ESPECIAL: JACKSON 100 ANOS

O autor trazia a música, Jackson do Pandeiro botava ritmo

Jackson foi um garimpeiro de canções, com faro aguçado para o sucesso e numerosas parcerias

JOSÉ TELES
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Publicado em 25/08/2019 às 8:40
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Foi nesta volta ao Recife que Jackson do Pandeiro ganhou do compositor Rui de Moraes e Silva mais um sucesso, Rosa, lado A do 78 rotações com Falso Toureiro (José Gomes/Heleno Clemente), primeiro disco que gravou no Rio, ainda pela Copacabana. O bolachão subiu rapidamente nas paradas. O paraibano já não era unicamente um fenômeno, e, sim, uma estrela de primeira grandeza na constelação do rádio brasileiro.

Assim como Luiz Gonzaga, também Jackson do Pandeiro foi um garimpeiro de canções, com faro aguçado para o sucesso. O extremamente amplo espectro dos temas que cantou deve-se à quantidade de compositores que lhe forneciam músicas. Tantos que a Universal Music teve dificuldades para relançar discos originais na caixa O Rei do Ritmo (2016), por não conseguir o contato de parentes de compositores falecidos que assinassem a liberação das músicas. “Nos deparamos com autores desaparecidos, alguns sem herdeiros, editoras antigas que foram extintas, entre outros percalços” (do texto do encarte da caixa da Universal, assinado por Rodrigo Faour).

Na biografia Jackson do Pandeiro – O Rei do Ritmo, de Fernando Moura e Antônio Vicente, contabilizam-se duas centenas deles. Muitos ficaram conhecidos apenas pelo apelido. É o caso do pernambucano Maruim, apelido de Ricardo Lima Tavares, de quem se sabe muito pouco, mesmo que ele tenha sido gravado por algumas das principais vozes do forró como Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Marinês e Genival Lacerda. Entre outras, ele compôs, para Jackson do Pandeiro, O Scratch de Ouro, que alude à conquista da Copa do Mundo de 1962 pela seleção brasileira, e Imagem do Cão, de letra inimaginável nos dias de hoje, mas que na verdade é a clássica contenda de um artista com o demônio (“Cara de macaco, dente de leão/o nego era mesmo a imagem do cão/quando ele pisava sacudia o chão/e tava na cara que o nego era o cão”).

Outro criador de canções para o paraibano foi Buco do Pandeiro, autor de Cantiga do Sapo, e que também forneceu composições para Trio Nordestino, ou Walter Damasceno, primeiro imitador de Jackson do Pandeiro. Segundo Genival Lacerda, Buco do Pandeiro e Pernambuco do Pandeiro são a mesma pessoa. Mas ficam as dúvidas. Pernambuco tem discos gravados, Buco nenhum. Não há composições de Pernambuco do Pandeiro gravadas por Jackson.

PRESTÍGIO

Poucos não cediam parceria a Jackson do Pandeiro. Era praxe da época. O cantor procurava faturar em cima do seu prestígio, que garantiria também bom faturamento para o compositor que, não raro, vendia a mesma música a mais de um intérprete. Foi assim que Luiz Gonzaga e Ari Monteiro se tornaram parceiros em Meu Pandeiro. Quando descobriram que tinham comprado a mesma composição, tiraram o autor/vendedor da parada e assinaram o samba que foi lançado por Cyro Monteiro.

Assim como Luiz Gonzaga, as comparações são inevitáveis. Jackson do Pandeiro burilava a composição que recebia, adequando-a a seu estilo, tornando-se quase co-autor. Os autores da citada biografia do cantor aventam que ele poderia ter assinado a maioria das músicas que gravou: “Ele sempre interferia com um cuidado de autor. O problema é que não fazia muita questão disso. Sua praia era outra”.

Mais adiante, o irmão Cícero afirma que Jackson não poucas vezes deixou que o parceiro registrasse a composição sozinho. “Os compositores que entregavam as músicas prontas, com melodia, letra e tudo, pra Jackson chamavam-se Nilvaldo Lima, Severino Ramos, João Silva, Rosil Cavalcanti e Antonio Barros. As músicas de Edgar Ferreira todas têm parte de Jackson, mas o nome dele não saía. Em Forró em Limoeiro as dicas todas são de Jackson. A música chegou um bagaço, aí meu irmão ajeitou tudinho. Não tinha ritmo”.

Certamente Jackson incrementava o que era trazido pelos autores, porém são nítidas as evidências de que entrava na maioria das parcerias pelo alinhave que empreendia nas canções. Isto fica patente pela pequeníssima quantidade de composições que assina sozinho. No livro A Música de Jackson do Pandeiro, de Inaldo Soares, encontram-se apenas seis músicas, entre 161, que ostentam sua assinatura, quer dizer, ele assinando como Jackson do Pandeiro.

Muitas vezes o compositor ia até ele. Aconteceu assim, por exemplo, com Juarez Santiago, pernambucano de São João, mas que viveu até o final da vida em Caruaru. Em 1970, Santiago, que já tinha sido gravado por Jacinto Silva e o Coroné Ludugero, foi aconselhado a ir para Rio, tentar a sorte. Levava pouco dinheiro no bolso, e muita música inédita na cabeça. Tinha um destino certo na cidade, a Praça Tiradentes, onde, nos bares das cercanias, artistas, músicos e autores se encontravam para bater papo, tomar umas e fazer negócio. Jackson do Pandeiro costumava bater ponto na praça: “Levei o dinheiro certinho, para o hotel, comida e a viagem de volta. Cheguei num dia, no outro fui no ponto dos artistas, na Praça Tiradentes. Um cara lá me disse que Jackson não atendia ninguém ali. Vamos ver se ele não atende”, contou o compositor, em entrevista ao JC, em Caruaru, no Alto do Moura, em 2001 (ele faleceu em 2011).

Jackson o atendeu bem, mas não quis saber de ouvir música. Já estava com o repertório do próximo LP selecionado: “Eu me apresentei e falei que tinha umas músicas para mostrar. Aí ele colocou a mão no meu ombro e disse: ‘Ô corno pequeno, tu é doido mesmo, vamos até ali, almoçar e você toma uma’, e me levou a um restaurante”. Antes de se despedir ele deu um cartão a Juarez e pediu que dentro de três dias ele fosse em sua casa.

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José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro, nasceu em 31 de agosto de 1919, na Paraíba - Reprodução
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Pelo Brasil afora se comemora o centenário do chamado 'Rei do Ritmo' - Reprodução
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Jackson e Alceu, um de seus muitos parceiros musicais, durante o projeto Pixinguinha, em 1978 - Reprodução
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Jackson Frevando ao lado de Almira Castilho, parceira na vida e na música - Reprodução
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Ao lado de Anastácia, amiga e parceira de trabalhos - Reprodução
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Jackson, Almira Castilho e banda - Reprodução
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Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva e João do Pife - Reprodução
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Jackson e a baiana Neuza, sua última esposa - Reprodução
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Jackson do Pandeiro foi pauta de muitas publicações especializadas - Reprodução
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E participou de muitos eventos - Reprodução
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Episódio de agressão, durante evento no Recife, fez com que deixasse a cidade - Reprodução
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Alagoa Grande, cidade natal de Jackson do Pandeiro, abriga um memorial em sua homenagem - Divulgação

Juarez Santiago foi com o cantor Azulão, que tinha acabado de chegar ao Rio. Jackson recebeu os dois, já foi dizendo que ouviria as músicas mas que, mesmo gostando, só gravaria no ano seguinte. A primeira que mostrou foi Morena Bela. Depois de ouvir, Jackson olhou para o sanfoneiro Severo e perguntou o que ele achava”. Severo disse que no repertório do disco novo não tinha nenhuma música melhor do que aquela. Jackson pediu para Juarez cantar outra, e aí ele, entusiasmado, cantou: “Madalena meu amor, não faça assim/Ô Madalena meu amor, volte pra mim”. Jackson interrompeu novamente. “Ô corno pequeno, pelo amor de Deus, você quer me matar?”. Resumindo. Jackson do Pandeiro mexeu no repertório já pronto e incluiu as duas composições de Juarez Santiago, que seria gravado por Luiz Gonzaga, Genival Lacerda e o Trio Nordestino, entre muitos outros. Morena Bela (parceria com Onildo Almeida) abre o LP O Dono do Forró, de 1971.

Juarez contou que quando Jackson foi gravá-lo pela terceira vez, na música Aproveita Mais Sua Vida, pediu-lhe a parceria: “Corno pequeno, bota eu aí nessa. Tu já botasse muita gente na tua música, agora é a minha vez”. O compositor, que estava ansioso para gravar mais uma com Jackson, deu-lhe a co-autoria.

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