Adilia’s Place foi escolhido como primeiro single do novo álbum de DJ Dolores, Recife 19, cujo repertório será apresentado ao vivo neste sábado, no Palco Frei Caneca, na Praça do Arsenal, na programação musical do REC ‘n’ Play. O Adilia’s Place foi um entre dezenas de prostíbulos que funcionavam no Bairro do Recife. A “zona alegre” da capital pernambucana entrou em decadência quando as operações no cais do porto foram transferidas para Suape. O Adilia’s Place, 66, já sem muito movimento, foi descoberto por um bando de jovens à procura de um espaço para curtir e dançar a música de que gostavam.
“Acho que a referência ao Adilia’s Place é que, do meu ponto de vista, o lugar foi o marco zero do manguebeat. É bom lembrar desses acontecimentos recentes, da história recente, como referências”, comenta Helder Aragão, o DJ Dolores, um dos que contribuíram para criar a movimentação cultural pop batizada de manguebeat (ou manguebit). A primeira festa que futuros mangueboys promoveram no Adilia’s Place chamou-se Sexta sem Sexo. O salão do cabaré, antes ocupado por mulheres e marinheiros, recebeu um novo e animado público. Os velhos e arranhados LPs deram vez à música eletrônica dos DJs: “Era um ambiente muito rico, lá você encontrava publicitários, conhecidos, e a molecada. O mangue refletia isso, em 1989. Pessoas de classe média frequentavam os cabarés antes, mas a gente fez com continuidade. Não era uma vez ou outra”. O Adilia’s Place está, pois, imortalizado na canção.
“Hoje tem festa na casa de Dona Adília/a nata da boêmia bota o disco pra rodar/turma da noite/caranguejo e marinheiro ...”, versos da canção, parceria DJ Dolores/Yuri Queiroga, um frevo, com ecos da desconstrução do gênero que o DJ propôs no projeto Frevotron, com Yuri e o Maestro Spok, porém menos radical: “O Frevotron teve um recebimento estranho. A gente mostrava ao pessoal da música, que dizia ter achado bacana, mas não sabiam como explica-lo ao público. A gente fazia uma frevo com poucos acordes, bem simplificado. Talvez seja a complexidade que faz com que novos músicos não façam frevo. Adilia’s Place é um frevo de uma nota só”, comenta DJ Dolores.
Embora imensamente mais acessível do que o citado Frevotron, Recife 19 (o 19 de 2019), tampouco é fácil de explicar. Suas onze faixas, muito diferentes umas das outras, são amarradas por influências de moderna música africana e da música pernambucana. Se comungam entre si alguma coisa é incitar à dança. Todas são dançantes. Todas saíram da cabeça de Hélder Aragão. O disco é arquitetado por etapas: “Componho as bases, trabalho com midi, escrevi as letras. Yuri chega com um riff de guitarra, harmonias bacanas, depois chegam os convidados, as vozes. Finalmente a edição”, explica Dolores, que ao longo dos anos encetou vários projetos, da banda Santa Massa a um grupo com Naná Vasconcelos, chamado Blind Date.
Em Recife 19 os convidados vêm de pontos, as vezes, equidistantes, feito Erica Natuza, que foi finalista do The Voice Brasil, e Isaar, ligada à música popular pernambucana desde os anos 90. Além destas, Ylana Queiroga, Henrique Albino, Maciel Salu, Catarina Dee Jah, Jr.Black, Chico Correa. E ainda músicos como Deco Trombone, Guga Fonseca (sax), Jeferson Leite (baixo), Jam da Silva (percussão), Daniel Paulino (trompete), Parrô Melo (sax), Leo D (synths), Lucas dos Prazeres (percussão) e, por fim, mas não menos importante, a lenda carioca Jards Macalé, com quem DJ Dolores inaugura parceria na faixa Mudanças: “Mandei a letra, ele topou fazer a música. Entramos em contato por um amigo comum, estive no apartamento dele”, diz DJ Dolores, que traz inquieto Macalé para um terreno em que ele não está acostumado a pisar, o dos ritmos nordestinos.
CONCEITO
Recife 19, feito certas pinturas, pede que o autor esclareça o conceito, do disco, que ele classifica de pósgênero : “Tem ciranda, kuduro, b ega–funk. Tento fazer música partindo desta ideia de dança, que leva as pessoas a misturarem os corpos, com a influência africana já no título, Recife 19, que tem a ver com Fela Kuti e o Africa 70. A África tem uma cena eletrônica muito forte. Aliás, a África é uma grande lacuna na minha carreira. Já viajei e toquei mundo afora, mas não lá”, esclarece Dolores, que está de malas pronta para ir à China, para um evento de cultura lusófona. Na apresentação no Palco Frei Caneca, ele terá mais uma convidada, Lia de Itamaracá, que adiantará duas música músicas do disco que está na agulha para ser lançado, produzido por DJ Dolores, que se apresentará com a banda e parte dos convidados com que gravou Recife 19.
PALCO
O Palco Frei Caneca FM tem programação tão eclética quanto o repertório de Recife 19. Hoje, a partir das 20h, tocam Semente de Vulcão, Estesia, Samico e a Mombojó, celebrando os 15 anos do disco de estreia, Nada de Novo. Amanhã, também a partir das 20h, antes de Dolores, se apresentam Triinca, Casas Populares da BR 232 e Rayssa Dias, que traz o brega funk e o passinho. A entrada é franca.