Em 1953, quando Jackson do Pandeiro foi descoberto pelo Brasil, Luiz Gonzaga encontrava-se no auge: um dos maiores vendedores de discos do país, a ponto de a cada lançamento a gravadora RCA -Victor reservar com exclusividade suas prensas para fabricação dos seus discos. Sua influência só fazia crescer. No Nordeste surgiu, por esta época, a primeira geração de artistas gonzaguianos. No Sudeste, autores de samba, boleros e samba-canção começaram a compor nos ritmos estilizados por Luiz Gonzaga. Os nordestinos Abdias, Marinês e Zito Borborema, por exemplo, liam segundo a cartilha do Rei do Baião, usando, inclusive, trajes típicos de cangaceiros.
Jackson do Pandeiro chegou com sua própria cartilha, usava calça, camisa, muitas vezes terno e gravata, e um chapeuzinho de massa, que mais tarde seria adotado por seus seguidores – Genival Lacerda, Jacinto Silva e outros. Numa temporada na Rádio Jornal do Commercio, em 1953, Luiz Gonzaga assistiu pela primeira vez a uma apresentação de Jackson do Pandeiro e Almira Castilho. Testemunhando o entusiasmo do público que lotava o auditório da emissora, Gonzaga sagrou o paraibano como "O futuro sucessor do Rei do Baião".
Na biografia Jackson do Pandeiro – O Rei do Ritmo, de Fernando Moura e Antônio Vicente (Editora 34, 2001), Luiz Gonzaga teria elogiado as curvas de Almira Castilho, chegando a convidá-la para fazer carreira no Rio. Quando Jackson do Pandeiro mudou-se para o Rio, fizeram juntos algumas apresentações no rádio e TV. Quando Luiz Gonzaga licenciou-se para viajar pelo Nordeste, Jackson do Pandeiro e Almira Castilho foram escalados para apresentar seu programa na Rádio Nacional. Havia cordialidade, mas não amizade entre os dois. No início dos anos 60, a coluna de fofoca da Revista do Rádio alfinetava: “Embora eles digam que não, a verdade é que Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro estão mesmo de relações estremecidas”.
É provável que houvesse ciumeira do Rei do Baião que, até a chegada de Jackson do Pandeiro, não tinha rivais no mercado da música nordestina, ou regional. Ao contrário do paraibano, que nem morava ainda no Rio e já se via coberto de elogios pela elite do jornalismo carioca, Luiz Gonzaga, desde meados dos anos 40 nas rádios do Rio e São Paulo, ainda era visto com desdém. Em entrevista à Revista de Música Popular, publicação requintada dirigida por Lúcio Rangel, o baiano Dorival Caymmi teceu o seguinte comentário, em entrevista concedida ao escritor Paulo Mendes Campos, em janeiro de 1955: “A nossa música popular recebe em cada fase muitas influências exóticas e de um caráter estritamente comercial. Há muitas falsidades, como o baião e a música do morro”, uma clara estocada em Luiz Gonzaga.
Enquanto Lua fazia muito sucesso no rádio, mas continuava um artista da Zona Norte, Jackson do Pandeiro mal chegou ao Rio e foi admitido, sem restrições, no seleto universo da Zona Sul, e citado em revistas chiques, feito a Fon-Fon. No início de 1955, lá está seu nome na coluna de Rubem Braga, entre os solteiros que abraçaram a vida de casado, ao lado de Humberto Teixeira, Doris Monteiro ou Roberto Faissal. Jackson do Pandeiro e Almira Castilho se apresentaram em casas noturnas chiques de Copacabana. Nisso ele teve um precedente em Manezinho Araújo, pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, que chegou ao Rio nos anos 30, desconhecido, e logo estaria nas paradas, nas rádios de maior audiência, na convivência de gente ilustre.
ELOGIOS
Manezinho Araújo derramava-se em elogios a Jackson do Pandeiro em sua coluna na Revista do Rádio, tentando explicar o fenômeno Jackson: "Qual o segredo de Jackson? Qual a técnica usada para ser sucesso? O porquê do seu agrado, a atração popular dos seus discos? Tudo se resume nisto: Jackson é puramente típico. Não sofreu ainda nenhum burilado, é água da fonte, é pedra bruta e luz de carbureto. Suas melodias não passaram pela ciência dos eruditos. São originais, têm cheiro de mato, sabor de engenho, pinceladas do Nordeste brabo".
Pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, Manezinho Araújo preparava-se para abandonar a carreira artística, e passou a coroa de "Rei da Embolada" a Jackson do Pandeiro: "Desça daí cabra da peste e venha cantar bonito em terreiro carioca, já lhe esperam de braços abertos", escreveu no final da coluna.
Mas ele foi alvo de elogios de gente que não tinha afinidades com o Nordeste, nem era de jogar confete, feito o crítico de música Sílvio Túlio Cardoso, um dos mais importante de seu tempo, que resenhava discos numa muito lida coluna em O Globo. Eis o que escreveu Cardoso sobre o lançamento de 1x1 e A Mulher do Aníbal:
"Parece que Jackson do Pandeiro vai arrebatar mesmo o trono de melhor artista regional do momento. Estes seus novos lados, gravados com o conjunto da Rádio Jornal do Commercio de Recife, possuem o mesmo entusiasmo, o ambiente movimentado e o appeal de Forró em Limoeiro. São alegres, de ritmo contagiante, e autênticos em seu espírito nordestino. Ambos estão mal gravados, não deixando-se entender a maior parte das letras de A Mulher do Aníbal e Um a Um, saboroso rojão, cujo tema é destes saborosos quovádicos jogos de futebol que se disputam no interior. No momento, os discos de Jackson do Pandeiro representam a melhor expressão da música regional nordestina, pela sua vitalidade rítmica e autenticidade de seu ambiente".
A prova definitiva da aceitação de Jackson do Pandeiro pela elite intelectual que gravitava pelas boates e restaurantes grã-finos da Zona Sul, sobretudo de Copacabana, é a presença do paraibano e sua mulher, Almira Castilho, numa noitada no Clube da Chave. O clube foi uma boate privê, fundada por Humberto Teixeira, com poucos e seletos sócios, cada qual com direito a uma chave da porta principal. Era frequentado pela nata do mundo artístico, mais escritores, jornalistas e alguns amigos que habitavam este universo. Luiz Gonzaga, embora parceiro de Humberto Teixeira, não foi admitido no clube.
LUIZ GONZAGA
João Januário Maciel, ou Joquinha Gonzaga, conviveu com o tio, Luiz Gonzaga, até sua morte, em 2 de agosto de 1989. Foi músico de Gonzagão e presenciou alguns momentos em que Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga encontraram-se: "As poucas vezes em que estava presente com tio Gonzaga e Jackson eu notava um comportamento do tipo um olhando pro pé do outro. Você sabe que Jackson também era temperamental. Tio Gonzaga ficava na dele, e Jackson também. O relacionamento deles não era muito legal, um ficava desconfiando do outro. Mas, nas vezes que eu vi no palco, parecia normal. Um cantava a música do outro. Não era um relacionamento amigável, de viajarem juntos, ir na casa um do outro", revela.
Mas o próprio Jackson não escondia que Luiz Gonzaga o levou a achar um caminho, quando ainda se limitava à percussão: "Naquele tempo todo mundo só queria cantar mambo, bolero, fox, tudo em língua estrangeira. Eu era o único na emissora que continuava firme no samba. Depois vi o Luiz Gonzaga cantar Mula Preta. Pensei, né, minha mãe cantava coco, que é mais pra frente, então eu vou cantar coco também. Foi daí que parti pra Sebastiana, Forró em Limoeiro, que fizeram um sucessão no Nordeste, que depois formaram o meu primeiro disco”. Este comentário de Jackson aconteceu em 1972, quando ele voltou à mídia impulsionado pela gravação de Chiclete com Banana, por Gilberto Gil, no disco Expresso 2222.
Independente da simpatia entre ambos, Jackson e Lua dividiram palcos, se visitaram e trocaram elogios. No Rio do início dos anos 80, houve uma moda de forró, com casas especializadas abertas na Zona Sul, onde nomes como Jackson do Pandeiro, João do Vale e Luiz Gonzaga eram atrações, aliás o próprio Luiz Gonzaga abriu uma casa de forró na Ilha do Governador, onde morava.