Show/Disco

Boca Livre faz shows no Recife celebrando 40 anos de estrada

Quarteto carioca lança disco independente

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 19/09/2019 às 10:57
Foto: Divulgação/Léo Aversa
Quarteto carioca lança disco independente - FOTO: Foto: Divulgação/Léo Aversa
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Radicalizar foi a proposta do grupo vocal Boca Livre ao entrar em estúdio para gravar Viola do Bem Querer, 13º disco, em 40 anos de carreira. O quarteto formado por David Tygel (voz e viola de dez cordas), Lourenço Baeta (voz, violão e flauta), Mauricio Maestro (voz e baixo) e Zé Renato (voz e violão) apresenta o show deste álbum hoje e amanhã, no Teatro de Santa Isabel. A radicalização, no caso, foi fazer um trabalho ainda mais centrado na viola, o que significa ir na contramão de um mercado dominado por timbres eletrônicos, batidas programadas, efeitos nas vozes. “Mas a viola está na música do grupo desde o começo. É uma palavra que percorreu a estrada com a gente esses anos todos”, comenta Zé Renato, que sugeriu o título do novo disco, uma composição de Breno Ruiz e Paulo César Pinheiro.

No final dos anos 70, Boca Livre era o grupo que cantava com Edu Lobo nos circuitos universitários, com azeitadas harmonias de quatro vozes. Depois de peregrinar por gravadoras, em 1979, decidiu gravar um LP independente, uma tendência na época: embora vendesse pouco, via-se mais como um ato de bravura. Até então o Boca Livre limitava-se a participações especiais num disco de Vital Lima (Pastores da Noite, em 1978), e no Clube da Esquina 2 (1979). “Todas as gravadoras rejeitaram o grupo, então a nossa opção foi ser independente, e foi um sucesso quase instantâneo. Algo que a gente não previu, de repente estava tocando no rádio. A gente apareceu no Fantástico cantando Ponta de Areia (Milton Nascimento/Fernando Brant), num domingo. Na segunda, o pessoal das lojas começou a pedir disco. Fomos os primeiros a bisar o Fantástico, que repetiu Ponta de Areia no domingo seguinte”, conta Zé Renato, que, paralelo à banda, mantém uma sólida carreira solo. No dia desta entrevista, ele ainda estava sob efeito de jet lag, recém-chegado de uma viagem ao Japão, com a cantora Joyce.

O Boca Livre não foi, claro, pioneiro na produção de disco independente na música brasileira moderna. Satwa, de Lailson e Lula Côrtes, lançado às próprias custas, é de 1973, dois anos antes de Feito em Casa, de Antonio Adolfo, sempre citado como sendo o primeiro. Ambos venderam pouco, esbarrando no dilema da produção independente: a distribuição. A procura pelo Boca Livre foi tão grande que, apesar da dificuldade de distribuir o LP, o grupo conseguiu vender cem mil cópias do álbum: “Era uma loucura, porque a gente mesmo botava os discos nas capas e ia entregar. Depois conseguimos que a Eldorado distribuísse”.

O quarteto tornou-se notícia não apenas pela execução massiva de duas faixas – Quem Tem a Viola (Zé Renato/Xico Chaves/Cláudio Nucci/Juca Filho) e Toada (Na Direção do Dia) (Zé Renato/Cláudio Nucci/Juca Filho)–, mas também por tornar a independência de gravadoras economicamente viável. A formação do Boca Livre atual só tem uma mudança para a original. Lourenço Baeta em lugar de Cláudio Nucci, que partiu para carreira solo ainda nos anos 80. Quando formaram o grupo, Nucci vinha de outra junção, chamada Semente, com Maurício Maestro e David Tygel, do Momento Quatro (do qual faziam parte, ainda, Zé Rodrix e Ricardo Villas, que se tornou preso político e entrou na lista dos que foram trocados pelo embaixador americano em 1969). Zé Renato vinha do Cantares, todos muitos jovens, continuando uma tradição de grupos vocais que remontavam ao Trio Nagô, Trio de Ouro, Garotos da Lua (que teve João Gilberto como integrante), Anjos do Inferno e Quatro Ases e Um Curinga. Todos se esmeravam nas harmonias vocais, realçando a canção.

Já foram muitos, agora contam-se nos dedos. “Realmente não existem muitos. MPB-4. O 14-Bis emprega harmonias de várias vozes, mas usam guitarras, instrumentos eletrônicos, estão mais para o rock”. “Sem compromisso algum com regras ou tendências do mercado”, o posicionamento do quarteto em relação a Viola de Bem Querer, o disco dos 40 anos de carreira, ironicamente, traz o Boca Livre ao ponto da partida. O disco é independente (distribuído pela ONErpm), o primeiro sem gravadora desde 1980, quando fizeram o segundo álbum, Bicicleta. Até o último, Amizade, de 2013, estavam em gravadora, no caso, MPB Discos/Universal Music. “A motivação de Viola de Bem Querer foram os 40 anos do Boca Livre. O repertório foi trabalhado nos shows. Amor de Índio, por exemplo, está no show que fizemos no Santa Isabel, uns três anos atrás. Foi nos shows que fomos ajustando os arranjos. A banda sempre foi fiel a esta sonoridade, com viola mais presente.

A gente começa o show com Ponteio (Edu Lobo/Capinam), uma referência também ao Momento Quatro, que defendeu a música com Edu no festival (mais Marilia Medalha e Quarteto Novo)”. O roteiro do show abre janelas para acentuar o trabalho individual do quarteto. Zé Renato, que tem mais um disco solo a caminho, canta uma música que pode surpreender a quem o conhece como intérprete de sambas, com disco inteiro dedicado a Zé Kéti ou Elton Madeiro. No show ele canta um dos maiores hits do grupo inglês The Police, Every Little Thing She Does Is Magic (de Sting). Maurício Maestro vai de Falsa Baiana, de Geraldo Pereira. O quarteto recebe o reforço de Pantico Rocha (bateria), João Carlos Coutinho (piano elétrico e acordeom), Bernardo Aguiar (pandeiro). Lourenço Baeta volta ao disco Transversal do Tempo, de Elis Regina, com Meio Termo, composição sua e de Cacaso.

Em tempos de autopromoção desvairada, o Boca Livre aparece pouco na mídia, levando muita gente a achar que o grupo se desfez. O “livre” do nome do grupo, criado durante a ditadura militar, considerando a conjuntura ideológica do atual governo, volta a ter a conotação de 40 anos atrás. Embora o Boca Livre não tenha chegado a sofrer proibições no passado, até porque o LP de estreia chegou às lojas quando terminou a censura prévia. “A gente continuou preservando a nossa liberdade artística, e convivendo com ideias que não convergem com as nossas. Por sua vez, cada um no grupo tem seu posicionamento, e cada um procura respeitar isso”, diz Zé Renato. Quanto às apreensões que pairam no ar, expressa sua opinião, “pessoal”: “Acho que a melhor maneira de resistir é realizar, e falo por mim.

DISCO

Viola de Bem Querer tem direção musical dos integrantes do Boca Livre, com arranjos assinados por Maurício Maestro. A capa, que mostra os quatro músicos num cenário muito verde, reafirma duas marcas às quais o grupo é fiel: a música rural e a MPB com influência da turma do Clube da Esquina. A primeira, em canções como Um Violeiro Toca, de Almir Sater e Renato Teixeira; a segunda, em Amor de Índio, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, lançada como single do álbum.

O álbum tem nove faixas, a maioria com a assinatura autoral de integrantes do quarteto. A canção Noite é de Zé Renato com a parceira de longas datas, Joyce Moreno, a mais urbana, e complexa das canções do álbum. Zé Renato diz que ele e Joyce têm músicas suficientes para um disco de inéditas. Viola de Bem Querer, a canção, tem um sabor dos conjuntos vocais do passado, uma toada enriquecida pela harmonia a quatro vozes, facilmente identificável. Um veio de águas cristalinas que flui entre esta refinada coleção de canções.

Show Viola de Bem Querer, com o grupo Boca Livre, hoje e amanhã, às 21h, no Teatro de Santa Isabel.
Ingressos: R$ 100 e R$ 50. Sócios do JC Clube têm 50% de desconto na compra de até dois ingressos na
bilheteria do teatro, dentro do limite de 100 ingressos. Fone: 3355-3322

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