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Socorro Lira canta a poesia de Maria Firmina dos Reis

Poetisa foi pioneira na literatura feminina no Brasil

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 22/10/2019 às 11:55
Foto: Val Portásio/Divulgação
Poetisa foi pioneira na literatura feminina no Brasil - FOTO: Foto: Val Portásio/Divulgação
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Entre os títulos da coleção Saber Ler, da Câmara dos Deputados, um livro de capa atraente traz uma silhueta feminina: Maria Firmina dos Reis, escritora maranhense, primeira mulher romancista do Brasil. Em seu conteúdo está, além do romance Úrsula ( publicado sem o nome da autora, atribuído discretamente a “Uma Maranhense”), outras obras, de Maria Firmina. Úrsula foi lançado em 1859, há 160 anos, portanto. Mulher, afro-descendente, de um estado nordestino, soube-se pouco da escritora fora do seu Estado. Eram poucas as mulheres que sabiam ler, no Nordeste, em meados do século 19. Escrevendo livros, então, eram raríssimas. Em 1861, foi publicada uma coletânea de poetas do Maranhão, intitulada Parnaso Maranhense. Entre 52 marmanjos constavam apenas duas poetisas: Jesuína Augusta Serra e a citada Maria Firmina dos Reis.

Filha de uma mulata forra, Maria nasceu em São Luís, em 1822 (faleceu em 1917), foi professora por profissão, intelectual por vocação, bastante ativa nos meios literários da capital maranhense. Nesse seu romance, ela denúncia a condição da mulher, o regime escravocrata, embora no prólogo passe a impressão de que procura não parecer que está competindo numa área quase que exclusivamente masculina. “Não é a vaidade de adquirir nome que me cega, nem o amor próprio de autor. Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada, e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem; com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo”, diz de si mesma.

DISCO

Maria Firmina foi pioneira na literatura de resistência. Redescoberta em 1970 pela reedição em fac-símile de Úrsula, a maranhense nunca teve a mesma badalação de escritoras feito, por exemplo, Cora Coralina. Talvez esta situação seja modificada. Além da edição, em 2018, na citada coleção Saber Ler, Maria Firmina dos Reis está na vitrine também na música popular, graças a um projeto de uma cantora e compositora paraibana (de Brejo do Cruz), que elaborou o disco Cantos à Beira-Mar – A poesia de Maria Firmina dos Reis na Música de Socorro Lira (AvivaVoz/Lira Procult).

A seleção de escritos Cantos à Beira-Mar foi publicada em 1871, e está incluída no livro da coleção Saber Ler (ao lado do conto abolicionista A Escrava e do romance indianista Gupeva). Socorro Lira musicou nove poemas, emoldurando-os em ritmos variados. Um bolero envolve Uns Olhos, enquanto Uma Tarde em Cumã é um samba. O Meu Desejo veste uma milonga (há também uma versão apenas declamada) e O Volúvel se tornou um baião. Socorro, de voz límpida, afinada e fluida, canta acompanhada por um grupo formado por Jorge Ribbas (violão e arranjo), Álvaro Couto (acordeom), Cássia Maria (pandeiro, surdo, ganzá e tamborim), Clara Bastos (contrabaixo acústico), Ana Eliza Colomar (flauta, violoncelo). E ainda o violeiro Ricardo Vignini, que toca guitarra slide na faixa Ela.

“Até o ano da graça de 2017, eu não sabia que o Maranhão nos tinha dado Maria Firmina dos Reis. Apaixonei-me por ela”, explica Socorro Lira, que a conheceu num evento intitulado Mulherio das Letras, realizado em João Pessoa, no ano do centenário da escritora maranhense. A também escritora paraibana Maria Valéria Rezende deu-lhe a tarefa de musicar os poemas de Maria Firmina, tarefa que começou a cumprir com o EP Seu Nome.

Socorro Lira deu-nos um trabalho sofisticado e simples, feito a poesia da maranhense, cujos versos parecem ter sido escritos especialmente para as melodias da paraibana. Aliás, Maria Firmina dos Reis também fez música, foi parceira do conterrâneo Gonçalves Dias, numa canção intitulada Valsa. O poema Meus Amores tem mais jeito de letra de música: “Meus amores são da terra/aparecem lá do céu/são como a estrelinha d’alva/são como a lua sem véu/são um feitiço, um encanto, uma longínqua harmonia/sorriso por entre prantos/choro de infinda alegria”. O álbum foi lançado em versões digital e física.

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