidiano da Câmara Municipal: “Um vereador trouxe a consideração do plenário o assunto do casal Jackson do Pandeiro e Almira Castilho esbordoado na madrugada desta segunda-feira na residência do senhor Eládio Barros de Carvalho, ex-presidente do Náutico, quando se comemorava carnavalescamente a vitória das cores alvirrubras quando da conquista do tricentenário da Restauração Pernambucana. Como se não estivéssemos na época das máscaras e dos lança-perfumes”.

O Diario de Pernambuco, mesmo sem abrir um grande espaço, foi quem melhor detalhou o quiproquó, até porque o problema era do concorrente. A manchete: “Agredido a Socos e Cadeiradas Conhecido Casal de Radialistas. Quando Jackson do Pandeiro começou a discutir com o rapaz, aproximou-se outro e o chamou para a briga. Quando o cantor foi tomar satisfações, os amigos caíram de pau em cima dele e de Almira. Só a muito custo, Jackson e sua esposa conseguiram deixar o local e, bastante feridos, foram submeter-se aos curativos de urgência no Hospital de Fernandes Vieira, onde relataram o ocorrido ao investigador Severino Vicente da Silva que, por sua vez, a transmitiu ao delegado Paulo do Couto Malta, que tomou providência a respeito do inquérito regular. As contusões e escoriações sofridas por Jackson do Pandeiro estenderam-se mais ao rosto. O conhecido artista do rádio está na iminência de ficar cego, achando-se entregue aos cuidados do oculista Francisco de Assis”.

No Rio, em entrevista à Radiolândia, Jackson do Pandeiro contou sua versão do incidente: “Não tive o menor apoio, nem da rádio nem do jornal. Todos diziam que eu é que tinha provocado os acontecimentos”. Ele só livrou a cara do dono do presidente do grupo F. Pessoa de Queiroz, que se encontrava em São Paulo, para uma cirurgia de vesícula: “Se ele estivesse lá tenho certeza de que eu não seria tratado como fui”, disse Jackson.

Ele e Almira pediram a rescisão de contrato, assinado em 1953, válido até 1957, o que lhes foi negado. O casal pagou para ir embora. Com prejuízo, no qual estavam embutidos 54 mil cruzeiros ganhos com a renda de shows e de venda de discos.

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José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro, nasceu em 31 de agosto de 1919, na Paraíba - Reprodução
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Pelo Brasil afora se comemora o centenário do chamado 'Rei do Ritmo' - Reprodução
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Jackson e Alceu, um de seus muitos parceiros musicais, durante o projeto Pixinguinha, em 1978 - Reprodução
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Jackson Frevando ao lado de Almira Castilho, parceira na vida e na música - Reprodução
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Ao lado de Anastácia, amiga e parceira de trabalhos - Reprodução
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Jackson, Almira Castilho e banda - Reprodução
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Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva e João do Pife - Reprodução
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Jackson e a baiana Neuza, sua última esposa - Reprodução
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Jackson do Pandeiro foi pauta de muitas publicações especializadas - Reprodução
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E participou de muitos eventos - Reprodução
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Episódio de agressão, durante evento no Recife, fez com que deixasse a cidade - Reprodução
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Alagoa Grande, cidade natal de Jackson do Pandeiro, abriga um memorial em sua homenagem - Divulgação

REVOLTADO

Jackson do Pandeiro ainda não tinha colocado o pé no chão, nem parecia entender a fama que lhe chegara tão súbita. 54 mil cruzeiros era muito dinheiro para se entregar para alguém guardar, tendo como garantia apenas um recibo. Alcides Lopes, o diretor da rádio sabia disso, tanto que depositou a quantia num banco, que, por azar, faliu na semana seguinte. Jackson chegou a chorar durante a entrevista, e jurou não mais pôr os pés na capital pernambucana. O repórter da revista diz que ele voltará quando a saudade apertar. Ao que Jackson rebate: “Que saudade? Saudade eu tenho da minha terra, a Paraíba. Almira, sim, que é de Pernambuco. Por ela, pode ser que a gente volte. Mas por mim, nunca”.

A jura de Jackson do Pandeiro só durou um ano. Em 8 de fevereiro de 1956, ele e Almira eram anunciados como atrações principais do Carnaval no Varandão, no Palácio do Rádio, onde funcionava a PRA-8, Rádio Clube de Pernambuco, a maior concorrente da Radio Jornal do Commercio. Era uma revista carnavalesca, da qual participaram vários artistas – de fora, e do elenco da emissora – bailarinos, e a orquestra do maestro Nelson Ferreira. O casal faria um show de despedida na noite seguinte, já divulgado como um dos maiores nomes do broadcasting nacional com sua “partenaire” Almira Castilho.

A violência que sofreu com a companheira indiretamente contribuiu para consolidar a carreira de Jackson do Pandeiro no Sudeste. Se continuasse na Rádio Jornal do Commercio talvez não conseguisse vender tantos discos. O sucesso comercial exigia que viajasse, os convites vinham de todas as partes do Brasil. Os diretores da rádio, a princípio aprovavam as idas dos seus contratados ao Sudeste porque faziam publicidade gratuita da emissora, mas começavam a se incomodar com as ausências do casal. Queriam usufruir de sua fama, porque sabiam que Jackson não demoraria a ir embora. Prevenidos, em 1953, renovaram-lhe o contrato por mais três anos.

A intenção de ir embora não se deveu apenas à briga na casa de Eládio de Barros Carvalho, e à má vontade da emissora em defendê-lo. Jackson do Pandeiro tinha crescido muito para continuar no Recife, sua saída era questão de tempo. Vitório Lattari, da gravadora Copacabana, depois de dois 78 rotações, quatro sucessos, exigia a presença do cantor no Rio, onde se tornara uma espécie de lenda. Nunca tal coisa havia acontecido antes. Um artista estourado no país inteiro, sem que o público o conhecesse. Os 78 rotações não traziam fotos, apenas o nome da gravadora.

Sua chegada ao Rio, de navio, com o compositor Genival Macedo (Almira viajaria dias depois, de avião), em abril de 1954, foi badaladíssima, conforme atesta o jornalista Nestor de Holanda, em sua coluna na revista Manchete: “Jackson do Pandeiro, cantor regional pernambucano, veio ao Rio e fechou o comércio”. Não se imagine que Nestor sofria de um ataque de bairrismo. Nestor de Holanda Cavalcanti, como o nome dá a pista, era pernambucano (de Vitória de Santo Antão).

O carioquíssimo Sérgio Porto (que assinava crônicas como Stanislaw Ponte Preta), sobrinho do crítico Lúcio Rangel, especialista em jazz e em samba, numa crônica ficcional, também na Manchete, reproduziu um debate entre um tradicionalista e um modernista. Este segundo personagem, rebatendo um elogio a Noel Rosa cita sambistas do momento: “Antonio Maria, Ary Barroso, Dorival Caymmi e Jackson do Pandeiro”, que havia gravado até aí apenas um samba, Vou Gargalhar, de Edgar Ferreira.

“Com este disco eu estourei e resolvi vir ao Rio dar uma olhada. A Almira, que nesta época fazia dupla comigo, fazendo a voz feminina em Sebastiana, resolveu vir também. Então viemos como amigos. Aqui, ela foi meu braço direito, espécie de secretária. Um dia fomos ao cinema e no cinema começou a fuzarca. Quando voltamos pro Recife, encontramos uma onda contra ela. O caso é que ela tinha um namoro com o chefe do rádio-teatro (Geraldo Lopes), e lá já estavam sabendo que a gente estava vivendo como casado. Resolvemos casar mesmo e vir de vez para o Rio. Foi bom porque no Recife não tinha mais campo pra mim. Meus discos vendiam às tulhas. Fizemos muito sucesso”, comentou Jackson, em 1972, quando voltava às páginas dos jornais do Sudeste.

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