Proibição

Passinho, tango, maxixe, as danças proibidas

Elvis Presley foi censurado por mexer demais os quadris

JOSÉ TELES
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Publicado em 15/09/2019 às 7:09
Foto: JC Imagem
Elvis Presley foi censurado por mexer demais os quadris - FOTO: Foto: JC Imagem
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Um grupo de 15 rapazes e duas moças foram decapitados, em 26 de agosto de 2012, no Afeganistão, numa área controlada pelo Taliban. O motivo: estavam numa festa, e dançavam, o que o Taliban considera imoral. Sem perigo de perderem cabeças, os praticantes do passinho, dança surgida na periferia do Recife, já disseminada Brasil afora, está passível de ser proibida nas escolas estaduais da capital pernambucana.

É o que pretende um projeto de lei da deputada Clarissa Tércio (PSC) , da bancada evangélica da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Ela acredita que a coreografia do passinho expõe crianças e adolescentes a uma erotização precoce. Assim pensava sobre o tango argentino Léon-Adolphe, Cardeal Amette, Arcebispo de Paris, conforme noticiou a Revista da Semana (do Rio), 104 anos atrás: “Nós condenamos a dança, de importação estrangeira, conhecida pelo nome de tango, que é por sua natureza lasciva e ofende a moral. As pessoas cristãs não devem, em consciência, tomar parte nela. Os confessores deverão agir em conformidade na administração do Sacramento da Penitência”.

Logo, os religiosos franceses estariam prometendo o fogo do inferno para quem se atrevesse a dançar le maxixe, a dança brasileira, que virou moda em Paris. E Paris influenciava o mundo inteiro, inclusive o Brasil, onde, seguindo o Cardeal Amette, o Cardeal Arcoverde, Arcebispo do Rio de Janeiro, advertiu os fiéis para os perigos do tango e do maxixe. Caso o projeto seja aprovado na Alepe, será uma das centenas de vezes que autoridades investem contra uma modalidade de dança.

Em nome da religião, nos países muçulmanos, a dança é proibida, inclusive em espetáculos musicais. A plateia pode até mexer, discretamente, o corpo, ou bater palmas. Mas dançar, não. Veto que, na Arábia Saudita, estende-se ao artista no palco. Porém a dança é vetada apenas para os nativos. Em países árabes, do Oriente Médio, um pouco mais liberais, como é o caso da Jordânia, é permitido o funcionamento de bares, com música, para ocidentais, que podem dançar juntos.

 O passinho se dança individualmente, mesmo que em grupo. A proibição à dança, com raras exceções, procura evitar que casais juntem os corpos e rodopiem seguindo a coreografia lasciva de gêneros musicais dissolutos, entre os quais o citado tango argentino, ou o maxixe brasileiro. Nas duas primeiras décadas do século 20, ambos provocaram choro e ranger de dentes de guardiães da moralidade mundo afora. Mas o passinho, embora praticado pelos sexos masculino e feminino, é dança individual.

 Provavelmente provoca reações contrárias não pela forma como usam os braços, mas pelo movimento pélvico simultâneo. O que evoca a figura de Elvis Presley, em 1956, na sua primeira apresentação, em rede nacional, no Ed Sullivan Show, programa de audiência gigantesca nos EUA. A maneira como o Rei do Rock se mexia, da cintura pra baixo, escandalizou a barulhenta maioria silenciosa americana. Na segunda vez que Elvis Presley se apresentou no mesmo programa, só foi visto da cintura para cima. Mas não adiantou muito. Quando remexia os quadris, ouvia-se o berreiro das garotas da plateia. Quem assistia pela TV sabia do que se tratava. Vem daí o “Elvis, the Pelvis”.

 No mesmo 1956, o então governador de São Paulo soltou a polícia contra as primeira manifestações roqueiras do país, instigada pelo filme Ao Balanço das Horas (Rock Around the Clock). Um vereador de Jundiaí louvou a atitude do governador enquadrando os adeptos do rock and roll: “... dança esta que, pela mostra apresentada ao público, é um atentado público do despudor, da indecência, e do desrespeito, que vem depor contra os nossos princípios”. A censura a Elvis Presley, 63 anos atrás, teve corolários nas décadas seguintes nos EUA. Em 1984, o filme Footloose – O Ritmo Louco (dirigido por Herbert Loss) retrata a juventude de uma cidade onde o rock é proibido. O roteiro é baseado em um fato real, acontecido na cidadezinha americana de Pound, na Virginia, onde dançar em lugares públicos foi proibido durante 18 anos.

Uma lei municipal só permitia dançar em estabelecimentos licenciados pela prefeitura. Mas só se daria a licença a pessoas que fossem comprovadamente de moral ilibada. Ninguém passava pelo crivo, portanto as licenças não eram concedidas. O que durou de 1980 a 1999, quando um juiz considerou a media inconstitucional.

POLÍCIA

A proibição à dança, quase que em sua totalidade, visa manifestações nascidas entre comunidades de periferia. Foi assim com os batuques no século 19, e com o maxixe nas primeiras décadas do século 20. O conselheiro Rui Barbosa, em 1914 adjetivou o maxixe como “a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba”. Ao longo das décadas sempre surgiu algum tipo de dança que fazia aflorar a indignação de legisladores, ou da polícia.

Na ditadura militar aconteceu com o movimento Black Rio. Ao som da música de James Brown, dos brasileiros Dom Filó, Gerson King Combo, Toni Tornado, jovens negros reuniam-se em bailes concorridos e vigiados pela polícia política do regime. Músicos e frequentadores passavam por constrangimentos, tais como terem suas cabeleiras afro desmanchadas e revistadas para procurar drogas (sic). As proibições só ajudam a impulsionar as coreografias que entram no índex. O passinho, por exemplo, mesmo se for vetado nas escolas, continuará a atrair jovens, feito o funk carioca, perseguido no início e hoje dançado pelo mundo.

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